O Senado Federal aprovou, no último dia 24, o novo marco jurídico do saneamento básico, oriundo do Projeto de Lei nº 4.162, de 2019, de iniciativa do governo federal e relatado pelo Senador Tasso Jereissati. A matéria já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados no final de 2019 e agora seguiu para sanção do Presidente da República.
A aprovação das novas regras tem por finalidade superar gargalos no setor de saneamento básico. De fato, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), 100 milhões de pessoas não têm acesso a serviços de esgoto, 40 milhões estão excluídas do acesso água e 52 milhões não são atendidas por serviços de coleta de resíduos. Para agravar, ainda temos perdas consideráveis de água nos sistemas de saneamento: 39% (público) e 49% (privado).
Além disso, é importante ressaltar que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada R$ 1 investido em saneamento, há uma economia estimada de R$ 4 na área de saúde. Os dados da OMS indicam ainda que 15 mil pessoas morrem por ano no Brasil e outras 350 mil sejam internadas, por doenças associadas à ausência de saneamento básico adequado.
De uma forma geral, o texto enviado à sanção presidencial traz incentivos à privatização das estatais que atuam no saneamento básico, extingue o modelo atual de contrato entre municípios e empresas estaduais de água e esgoto e estabelece cumprimento de metas de universalização dos serviços até 2033, exigindo-se cobertura de 99% para a oferta de água potável e 90% para esgoto.
Devido à baixa capacidade de investimentos do Estado brasileiro, sobretudo diante dos efeitos fiscais da pandemia, a participação privada no setor tende a se ampliar.
Nesse caso, levando em conta que, no Nordeste, por exemplo, menos de 30% da população tem acesso a esgoto, a região deve, em princípio, atrair investimentos privados consideráveis, para superação desse quadro precário.
Nesse contexto, é bom dizer que, diante da esperada queda do PIB no Brasil (estimativas entre 6 e 10%, em 2020), investimentos privados em saneamento podem desempenhar papel anticíclico no médio prazo. Um salto do saneamento básico ajuda a economia do País. Segundo dados do Instituto Trata Brasil, entre 2004 e 2016, o investimento de R$ 11,2 bilhões em saneamento gerou 141 mil empregos e R$ 13,6 bilhões em renda.
De ordem geral, em que pese a recentíssima aprovação do novo marco legal do saneamento, devem ser considerados os seguintes aspectos, que afetam a decisão de investimento no setor:
- 1. A “nova” Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) será o órgão regulador do setor, inclusive na matéria de tarifas e de contratos. As regulamentações oriundas do Órgão, além de uniformizar as regras do saneamento, serão fundamentais no desenho dos programas estaduais e municipais, com impacto, portanto, nas variáveis econômicas e financeiras dos projetos;
- 2. A edição de regulamentos pela ANA há que ser acompanhada por meio de Avaliação de Impacto Regulatório, sob pena de produção de normas dissociadas dos fins perseguidos pela lei aprovada;
- 3. Há a possibilidade de arranjos conjuntos entre sistemas de saneamento, permitindo, por exemplo, que municípios com menor “rentabilidade” na prestação dos serviços se agreguem em “consórcios”, com potenciais ganhos de escala;
- 4. Contratos que contenham cláusulas de solução privada de conflitos, reduzindo a judicialização, tendem a reduzir custos;
- 5. Os planos estaduais e municipais de saneamento afetarão o desenho dos contratos, podendo incentivar ou não a participação privada;
- 6. Os vetos presidenciais à matéria devem ser acompanhados, sobretudo quanto aos impactos nos incentivos à participação privada.
Devido à densa carga normativa que envolve o assunto, que pode trazer custos de transação elevados no início (custos com a interpretação e aplicação das regras), a efetiva implementação de novos projetos privados no setor de saneamento é incerta no curto prazo. Por isso, repetimos, a regulamentação, a cargo da ANA, será decisiva.
No caso do Ceará, o debate político em torno do assunto é variável relevante a ser observada. A instituição do Pacto pelo Saneamento Básico, no âmbito da Assembleia Legislativa, a recente renovação dos contratos no setor, bem como a articulação das instituições sindicais como o Sindiágua, sinalizam que eventual alteração do modelo de saneamento vigente no Estado, a permitir a participação do setor privado, dependerá, em boa parte, dos partidos políticos representados no Legislativo.
* Especialista em Cenários Legislativos, consultor Legislativo no Senado, ex-Diretor-Geral do Senado, Doutor em Direito pela UnB e Mestre em Economia