Potencial de pesca, indústria portuária estruturada, áreas irrigáveis e localização privilegiada, permitindo travessias pelo Oceano Atlântico, são características que fazem do Ceará um estado estratégico no que tange ao crescimento da Economia do Mar no Brasil. Aliado a isto, uma costa de 573 km e clima favorável, sem oscilações. “O Estado dá esse ambiente para as indústrias chegarem por aqui”, afirmou o secretário executivo do Agronegócio Sílvio Carlos Ribeiro, da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet).
Apesar da pandemia do novo coronavírus, com números de casos confirmados e mortes em declínio no estado cearense, Ribeiro aposta numa retomada próspera para este setor produtivo. Um dos fatores é o acordo de cooperação técnica, previsto para este ano ainda, para exportar pescados para a Europa — a exportação para o continente estava parada desde 2017. Até então, as vendas estavam destinadas aos Estados Unidos.
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Mesmo com uma redução do comércio mundial a curto prazo nesses últimos meses, o advogado e mestre em relações internacionais Rômulo Alexandre observa que poderá haver evolução nos negócios.
“As tratativas em torno do Acordo Mercosul União Europeia e a entrada do Brasil na OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento] serão fatores que alterarão profundamente o nosso ambiente de negócios e poderão atrair mais investimento para o Ceará”, sublinhou Alexandre.
Outra medida importante para este segmento da economia, ressalta o secretário Sílvio Carlos Ribeiro, é a chegada das águas da Transposição do Rio São Francisco, um sonho da população cearense que se tornou possível a partir do último dia 26 de junho, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acionou sistema no trecho norte, localizado Estado. Em agosto, a água poderá seguir ao Cinturão das Águas (CAC), projeto responsável por levar os recursos hídricos de Jati, na divisa com Pernambuco, ao Castanhão e que possibilitará abastecer cerca de 4,5 milhões de pessoas. “Com reserva hídrica, haverá, ainda, uma produção maior, principalmente de tilápia, nos espelhos d’água”, acrescentou Ribeiro.
A produção aquícola e a as exportações de alimentos do mar no Ceará representam, respectivamente, 16% e 22% dos índices do País, conforme levantamento mais recente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec). O documento traça rotas e possibilidades para o Estado até o ano de 2025.
Indústria naval e serviços marítimos
Os produtos cearenses do segmento de construção de embarcações e estruturas flutuantes apresentaram redução na participação das exportações nacionais, de 0,3% para 0,1%, de acordo com publicação da Fiec. Apesar da contração, o Ceará está entre os dez estados brasileiros com maior presença no setor.
A ampliação de estaleiros com tecnologias que garantam a competitividade da indústria naval cearense é o que se pretende alcançar. “Nós recebemos uma empresa americana que está interessada em montar um estaleiro aqui, principalmente voltada para a pesca. Temos de melhorar, claro, a qualidade dos barcos”, reconheceu Ribeiro, assegurando que o Estado tem estudado a possibilidade.
A participação dos mais de seis mil hectares da Zona de Processamento e Exportação (ZPE Ceará), na Região Metropolitana da capital cearense, e dos portos do Mucuripe e do Pecém também contribuem para colocar o Ceará como protagonista em relação a serviços marítimos no Nordeste e no País, seja na modalidade de longo curso, com origem e destino em outros países, ou cabotagem, que se refere ao transporte marítimo entre portos brasileiros.
Para atrair mais investimentos, a Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém S/A (CIPP S.A), um dos principais polos movimentadores da economia cearense, atua junto ao Porto de Roterdã, na Holanda, um dos maiores do mundo. A participação holandesa no complexo abraça investimento de 30% nas ações da CIPP S.A., no valor de R$ 323 milhões. “(A parceria) vai abrir as portas do Porto do Pecém para empresas internacionais. Não tenho dúvida que vai beneficiar o povo cearense, criando oportunidades de emprego, de renda”, comemorou o governador Camilo Santana (PT) à época da assinatura, em outubro de 2018. Em dez anos, a capacidade de movimentação de cargas deve dobrar dos cerca de 13 milhões de toneladas (média atual) para 30 milhões.
Alimentos do mar
O estado cearense produz anualmente, em média, 55 mil toneladas de camarão de cativeiro e também é protagonista quando o assunto é pescados. Dados do Comex Stat mostram que, entre janeiro e dezembro de 2019, o Ceará foi líder em exportações de peixes, moluscos e crustáceos, representando uma fatia de 22.21% do volume total do País.
A seca que castigou o Ceará por seis anos consecutivos, entre 2012 e 2018, reduziu algumas produções, como a de tilápia. Depois, uma pandemia atravessou o mundo. Apesar de alguns algozes naturais, segundo Cadu Villaça, sócio e representante técnico do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindifrio), o Estado possui grande potencial para se destacar neste segmento no futuro. “A pandemia e provável alteração de mercados devem fazer surgir nichos bastante interessantes para inovação e investimento”, disse.
Segundo ele, normas de licenciamento ambiental e de acesso a financiamentos têm sido reformadas para dar maior flexibilidade ao cultivo. “Há espaço e atratividade, outras espécies a serem experimentadas, e existe um enorme potencial de cultivo em mar aberto (maricultura) com várias espécies, como beijupirá, pargos, arabaiana. Mas são investimentos grandes que precisam de uma proposta e visão de médio longo prazo”.
O setor de alimentos do mar é intimamente ligado ao turismo e à gastronomia, segmentos que deverão ser os últimos a retomar níveis históricos de atividades no mundo. “O que se procura é inovação comercial, procurando atender e construir uma carteira de clientes mais ativa, como os [serviços] delivery, atendendo ao varejo com mais atenção e diversidade de apresentações e, principalmente, adequando custos a esta menor demanda”, avaliou Villaça, que também é líder do MasterPlan Economia do Mar, da Fiec. “Os mercados têm apontado: a tendência está em sustentabilidade, em compliance, em digitalização, mas tudo isto só se aplica se existem recursos para serem aplicados, e o Ceará os tem, em terra e muito no mar”.
Recursos marinhos
Em função das condições de vento favoráveis e da pouca profundidade de sua plataforma continental, a secretária da Indústria do Desenvolvimento Econômico do Ceará, Roseane Medeiros, afirma que investidores têm demonstrado interesse em implantar no Estado usinas offshore — fonte de energia limpa e renovável obtida pela força do vento que sopra em alto-mar. “Além disso, o Porto do Pecém dispõe, no seu retro porto, de estrutura necessária para uma base de apoio para a instalação de um parque eólico offshore”, disse.
Em relação à produção de petróleo, que representa 0,3% do total extraído do País, Medeiros disse que, apesar da paralisação das plataformas da Petrobras em função da queda da demanda, causada pela pandemia da covid-19, a expectativa é de que “as bases sejam incluídas no plano de desinvestimento da companhia”.
A empresa afirma que a gestão ativa de portfólio reduzirá o endividademento enquanto prioriza ações que geram mais valor. “Por isso, o foco no pré-sal, que deve receber a maior parte dos U$ 76 bilhões que a companhia planeja investir entre 2020 e 2024, um valor três vezes maior que os desinvestimentos previstos para o mesmo período”, destacou a Petrobrás em seu projeto de transformação “Novos Caminhos”.
A secretária também aponta a dessalinização da água do mar do litoral cearense como estratégia para uma retomada econômica. Em abril, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) lançou edital de concessão para a elaboração de projetos, construção, operação e manutenção de 1m³/s de dessalinizador de água marinha na Região Metropolitana de Fortaleza.
De acordo com a Cagece, a planta de dessalinização deve diversificar a matriz hídrica do Estado, “de forma que o abastecimento da população não dependa apenas das chuvas”. Conforme aponta a companhia, haverá um incremento de 12% na oferta de água, beneficiando cerca de 720 mil pessoas.
O documento segue o modelo de concorrência pública internacional do tipo menor valor da contraprestação, sob modelagem de parceria público-privada (PPP). O edital segue aberto até o dia 01/09.
Turismo
Segundo levantamento mais recente da Secretaria do Turismo do Ceará, mais de 3,7 milhões de turistas visitaram o Estado em 2019, sejam oriundas do próprio Brasil ou de outros países, passaram pelo território cearense — 37% a mais do que o registrado em 2010.
Com a baixa em decorrência da pandemia no primeiro semestre deste ano, a circulação no turismo sofreu um impacto. O Estado, porém, como avalia Arialdo Pinho, titular da pasta, voltará em sua totalidade em breve, após a quarta fase do planejamento estadual de retomada econômica, prevista para o próximo dia 20 de julho. “Queremos que nosso destino, além de toda a variedade de atrativos, passe segurança e tranquilidade ao visitante. Que ele tenha certeza que aqui não há risco de contaminação e que terá apenas boas experiências durante sua estadia. Vamos dar ênfase ao ‘destino seguro’, que segue regras rígidas de proteção e combate ao coronavírus”, destacou o secretário.
A previsão de crescimento no número de visitantes, por sua vez, impacta uma cadeia que aglutina, de pequenos produtores a conglomerados, rede hoteleira, gastronomia e práticas esportivas. Em 2019, por exemplo, na praia de Cumbuco, no município de Caucaia, no litoral oeste, foi realizado o Winds for Future, evento inédito que reuniu palestrantes e expositores de inovação e tecnologia. Ao mesmo tempo em que, no mar, 596 kitesurfistas faziam um percurso de dois quilômetros, marca que bateu o recorde mundial do Guinness World Records.
Com a pandemia do novo coronavírus, avalia Igor Ary Juaçaba, cofundador do evento, a demanda turística para o litoral cearense está reprimida e pode “explodir da noite para o dia”. “Talvez sejamos o primeiro estado a sair da pandemia, dando confiança aos turistas para que voltem a viajar”, disse. Para ele, outro fator que pode impulsionar a economia local no turismo de litoral é a alta do dólar. “Fica mais fácil do brasileiro viajar pelo Brasil. E Fortaleza, o Ceará, tornam-se grandes opções. Também fica barato para os europeus, nossos principais clientes, virem para cá”.
O modelo de trabalho remoto, intensificado durante a pandemia, deve ser um fator que pode impulsionar o turismo também, segundo Juaçaba. “Pessoas podem trabalhar em ambientes de praia. Viagens que durariam 10 dias podem durar 30, 45”, exemplificou ele, que também mantém a plataforma Nômades Digitais, de incentivo ao trabalho durante viagens particulares ao redor mundo.
A edição de 2020 do Kite Parade, promovido pelo Winds for Future, estava programada, inicialmente, para o mês de setembro. O evento será adiado, mas ainda não tem data definida. “Se confirmada, vamos focar no público local e nos turistas que estiverem pela região”, continuou.
A requalificação de espaços públicos e a construção de equipamentos voltados ao lazer são apostas para o Ceará aumentar o fluxo de visitantes. A reestruturação da avenida Beira-Mar de Fortaleza e da Praia de Iracema, assim como a instalação de uma roda-gigante de 100 metros na orla, com 24 cabines, devem fomentar o turismo nos próximos anos. O Beach Park Entretenimento, um dos principais cartões-postais cearenses, também colabora para manter o Estado na rota dos destinos mais procurados do País. Com ampliação na oferta de voos no Ceará, o complexo, que anualmente recebe, em média, 1 milhão visitantes, pretende ampliar seu parque aquático, hotel e resorts para atender à demanda.
De acordo com o relatório de Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE, de 2019, publicado em fevereiro deste ano, o Ceará teve um aumento de 4,8% entre janeiro e dezembro no volume das atividades turísticas, ficando atrás somente de São Paulo (5,1%).
Em voos de natureza internacional, somando o número de embarques e desembarques entre janeiro e dezembro de 2019, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) coloca Fortaleza como o primeiro destino do Nordeste e o quinto do País. Em voos domésticos, a capital cearense figura em terceiro lugar no quantitativo de embarques e desembarques, ficando atrás somente das capitais Recife e Salvador. “Estávamos numa curva crescente e promissora quando a pandemia chegou ao Brasil. Como ocorreu em todo o mundo, tivemos uma queda brusca, mas estamos trabalhando para retomar o crescimento e voltar a ser um dos destinos que mais crescem no País”, avaliou o secretário Arialdo Pinho.