Importante cadeia para a economia do Estado, principalmente no que diz respeitos às exportações, a produção aquícola cearense, que engloba, principalmente, a piscicultura (cultivo de peixes em cativeiro) e a carcinicultura (criação de camarões), vem se desenvolvendo ininterruptamente ao longo dos últimos anos. Com técnicas inovadoras e pesquisas para o desenvolvimento de produtos e processos, a aquicultura local ganha cada vez mais espaço no cenário nacional e, segundo especialistas, tem potencial para evoluir ainda mais.
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Somente no ano passado, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ceará produziu 11 mil toneladas de peixes de água doce e outras 13 mil toneladas de camarão marinho, com total de 24 mil toneladas, mesmo após quase uma década de seca, o que revela a capacidade de o setor continuar produzindo mesmo em um cenário adverso. Conforme o Comex Stat, banco de dados do Ministério da Economia, em 2019 o Estado também liderou as exportações nacionais de peixes, moluscos e crustáceos, com 22,2% de participação no volume do País.
Para Roberto Gradvohl, presidente da Câmara Setorial de Economia do Mar e Águas Continentais (CS Economia do Mar), instituída pela Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), a aquicultura é uma atividade que acaba preservando a própria pesca extrativa, que também tem papel importante na economia cearense. Segundo ele, ao longo do dos últimos vinte anos, o cultivo de peixes como a tilápia e de camarões tem sido bastante desenvolvido e aperfeiçoado no Estado, através de novas tecnologias e melhoramento genético.
“O setor tem investido muito em tecnologia para obter um produto de maior qualidade e economicamente viável. A tilápia, por exemplo, é uma espécie que veio de fora do País, se adaptou bem ao ambiente do Ceará, foi aperfeiçoada ao longo dos anos e, atualmente, é cultivada em diversas regiões do Estado. Com o melhoramento genético, tornou-se um peixe mais rentável, saudável e saboroso, bastante consumido dentro do próprio Ceará”, diz Roberto Gradvohl.
O próprio Governo do Ceará, através da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), tem estimulado a pesca artesanal através do Projeto de Peixamento. Somente em março, por exemplo, a ação distribuiu 5,5 milhões de alevinos de tilápia em mais de mil reservatórios do Estado, beneficiando 60 mil famílias.
Ainda segundo Gradvohl, no caso da carcinicultura, os avanços nas técnicas de criação são ainda mais significativos. “O Estado possui tecnologia que permite o cultivo de camarão marinho muito longe do mar. Os viveiros normalmente ficam próximos à costa, mas já é possível levá-los para regiões mais afastadas”, diz.
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Conforme o presidente da CS Economia do Mar, o Ceará, juntamente com o Rio Grande do Norte, o Sergipe, a Paraíba e o Piauí, são os grandes produtores de camarão em cativeiro do País. Para ele, com as águas do Projeto de Integração do São Francisco (PISF), que finalmente chegaram ao Estado no último dia 26 de junho, a tendência é de que o Ceará se consolide como líder na produção nacional.
“O cearense já faz milagre na piscicultura e carcinicultura, tendo em vista que sempre tivemos pouca água disponível. Se com essa escassez conseguimos nos tornar um dos principais expoentes da aquicultura nacional, imagina com as águas do Rio São Francisco. Tenho certeza de que isso trará uma evolução grande e alavancará a produção de todo o setor”, ressalta Roberto Gradvohl
Ao todo, a produção aquícola do Ceará representa 16% do índice do País, conforme pesquisa mais recente da Federação das Indústrias do Estado (Fiec).
Inovações de processos
Segundo Cadu Villaça, sócio e representante técnico do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca do Ceará (Sindfrio), uma importante inovação de processo implantada pela aquicultura cearense ocorreu após a chegada do vírus da mancha branca ao Estado, em 2016. A doença, devastadora para a criação de camarões, obrigou os produtores a repensarem diversas estratégias de cultivo.
“Foi preciso investir em novas tecnologias de manejo e na construção de estufas cobertas para impedir o trânsito de patógenos. Além disso, grandes viveiros, como os localizados em Itarema e Acaraú, estão fazendo fortes investimentos em genética para aumentar a resistência da espécie”, conta Cadu Villaça.
Outro aperfeiçoamento de processo mencionado pelo representante técnico do Sindifrio é o desenvolvimento da recirculação de água na produção do Ceará. “Isso ocorre bastante na carcinicultura. No lugar de a água ser despejada, ela é tratada e bombeada por mecanismos, que a enviam de volta aos viveiros”, diz.
Para Felipe Matias, especialista em aquicultura e cientista chefe da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), outra inovação que já é feita no Ceará, ainda que de maneira incipiente, é o cultivo superintensivo de camarão marinho e tilápia. Segundo ele, com a utilização desta tecnologia é possível obter produtividade até cem vezes maior do que o sistema convencional, além de proporcionar a interiorização dos cultivos.
“O cultivo de camarão marinho gera uma renda de aproximadamente R$ 1 bilhão ao Estado. Com uma mudança tecnológica, saindo do sistema atual, semi-intensivo, para o superintensivo, podemos transformar isso em R$ 12 bilhões, sem aumentar nenhuma área, apenas com produtividade”, afirma Felipe Matias.
O pesquisador também destaca que, com o desenvolvimento da aquicultura no Ceará, a tendência é de que tecnologias ainda mais avançadas sejam aplicadas nas produções locais, como é o caso da utilização de drones, de sensores para monitoramento da qualidade da água e dos solos, além de simuladores (realidade virtual e aumentada) e ROVs (Robôs Operados Remotamente).
Inovações de produtos
Conforme Felipe Matias, a maior inovação de produto da aquicultura cearense não tem relação com o cultivo em si. Isso porque, pontua, esse posto pertence a utilização da pele de tilápia para o tratamento de queimaduras, desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Medicamentos (NPDM) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC). Segundo ele, o tratamento, utilizado em pacientes do núcleo de queimados do Instituto Doutor José Frota (IJF) desde 2016, agrega valor a um produto comum no Estado.
“O maior exemplo de inovação tecnológica do pescado cearense é esse tratamento fantástico feito com a pele da tilápia para o controle de queimaduras. Trata-se de um estudo recente e inovador, que certamente receberá prêmios internacionais. Um exemplo do que o nosso Estado é capaz de fazer”, pontua Matias. Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro chegou a destacar que o método poderia ser utilizado em todo o País, e que estudos estavam sendo feitos pelo secretário nacional da pesca, Jorge Seif Júnior, junto ao Ministério da Saúde.
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Outra inovação de produto que vem sendo desenvolvida no Ceará é o cultivo da microalga de água doce haematococcus pluvialis, que produz um pigmento natural de altíssimo valor comercial, segundo explica Rossi Lelis, bolsista da Funcap e coordenador do projeto das microalgas. “Essa substância, que tem uso medicinal, cosmético e de nutrição animal, pode chegar a custar US$ 10.000 o quilo, dependendo da pureza”, explica. Conforme diz, a principal utilização do pigmento ocorre na própria aquicultura, já que os animais que o ingerem ganham uma cor mais alaranjada, aumentando consideravelmente seu valor agregado.
Segundo Rossi, o grande desafio é criar condições favoráveis, no ambiente de cultivo do Ceará, para que a microalga produza o pigmento. “Ela libera essa substância para se proteger, então é necessário criar a carga estressora correta, além de condições favoráveis de iluminação e sal, por exemplo. Já temos conseguido fazer isso em laboratório, mas ainda é necessário desenvolvimento para uma produção em escala comercial”, explica. A ideia da Funcap, que iniciou esses estudos no início de 2019, é conseguir inserir o produto, de maneira periódica, na aquicultura local, aumentando o valor agregado de todo o pescado.
O pesquisador reforça que a haematococcus pluvialis, caso seja vendida sem qualquer extração de substância, tem um valor de mercado aproximado de US$ 600 por quilo. Com o pigmento ativo, esse número varia de US$ 7.000 a US$ 10.000. “Nossa meta é conseguir fornecer essa tecnologia aos produtores cearenses, inclusive os pequenos, de comunidades carentes, para que eles consigam ter um produto de alto valor agregado vendê-lo bem”, diz Rossi Lelis.