“A pandemia deixou mais visível o que já estava ali. Um sistema econômico desenhado para cuidar de alguns, e não de muitos”. As palavras do ex-executivo da consultoria McKinsey, Jay Coen, tornam-se emblemáticas e demarcam um tema que já vinha, nos últimos anos, ganhando espaço de forma peremptória, ainda que lenta, no mundo corporativo. A […]

Negócios de impacto: retomada acelera mudanças no mundo corporativo

Por: Pery Negreiros | Em:
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“A pandemia deixou mais visível o que já estava ali. Um sistema econômico desenhado para cuidar de alguns, e não de muitos”. As palavras do ex-executivo da consultoria McKinsey, Jay Coen, tornam-se emblemáticas e demarcam um tema que já vinha, nos últimos anos, ganhando espaço de forma peremptória, ainda que lenta, no mundo corporativo. A novidade é que a crise provocada pelo novo coronavírus acabou por acelerar essas percepções entre os players, dando um caráter de urgência à substituição de conceitos do chamado capitalismo de “shareholder”, focado no investidor e de percepção mais individualista, pelo de “stakeholder”, que se alinha prioritariamente aos critérios sociais, ambientais e de governança (ESG). Em suma, os chamados negócios de impacto parecem ter encontrado sua melhor hora e lugar para prosperar.

No fundo, a inquietação lançada por Coen, hoje líder de um movimento de empresários, investidores e ativistas sociais chamado Imperative 21, serve para alertar as grandes corporações de que suas marcas não serão jamais dissociadas novamente de suas atitudes efetivas. Prova tangível disso pode ser colhida no mercado de ações de Wall Street, que em 2020 registrou um expressivo aumento de 25% na procura pelo ETF (Exchange Traded Funds) de tecnologia S&P 500, enquanto o de energia S&P 500, com presença de estoques de petróleo e gás, apontou queda de 34%.


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No Ceará, quem estiver interessado pela discussão pode colocar na agenda o evento “Laços – do propósito ao impacto”. Totalmente online, com inscrições gratuitas e marcado para os próximos dias 21, 22 e 23 de setembro, a proposta consiste em apresentar iniciativas de impacto social positivo, no sentido de incentivar empreendedores, empresas e instituições a desenvolver e apoiar projetos que promovam intervenções positivas na sociedade

A tendência de incorporar fatores como gestão de riscos climáticos e apostar em valores humanos, sociais e ambientais tem deixado de ser mera opção benevolente para se tornar requisito básico à perenidade dos negócios também no Estado, conforme atesta Haroldo Rodrigues, fundador e CEO da In3citi. O fomento aos negócios de impacto, conectando ações como a plataforma Nina Mobile, focada no combate ao assédio sexual no transporte público, e o WiseGo, ferramenta de turismo interativo, a investidores interessados em mudanças positivas é o que mais caracteriza a iniciativa. 

“Costumo dizer que essa crise provocada pela pandemia, mesmo causando esse momento louco e deixando indicadores negativos, acelerou algumas tendências. Uma delas é essa nova economia de mercado emergente, que associa as relações de valor com impacto socioambiental aos seus consumidores. Vejo com muito otimismo essa oportunidade. O momento é de se preparar, pois as coisas evoluíram muito rápido nesses últimos meses”, prevê o empresário à frente de umas das três empresas locais agraciadas com o Selo B, certificação que, em síntese, atesta o comprometimento genuíno com atitudes de sustentabilidade.

Em 2020, já são 170 as organizações certificadas, entre elas nomes como Natura, Mãe Terra, Movida e Reserva. Mais 15 estão em processo de qualificação, ao mesmo tempo em que há cerca de 6 mil empresas utilizando ferramentas para gerir impacto, especialmente um questionário de avaliação B, como mecanismo de indicadores, que é gratuito e pode ser utilizado com a função de acompanhamento e gestão.

No Ceará, as três empresas com essa chancela são a já citada In3citi, a Selletiva e a Positive Brands. “Tenho acompanhado, junto ao Sistema B do Brasil, que há cerca de outras cinco empresas cearenses em processo de certificação. Um exemplo super significativo é o da Tal da Castanha, que era um produto da Amêndoas do Brasil, e criou um CNPJ próprio, a Positive Brands, cujos 50% de suas ações pertencem hoje à Três Corações. E trata-se de uma empresa B”, cita ele, para exemplificar uma situação do mercado local de um negócio genuinamente gerador de impacto positivo.

“Temos lideranças locais que se conectam com as empresas para que a gente consiga impulsionar o movimento no Estado. Dentro dessa narrativa de convencimento, essa procura hoje é muito mais orgânica, as empresas vêm muito atrás da gente, mas é lógico que a gente tem campanhas, iniciativas para aumentar o conhecimento, não só sobre a certificação, mas o fato de se trabalhar com impacto”, confirma Pedro Telles, gestor de Comunidades e Relacionamento do Sistema B Brasil.

Uma dessas lideres “caseiros” citados por Telles é Tatiana Teixeira, gestora da Comunidade B Ceará. Ela comemora as conquistas já consolidadas e a curiosidade proveniente da parte de outras interessadas. “A procura pela certificação tem aumentado bastante, muitas empresas, buscando entender por onde começar a dar os primeiros passos na direção da certificação. E, às vezes, temos empresas que já executam as práticas de empresas B e chegam para o processo de certificação”, conta ela.

Meio termo

O Setor 2.5 é um termo utilizado para combinar propostas do segundo e do terceiro setores, propondo ações conduzidas por objetivos sociais, mas também apresentam fins lucrativos, ou seja, estão entre os chamados Segundo e Terceiro Setores. “É um novo tipo de negócio emergindo no mundo que permite aos empreendedores unir sustentabilidade financeira e impacto positivo à sociedade”, define Tereza Furtado, consultora empresarial e educadora na Unifametro. 

Para reforçar seu argumento, a professora cita a já célebre definição do economista Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel em 1976, que por aqueles anos qualificou a maximização dos lucros como o objetivo central do capitalismo. “O negócio do negócio é o negócio”, dizia o laureado pela famosa comenda sueca. Com o passar dos anos, entretanto, a ideia do lucro a qualquer preço foi sendo reconsiderada.

“Cada vez mais organizações estão conseguindo perceber que o seu negócio precisa lucrar com propósito. Torçamos para que tal palavra não seja banalizada, simplesmente. Os negócios de impacto estão cada vez mais presentes, até porque uma nova sociedade emerge, através de uma nova geração que tem cada vez mais associado seu consumo e inserção profissional em ambientes de negócios que pensam na transformação social”, explana Furtado.

Essa mudança de paradigma, aposta Haroldo Rodrigues, deverá passar por novas nomenclaturas e métricas.   “Digo sempre que os negócios de impacto tiram essa percepção de que a conta precisa fechar no final do dia. Na verdade, o sucesso do negócio não vai ser visto apenas pelo balanço financeiro, e sim da quantidade, centenas de milhares, de consumidores que se beneficiam do negócio. Não será mais o ROI (Retorno sobre investimento) financeiro, mas sim, por exemplo, o ROI ambiental, o retorno para onde essas pessoas moram, seus territórios”.

Revisão do capitalismo?

Capitaneada pelo B Lab, que no Brasil é representado pelo Sistema B, a coalizão Imperative 21 lançou sua primeira campanha global no último dia 13 de setembro, buscando atingir mais de 72 mil empresas em 80 países e influenciando cerca de 18 milhões de trabalhadores. Intitulada de “Redefina o Capitalismo”, a proposta era mobilizar, em centros financeiros como Nova York, São Paulo e Londres, líderes empresariais para, entre outras coisas, a importância não de destruir o capitalismo, mas sim de reiniciá-lo por um bem maior. Segundo prega o próprio Coen, o mundo corporativo não carece de retornar ao que era antes da pandemia, mas precisa pensar em todos os envolvidos, “ou vamos terminar na mesma situação em que estávamos quando a próxima pandemia vier, ou quando a mudança climática se acentuar”, vaticina. 

Ação de doação de alimentos do negócio de impacto Somos Um durante a pandemia FOTO: Divulgação

A visão se reflete em números que indicam um patamar de investimento na ordem de US$ 1 trilhão em ativos apenas em 2020 para o mercado ESG, muito em função da pandemia, segundo revelou Sir Ronald Cohen, presidente do Global Steering Group for Impact Investment (GSG), logo na abertura do GSG Global Summit 2020. A cúpula mundial, que aconteceu de forma online no início de setembro deste ano para 1.500 participantes de 60 nações, reunindo investidores e gestores de fundos, CEOs e empreendedores, além de representantes de organismos internacionais e governamentais, reforça a tendência de que o mercado de impacto deixará em breve de ser exceção para se tornar a regra.  

É o que defende também Tatiana Teixeira:

“A crise atual do covid19 escancarou a desigualdade e evidenciou um sistema econômico que privilegia poucos, trouxe um um senso de urgência para repensar a maneira como construímos e operamos os negócios. E as Empresas B, que adotam os mais altos padrões de práticas ambientais, sociais e de governança, tendem a ser muito mais resilientes durante as crises, algo que foi provado na crise de 2008 e já tem sido testemunhado no momento atual”, afirma ela.

Tatiana Teixeira, gestora da Comunidade B Ceará

Apoio às PMEs

Tais mudanças de perspectiva devem mirar não apenas as grandes corporações. Quem apontou, já em abril de 2020 – portanto no início da pandemia – a importância de defender as pequenas e micro empresas foi Larry Flink, fundador e CEO da BlackRock, gestora de um portfólio de US$ 6,8 trilhões. Para ele, a ausência de proteção deste segmento proporcionada pelo mercado de capitais e investimentos torna-o ainda mais vulnerável à crise, sob pena de que muitos empregos sejam extintos para sempre após a passagem da Covid-19. “Por isso, vamos precisar da criação de grandes programas de empregos, especialmente na área de infraestrutura e em áreas como a construção civil”, disse o norte-americano àquela altura.  

Este deve ser um foco urgente dos gestores públicos, sim, insistem especialistas, mas a iniciativa privada tem tomado a dianteira nessa tarefa. Este é o caso do Estímulo 2020, projeto que já tinha andamento nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo e acaba de chegar ao Ceará, tendo como ideia central a viabilização de recursos a micro e pequenas empresas – com faturamento anual entre R$ 180 mil e R$ 2 milhões ao ano – afetadas em cheio pelo novo coronavírus. 

Por intermédio de doações, seja de pessoas físicas ou de empresas locais, o objetivo dos responsáveis pela ação no Ceará é, em breve, chegar aos R$ 15 milhões em crédito facilitado para empreendedores no intuito de salvar cerca de 500 empresas e mais de mil empregos, de acordo com Ticiana Rolim, fundadora da Somos Um. O negócio de impacto já consolidou atuação marcante nas ações ligadas à Covid-19 no Estado onde 98% das empresas são PMEs e chegam a gerar 51% das vagas de trabalho.

A empreendedora social lembra que os desafios da área são muitos e que não apenas um setor da sociedade deve se tornar responsável exclusivo por essa retomada, que extrapola inclusive os percalços inerentes à pandemia, mas que têm origem bem anterior: 

“Por mais competente que seja o governo – e sua política pública – ou a iniciativa privada, ninguém vai resolver o problema sozinho. A gente precisa sair desse jogo de acusação, de dizer que a culpa é de alguém, e fazer a nossa parte. E todos esses atores se complementam por um resultado mais rápido e abrangente”

Ticiana Rolim, empreendedora social, fundadora da Somos Um

Para Haroldo Rodrigues, é preciso ressaltar que os negócios de impacto, na realidade, são semelhantes a qualquer outro. “Não estou falando de onguismo ou de Terceiro Setor. Me refiro a mercado que busca o retorno financeiro, mas este é consequência, e não fim. O fim é a melhoria na qualidade de vida das pessoas, a necessidade de o consumidor fazer uma opção de consumo baseada no que aquele produto ou serviço vai gerar”, destaca.

Já Pedro Telles sustenta que todas essas iniciativas de impacto não devem ser consideradas “oportunistas”, mas, sim, “oportunas”. “Precisam contar com nossa atenção para que sejam construídas coisas cada vez mais permanentes. E é importante que essas medidas não sejam pontuais, aquela coisa de a empresa doar alguma coisa, fazer um mini-programa lateral e achar que está tudo bem, por estar surfando a onda. É aproveitar a potência da discussão no momento para transformá-la em ações duradouras, concretas de fato, com indicadores, com transparência sobre os desafios e tudo mais”, encerra o gestor.

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