A conclusão da Ferrovia Transnordestina é aguardada com grande expectativa pelo Ceará. Afinal, o modal ferroviário ligará a nova fronteira agrícola brasileira – composta pelo sul dos estados do Piauí e Maranhão, além do norte do Tocantins e oeste da Bahia –, ao porto do Pecém, que realizará o escoamento de toda essa produção para o mercado nacional e internacional. Ao mesmo tempo, ele também será utilizado para levar minério de ferro ao complexo industrial e portuário cearense, que abriga uma das maiores plantas siderúrgicas do País, a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP). Mas os ganhos não param por aí. Além de consolidar a posição geográfica estratégica do Estado para o comércio exterior regional e brasileiro, ampliará a participação do Interior, principalmente do Cariri, importante polo industrial e atacadista, na economia do Ceará.
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Ademais, completará a infraestrutura, viabilizando o conceito multimodal da logística estadual. O empreendimento será capaz de encurtar distâncias e baratear o transporte, resultando em um diferencial sem precedentes para os investidores interessados nas potencialidades locais.
“Uma vez concretizada, a Ferrovia Transnordestina terá um papel fundamental na estratégia de desenvolvimento do Ceará e de toda a sua área de influência. No longo prazo, os desdobramentos provocados pela obra tendem a ser os mais variados e significativos”, aponta o economista Júlio Cavalcante, secretário executivo de Comércio, Serviços e Inovação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet).
Novo fôlego para o Interior do Ceará
Na sua avaliação, as projeções apontam para investimentos complementares na economia cearense, sobretudo no Interior, como a construção de um ramal ferroviário ligando a Transnordestina à futura usina para exploração de urânio em Santa Quitéria, prevista para 2023. Segundo os investidores, a maior área de reserva de urânio associado ao fosfato do planeta.
Ainda de acordo com eles, a usina poderá impulsionar, a partir do fosfato, a produção de fertilizantes agrícolas e nutrição animal e a geração de energia elétrica desde o urânio.
“Dessa forma, a ligação da planta de urânio com a Ferrovia Transnordestina e, a partir desta, ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém, trará grandes oportunidades de negócios para o Ceará”, celebra Júlio Cavalcante.
Outro desdobramento importante a considerar, emenda, é a conexão da ferrovia com o Cariri. “O Cariri tem um poder de influência territorial muito grande com vários estados nordestinos. Pela equidistância alcança sete capitais da região. Por ali também passa a BR 116. Razão pela qual, a Ferrovia Transnordestina promoverá a integração com o modal rodoviário e destes com o marítimo, já que chegará até o Porto do Pecém. Sem esquecer o aeroporto regional de Juazeiro do Norte, complementando a cadeia logística local. Os ganhos de proximidade com todo o Nordeste e o país são visíveis, beneficiando os atuais e futuros investimentos empresariais na região”, destaca.
Cavalcante lembra ainda que, em funcionamento, o modal ferroviário poderá finalmente viabilizar a construção de um centro logístico de distribuição no Cariri, impulsionando as exportações, via o Porto do Pecém, assim como o recebimento de produtos para abastecer cidades e estados vizinhos. A propósito, um sonho antigo acalantado pelos gestores municipais dessa região ao sul do Ceará.
De acordo com ele, a Ferrovia Transnordestina e, a reboque, um centro de distribuição no Cariri abririam espaço para o crescimento da indústria calçadista, da fruticultura irrigada de maior valor agregado, para a venda de granito e para a distribuição de produtos de municípios próximos. Um exemplo seria o gesso fabricado em Araripina, Pernambuco, que seria mais fácil de transportar pelo Sul do Ceará.
“A partir do Cariri, o encurtamento da distância ao Porto do Pecém, com meios de transporte mais baratos, primeiramente o ferroviário e depois o marítimo, aproximará a economia do Nordeste dos principais mercados internacionais”, afirma.
Investimentos logísticos
“Em contrapartida, além da abertura de centros de distribuição, a conclusão da Transnordestina poderá trazer outros investimentos logísticos importantes para o Ceará, a exemplo de portos secos e pátios multimodais, agregando valor à cadeia produtiva e logística do Estado”, ressalta o presidente do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Heitor Studart.
Para se ter uma ideia, um porto seco, também conhecido como Estação Aduaneira Interior (EADI) ou Dry Port, é um terminal intermodal terrestre ligado por rodovias, via férrea ou aérea. Nele são feitos os processos aduaneiros fora do porto organizado, em uma zona secundária, geralmente no interior.
Ali são armazenadas cargas durante o processo de importação ou exportação até que aconteçam os desembaraços pelos órgãos competentes, já que abrigam uma base da Receita Federal, que é responsável pela parte burocrática de tributação.
Segundo os especialistas, os portos secos oferecem diversas vantagens. Mais do que local de armazenamento, afirmam, hoje eles possuem tecnologias avançadas que permitem melhor gerenciamento da logística aduaneira, sendo capazes de receber as mercadorias, fazer a etiquetagem, separação, preparação e distribuição.
Ao passo que conseguem integrar melhor os outros meios de transporte, pois possuem infraestrutura apropriada – fácil acesso a portos, aeroportos, ferrovias e rodovias importantes.
Ainda de acordo com os estudiosos, os serviços também acabam sendo mais baratos se comparados a portos e aeroportos. Números que chegam a 30% no primeiro caso e surpreendentes 90% no segundo.
Já os pátios, ou terminais multimodais, por sua vez, são áreas anexas a ferrovias, destinadas à instalação de equipamentos para trasbordo de carga. “O que agilizaria a movimentação de mercadorias pelo Ceará e o Nordeste”, diz Studart.
Frete mais barato
Desse modo, expõe o presidente do Conselho de Infraestrutura da Fiec, a Ferrovia Transnordestina e os demais investimentos complementares em logística, possíveis de serem implementados no Ceará, trarão como benefício para o setor produtivo fretes exponencialmente mais baratos.
Conforme disse, o custo logístico é medido pelo chamado TKU (Toneladas por Quilômetro Útil), obtido multiplicando-se a tonelagem transportada pela distância percorrida. “Com o encurtamento das distâncias ao Porto do Pecém, mediante a conclusão da Transnordestina, o custo do transporte cairá drasticamente”, afirma.
Isto se explica, detalha Heitor Studart, devido ao fato de o TKU calculado para o transporte ferroviário ser dez vezes inferior ao registrado pelo transporte rodoviário. “No caso do transporte rodoviário, temos um TKU de US$ 2,2, ao passo que no ferroviário representa 0,3% deste valor, similar ao que se obtém no transporte marítimo”, fala.
Dessa maneira, conclui Studart, o barateamento dos custos logísticos, com a adição do modal ferroviário à infraestrutura logística do Ceará, em conjunto com a posição geográfica privilegiada do Complexo do Pecém ante ao Nordeste e o Norte do País, assim como ao Canal do Panamá, aos Estados Unidos, à Europa e ao Norte da África, reforçará ainda mais o potencial econômico do Estado aos olhos dos investidores.
Nesse sentido, acrescenta, Júlio Cavalcante, secretário executivo de Comércio, Serviços e Inovação da Sedet, vale lembrar que o Porto do Pecém é hoje o segundo maior porto do Brasil em linhas de cabotagem. A Cabotagem é a navegação entre portos do mesmo país, e se contrapõe à navegação de longo curso, que é realizada entre portos de diferentes países.
“Assim sendo, com o transporte ferroviário, via a Transnordestina, conectado ao Porto do Pecém, é possível, a custo menores e dada à proximidade, chegar por via marítima principalmente aos portos do Norte e Nordeste, não descartando os portos do Sul e Sudeste”, afirma.
Em 2019, o Porto do Pecém encerrou o ano com seis linhas regulares de cabotagem. O número é o segundo maior do Brasil, atrás apenas do Porto de Santos, em São Paulo. À época, segundo a Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP S.A.), a cabotagem já representava 53% de todo o movimento do porto.
Porto do Pecém: movimentação poderá ser duplicada
Ponto final dos trilhos da Ferrovia Transnordestina no Ceará, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém projeta um impacto expressivo na exportação de granéis sólidos. “A maior parte de granéis sólidos que movimentamos hoje é no sentido importação. Porém, o impacto (positivo) causado pela ferrovia no Pecém será de forma muito mais expressiva na exportação destas commodities, podendo chegar a duplicar os números de movimentação do Porto”, afirma a diretora Executiva Comercial do CIPP, Duna Uribe. Conforme disse, a ferrovia é fundamental para o Ceará e está entre os eixos estruturantes de desenvolvimento do Estado.
“A obra foi incluída entre os cinco principais eixos durante e após a pandemia do coronavírus. O objetivo da Transnordestina é elevar a competitividade da produção agrícola e mineral da região integrando o Ceará à região de ‘Matopiba’ (Maranhão-Tocantins, Piauí e Bahia) com uma moderna logística que une uma ferrovia de alto desempenho e portos de calado profundo que podem receber navios de grande porte”.
Além de um elevado impacto positivo nas movimentações das cargas de granéis sólidos (minérios de ferro e outros), a diretora do CIPP estima igual crescimento no que diz respeito à movimentação de grãos (milho e soja). “Estamos aguardando a conclusão da obra com as melhores expectativas”, fala.
Ainda de acordo com ela, no que tange à Zona de Processamento de Exportação, a ZPE Ceará, “identificamos, observando às tendências de mercado, oportunidades nos segmentos de equipamentos de informática e eletrônicos, máquinas e aparelhos elétricos, alimentos, transformação de minerais não metálicos, metalurgia, energia e combustíveis, transição energética e energias renováveis. Porém, os segmentos de processamento de alimentos, bem como de transformação de minerais não metálicos e metalurgia, inicialmente, poderão ser os mais beneficiados para instalação em nossa área industrial e de ZPE com o modal ferroviário”, destaca.
Como exemplo do que poderá ser viabilizado para a ZPE, Duna Uribe, cita as cadeias produtivas nacionais que exportam produtos agrícolas sem industrialização, tais como açúcar, café, carnes, leite e trigo.
“Também empresas que utilizam como insumos o que o Ceará exporta como produto básico, tais como peixes e crustáceos, frutas, ceras vegetais e castanha de caju poderão ser atraídas para a área industrial e de ZPE. Por último, haverá oportunidades ainda para a industrialização de bens minerais como, por exemplo, considerando-se as jazidas de cobre, bauxita e manganês no leste do Pará e no norte da Bahia”, complementa.
Na sua avaliação, “a chegada da Transnordestina dará a oportunidade de promover uma significativa redução dos custos logísticos de exportação; aumento do valor das terras do interior nordestino; reorganização espacial da produção agrícola; atração de novos empreendimentos para a região, gerando, consequentemente, mais emprego, renda e um desenvolvimento sustentável para todo o Nordeste e em especial para o Complexo do Pecém”.
“O minério de ferro, a soja o milho e o algodão podem se transformar nas cargas-âncora que irão tornar o empreendimento sustentável e gerador de divisas para todos os entes federativos envolvidos no projeto”, aponta.
Ferrovia Transnordestina em números
A Transnordestina é a maior obra linear em execução no Brasil. Com 1.753 km de extensão em linha principal, a ferrovia de classe mundial passa por 81 municípios, partindo de Eliseu Martins, no Piauí, em direção aos portos do Pecém, no Ceará, e Suape, em Pernambuco. O projeto realiza o antigo sonho de integração nacional, além de incentivar a produção local e promover novos negócios.
De acordo com o Ministério da Infraestrutura (MInfra), até agosto de 2020, 54% do projeto já foram executados. No que diz respeito ao trecho cearense, os trilhos, saindo de Salgueiro (PE), foram lançados até o município de Missão Velha. Até agora, apenas 16% da ferrovia foram concluídos no Estado. Por enquanto, as obras aguardam avançar. Conforme o MInfra, não há um novo cronograma pactuado oficialmente.
“O cronograma contratado previa a conclusão das obras em janeiro de 2017. O atraso na execução dos trabalhos motivou a abertura de processo de inadimplência pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que conferiu mais prazo para correção dos atrasos, mas também não foi atendido, resultando na proposição de caducidade da concessão da TLSA (Transnordestina Logística S.A.), que está em análise no MInfra”, informou o ministério por meio de sua Assessoria de Comunicação.
Segundo estudo contratado pela TLSA, em 2018, a ferrovia deverá potencializar o desenvolvimento econômico do Nordeste ao adicionar R$ 7 bilhões ao ano ao Produto Interno Bruto (PIB) da região de influência do projeto. Espera-se ainda a criação de aproximadamente 90 mil novos empregos, em média, durante o período da concessão.