Em menos de 10 anos, o gás natural no Brasil tem avançado, ainda que timidamente, para se integrar aos grandes players mundiais como alternativa energética mais limpa dentre os combustíveis fósseis. Até recentemente concentrada nas reservas da Bacia de Campos, a extração limitava o suprimento à Região Sudeste e, em escala menor, ao Nordeste e Norte. Como mais nova integrante da matriz de energia verde-amarela, esta fonte abundante ganhou impulso com a exploração e desenvolvimento das ricas jazidas de hidrocarbonetos da camada do pré-sal, junto às águas profundas das bacias de Santos e Campos.
Para prosperar ainda mais, depende do aumento da demanda numa corrente que se retroalimenta, ou seja, com maior consumo, a exploração pode ser ampliada com o surgimento de novos gasodutos e com uma maior estrutura de transporte e de distribuição.
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Tudo, entretanto, depende de um fator decisivo que vai desenhar um novo e competitivo mercado de gás natural. Trata-se do Projeto de Lei do Gás, já aprovado pela Câmara dos Deputados e que tramita no Senado Federal. Com o aval da sociedade, representada pelo Congresso Nacional, o projeto definirá marcos regulatórios com a necessária transparência para atrair investidores.
O secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, do Ministério de Minas e Energia (MME), José Mauro Coelho, é uma das vozes que defende urgência na tramitação. Ele tem dito que o Brasil vive uma verdadeira transformação no setor energético e que o gás natural passa por um momento histórico, de grandes avanços, crescimento e desenvolvimento.
A busca é por um mercado mais aberto para gerar menor preço e oferecer maior competitividade à indústria nacional. No entendimento do secretário, a evolução já é real e se traduz em ações como os desinvestimentos em gasodutos de transporte da Petrobras, o arrendamento do terminal de GNL (gás natural liquefeito) da Bahia, novos terminais de GNL em Sergipe, Rio de Janeiro e no Pará, que apontam para um cenário atrativo ao ingresso dos demais agentes neste processo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, promete, inclusive, o que chamou de “choque de energia barata” com o fim do monopólio no segmento.
Nesta mesma linha de análise, mas com um olhar mais crítico, está o Presidente da Associação Brasileira das Agências de Regulação (ABAR), Fernando Alfredo Franco. Ele classifica como baixo o avanço do Brasil neste tema do gás natural, dada sua incipiente representatividade na matriz energética brasileira de pouco mais de 12%, longe dos 52% da Argentina e os 33% dos EUA.
Também Diretor Conselheiro da Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Ceará (Arce), Franco avalia que a não interiorização da malha de distribuição do gás no Ceará impede o crescimento industrial mais harmônico, quando o gás mais barato seria um indutor importante. (leia artigo)
Posição semelhante é defendida por Paula Campos Amaral, diretora de Regulação Técnica e Fiscalização dos Serviços de Distribuição de Gás Canalizado da Agência Reguladora do Estado de São Paulo (Arsesp). Pioneiro, desde 2011, na criação de um arcabouço regulatório para o setor, São Paulo avançou a passos largos nos trâmites que levam a um mercado realmente livre, realizando workshop e consulta pública gerando um relatório que leve à abertura total do segmento e atraia novos interessados.
Com um consumo diário de 15 milhões de metros cúbicos de gás, São Paulo conta com a força da diversificada indústria consumidora, especialmente química, cerâmica e de vidro, para onde o gás é direcionado, passando por uma rede de distribuição de quase 20 mil km proveniente de três concessionárias com faturamento de quase R$ 10 bilhões anuais.
Da mesma forma que Fernando Franco – de quem é vice-presidente na Associação, ela espera pela aprovação do Projeto de Lei pelo Senado. Mas adianta que, ao contrário do que vem sendo apregoado oficialmente, os resultados com relação a preço menor não serão imediatos enquanto a Petrobras estiver no processo. O fato animador é que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é um dos agentes desta mudança e já determinou a saída da estatal deste circuito para abrir espaço a novos supridores.
Brasil tem um enorme espaço para avançar
Entre os 20 maiores produtores de gás natural no ranking global, segundo o relatório BP Statistical Review, com os mais recentes dados de cada país, o Brasil produz 109,9 milhões de metros cúbicos por dia, conforme o Anuário Estatístico 2018 da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Fato interessante é que embora esteja na vigésima colocação, o Brasil supera países tradicionalmente produtores como a Venezuela.
Estados Unidos e Rússia, nas duas primeiras posições, respondem por quase metade da soma de todos os demais. O mapa mundial produtor de gás natural é integrado por países como Irã, Canadá, Qatar, China, Noruega, Austrália, Arábia Saudita, Argélia e outros. Trata-se de um enorme potencial a ser explorado adequadamente e que pode dar suporte à retomada da economia.
O Ceará aposta no avanço do gás natural como combustível sustentável e deverá receber investimentos da ordem de R$ 292 milhões nos próximos cinco anos, o que inclui a construção de 355 km de redes de distribuição, garantindo um crescimento de 62% no volume de gás natural distribuído pela Companhia de Gás do Ceará (Cegás) e a conquista de 40 mil novos clientes. É o que anuncia nesta entrevista à TrendsCE o presidente da Cegás, Hugo Figueirêdo. Ele está animado com o mercado de gás no Brasil e com a exploração de outras fontes de gás natural renovável, a serem identificadas pelo Mapa do Biogás do Ceará. Entretanto, ele sinaliza que é preciso acelerar a interiorização do sistema no Estado para garantir uma demanda maior.
Como o Ceará está posicionado no mercado de gás natural?
Embora a produção local de gás natural convencional no Ceará seja muito pequena e a oferta do pré-sal esteja concentrada no Sudeste do país, há uma rede de gasodutos de transporte que traz o gás natural do sudeste. Além disso, há um terminal de regaseificação de GNL no Pecém que permite receber gás natural de qualquer parte do mundo. Nesse contexto, o gás natural deve ser o combustível da transição para uma economia mais limpa, substituindo os combustíveis fósseis mais poluentes derivados do petróleo e carvão. E melhor ainda que o gás natural convencional para redução de gases de aquecimento global é o gás natural renovável proveniente da decomposição de resíduos orgânicos. Nesse combustível, o Ceará, através da Cegás, é referência não só no Brasil como no mundo.
Qual foi o investimento estadual já realizado?
A Cegás investiu R$ 22 milhões na construção de uma estação de transferência de custódia e de um gasoduto de 23 km que transporta o gás natural renovável produzido a partir do biogás gerado dos resíduos sólidos no Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia (Asmoc). O projeto é um bom exemplo de Parceria Público-Privada. O Governo do Ceará, por meio da Cegás, estruturou a operação e faz a distribuição, a Prefeitura de Fortaleza viabilizou o acesso aos resíduos sólidos, a GNR Fortaleza (dos grupos Marquise e Ecometano) montou a usina de produção e a Cerbras – Cerâmica do Brasil, cliente da Cegás, assumiu o compromisso de consumir o gás produzido no período inicial da operação. Trata-se de uma iniciativa inovadora, ousada e pioneira, já que a Cegás foi a primeira distribuidora no Brasil a injetar na sua rede de gasodutos, a partir de dezembro de 2017, gás natural renovável produzido do lixo. Já a Cerbras tornou-se a primeira indústria brasileira a utilizar gás natural renovável canalizado em seu processo produtivo. Como a usina da GNR Fortaleza contribui para a redução de gases do efeito estufa, a empresa foi certificada para comercializar créditos de carbono, espécie de moeda ambiental criada a
partir da assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997.
Há novos investimentos previstos?
A expectativa é de avançarmos com a interiorização da oferta do gás natural através da construção de 355 Km redes de distribuição e investimentos de R$ 292milhões nos próximos cinco anos, além da exploração de outras fontes de gás natural renovável, a serem identificadas pelo Mapa do Biogás do Ceará. Isso representa um crescimento de volume de gás natural distribuído pela Cegás de 62% nesse período, com mais de 40 mil novos clientes.
Qual é o porte da rede para este tipo de energia no Ceará para dar sustentação ao sistema?
Atualmente, a Cegás tem uma rede de gasodutos com 547 km distribuídos pelo Estado do Ceará. O gás natural é comercializado em 12 municípios, concentrado principalmente na região metropolitana de Fortaleza.
Qual é o tamanho da frota de veículos no Estado que consome gás natural?
Cerca de 55.000 veículos utilizam gás natural no Ceará, consumindo em média 200.000 m³/dia. Com a oferta abundante de gás natural, há um grande potencial de crescimento nos veículos pesados (caminhões e ônibus), deslocando o diesel. No Ceará, em particular, há a possibilidade de termos grande parte da frota rodando com o GNR, proveniente do tratamento do biogás de aterros e de esgotos, além de resíduos agrícolas.
A indústria cearense já apostou neste sistema energético?
Diferentes segmentos utilizam o gás natural em seus processos, tais como residencial, comercial, industrial, automotivo e térmico, estando os volumes consumidos por cada um desses segmentos em constante expansão. São mais de 20 mil clientes. Quanto às indústrias, consomem cerca de 55% do volume de gás natural comercializado no Estado do Ceará. Com certeza, esse segmento já tem o gás natural como uma de suas principais alternativas energéticas. Atualmente, a Cegás tem 128 clientes em sua carteira industrial.
Quais os obstáculos para um maior avanço?
O impedimento está na inexistência de demanda mais firme no interior do país, que viabilize maiores investimentos em gasodutos. Essa demanda pode vir através de uma maior integração com o setor elétrico, através da geração de energia elétrica por térmicas próximas aos centros de consumo, com redução de custos tanto para os consumidores de energia elétrica quanto para os de gás canalizado. Também é baixa a concorrência no suprimento do gás natural para permitir a redução dos preços ao consumidor final, mas a menor participação da Petrobras na comercialização do gás natural imposta pelo CADE deve contribuir para queda dos preços.