A era dos carros eletrificados no Brasil já começou. As vendas de veículos elétricos e híbridos (VEs) em 2020 bateram novo recorde e superaram, em apenas nove meses (janeiro a setembro), o total comercializado de todo o ano de 2019. Considerando que o ano passado tinha sido, até então, o melhor ano da eletromobilidade no […]

Ceará tem potencial para avanços no mercado de carro elétrico

Por: Anchieta Dantas Jr. | Em:
Tags:,

A era dos carros eletrificados no Brasil já começou. As vendas de veículos elétricos e híbridos (VEs) em 2020 bateram novo recorde e superaram, em apenas nove meses (janeiro a setembro), o total comercializado de todo o ano de 2019. Considerando que o ano passado tinha sido, até então, o melhor ano da eletromobilidade no País, com o triplo de vendas de 2018, o resultado mostra um crescimento forte e consistente desse mercado, segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). A entidade prevê fechar 2020 com 19 mil veículos eletrificados vendidos em todo o território nacional, o que corresponde a um aumento de 60% em relação a 2019 e de 378% na comparação com 2018. Os totais referem-se à soma de automóveis e veículos comerciais leves emplacados pelo Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores, do Ministério da Economia).


Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente.


No Ceará, de janeiro a agosto deste ano, foram comercializados 133 automóveis, 39 camionetas e 31 utilitários eletrificados, totalizando 203 unidades, excluindo ônibus, caminhões e veículos levíssimos (motos, assim como bicicletas e patinetes elétricos). De acordo com a ABVE, confirmada a estimativa de crescimento de 60% nas vendas em 2020 sobre 2019, o crescimento dos VEs no Brasil seguirá trajetória oposta ao conjunto do mercado. Isto porque a estimativa de outubro deste ano da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) prevê queda de 31% nas vendas domésticas totais em 2020, em relação ao ano passado.

veículos elétricos no ceará

Mas afinal o que justifica avanço tão expressivo na eletromobilidade no Brasil? Segundo Adalberto Maluf, presidente da ABVE e ainda diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD do Brasil, isso está relacionado à pressão cada vez maior das empresas e da sociedade civil por projetos mais sustentáveis, a exemplo dos VEs, tendo em vista uma economia de baixo carbono. Com três plantas no país, a empresa produz chassis de ônibus elétricos e comercializa veículos e empilhadeiras elétricas, assim como módulos fotovoltaicos e baterias de lítio-ferro.

“Essa pressão por projetos mais sustentáveis se intensificou, em 2020, com a pandemia. Para se ter uma ideia, em escala global, as cidades mais poluídas registraram três vezes mais óbitos pelo coronavírus ante aquelas onde se tem a poluição mais reduzida. Ao mesmo tempo a legislação em muitas localidades também têm aderido mais às questões do clima”

Adalberto Maluf, presidente da ABVE


Ele também que considera que observa-se uma melhora do Total Cost of Ownership (TCO), em português Custo Total de Propriedade, dos veículos eletrificados. Trata-se de uma métrica de análise que tem como objetivo calcular os custos de manutenção e de aquisição de um produto. “O TCO vem caindo, fruto da maior geração de energias renováveis no Brasil, da compra que muitas empresas vêm fazendo no mercado livre de energia, conseguindo tarifas mais baratas, assim como devido ao aumento da fabricação nacional de VEs, o que gerou, por sua vez, o adensamento da cadeia produtiva de peças para esses veículos. Assim, cada vez mais, faz mais sentido as empresas investirem em veículos elétricos como caminhões e ônibus, na sua logística”, destaca o presidente da ABVE.

Desenvolvimento de novos negócios

Os ganhos contabilizados com o avanço da eletromobilidade no Brasil não param nos benefícios ambientais, como a redução dos gases de efeito estufa, melhoria na qualidade do ar e baixa geração de ruído. Na avaliação de Adalberto Maluf, da ABVE, podemos falar dos desdobramentos positivos sobre outros setores da economia, além da indústria automobilística.

“Temos duas tendências nessa direção. A primeira é o desenvolvimento da economia compartilhada, onde ao invés de o indivíduo priorizar a posse do bem, prioriza o seu uso. A segunda é a eletrificação da economia, com mais investimentos em energias limpas, geração distribuída e aumento da mobilidade eletrificada”, fala.

abastecimento de carros elétricos

Segundo o executivo, “a eletromobilidade vai, por exemplo, revolucionar a indústria de peças e produtos para manutenção dos VEs, pois a nova tecnologia não vai mais demandar velas, lubrificantes, entre outros itens para os futuros modelos, dando lugar à fabricação de outros componentes”.
Um bom exemplo, destaca o presidente da ABVE, é a construção de baterias mais eficientes, o que é fundamental para reduzir o preço dos carros elétricos. Nesse sentido, o Brasil se vê diante de uma grande oportunidade para o seu parque fabril, ao passar ao intensificar a produção de baterias para mover os VEs.

“A América do Sul tem as maiores reservas de lítio do planeta. Entre países produtores, como a Bolívia, a Argentina e o Brasil, o lítio brasileiro é o que apresenta a melhor qualidade. Dessa forma, o país pode se tornar um dos maiores produtores de baterias do mundo”, conjetura.

Além disso, este é um cenário que coloca o Ceará em vantagem, pois o Estado, juntamente com Minas Gerais e Goiás, detém as maiores reservas do metal em território nacional. De acordo com André Soares Lemos, doutor em Engenharia de Transportes e professor na área de planejamento urbano na Universidade de Fortaleza (Unifor), a adoção de uma política de estado voltada para o avanço tecnológico da eletromobilidade poderia ter efeitos em todas as indústrias de base necessárias para que a solução final seja viável.

“Esta tecnologia exige um conjunto de outros conhecimentos relativos às engenharias, sociologia, geografia, computação, urbanismo, entre várias outras áreas, e mexe com vários ramos da indústria mecânica, elétrica, eletrônica, química, entre outras”

André Soares Lemos, doutor em Engenharia de Transportes e professor da Unifor

Energia limpa e vantagem logística

Ao lado da generosa reserva de lítio, principal insumo para a fabricação de baterias para carros elétricos, o Ceará também se destaca no contexto da economia eletrificada por ser um grande produtor de energia limpa e renovável, com um parque de geração eólica em ascensão e enorme potencial solar. “Essas energias são capazes de baratear ainda mais o TCO dos veículos eletrificados, estimulando a substituição aos veículos a combustão”, emenda Maluf.


Veja nosso artigo sobre o licencimento de energias renováveis no Ceará


Outro ponto a favor do Estado nesta janela de oportunidades que se abre, conforme o presidente da ABVE, é a estrutura logística e a sua posição geográfica privilegiada, devido ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP). A maior proximidade com os mercados da América do Norte, Central e Europa, facilitaria a atração de investidores e a consequente exportação da produção de baterias.

Movimento que ganha reforço pelo fato de o Ceará abrigar, no interior do CIPP, a única Zona de Processamento de Exportações (ZPE) em operação no Brasil, onde são oferecidas vantagens fiscais, cambiais e aduaneiras para plantas industriais voltadas para o comércio exterior.

Ceará é pioneiro na eletromobilidade no país

Entretanto, não é de hoje que o Ceará se destaca no cenário nacional em eletromobilidade. Ainda em 2016, a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), na linha da introdução de modelos sustentáveis de mobilidade, implantava o primeiro sistema público de compartilhamento de carros 100% elétricos no Brasil, batizado de Vamo (Veículos Alternativos para Mobilidade). A iniciativa já contabilizou, nesses quatro anos, 8.473 viagens com carros elétricos na Grande Fortaleza, o que corresponde a 250 mil quilômetros percorridos.

“Isto se reverteu em uma economia de 12,5 toneladas de CO2 que deixaram de ser eliminadas no ar”

Renan Carioca, Engenheiro de Transportes da PMF

A frota atual, fala, conta com 15 veículos elétricos, sendo dez do modelo Renault Zoe, com autonomia para percorrer 250 quilômetros com uma carga, e cinco do modelo BYD SUS, com autonomia de 300 quilômetros.
“Com a instalação da estação do Vamo no Aeroporto Internacional de Fortaleza atingimos, em 2020, 19 estações em vários bairros da capital, sendo a maior concentração na regional II, onde se desenvolvem a maior parte das atividades comerciais”, conta Carioca.

prefeitura de fortela e hapvida investem em carros elétricos
Foto: Divulgação/PMF

Conforme disse, com a avaliação contínua da demanda, novas estações podem vir a ser implementadas, cobrindo maior área da cidade, assim como novos veículos também poderão ser incorporados à frota atual.
Mais recentemente, outra iniciativa pioneira é o lançamento do primeiro ônibus 100% elétrico brasileiro movido a energia solar, idealizado na UTE Pecém da EDP Energia.

“O projeto de mobilidade da UTE Pecém é uma iniciativa do seu Programa de Pesquisa e Desenvolvimento e surgiu com o objetivo de incentivar a transição energética do Brasil e de promover soluções de mobilidade elétrica baseada em fontes não poluentes e sustentáveis. A partir daí inserimos na frota da empresa um ônibus com propulsão 100% elétrica no modal rodoviário para fazer o transporte dos funcionários no itinerário Fortaleza a São Gonçalo do Amarante diariamente”

Cayo Moraes, gestor Executivo de Operações da UTE Pecém

Conforme disse, o modelo conta com o uso de um banco de baterias que garante a autonomia de 300 km no transporte do veículo. Com investimento de aproximadamente R$ 5 milhões, o projeto foi desenvolvido em parceria com a Universidade Estadual Paulista (Unesp), BYD do Brasil, a Marcopolo e a Área de Pesquisa e Desenvolvimento da UTE Pecém.

A recarga das baterias é feita no estacionamento da empresa utilizando um carport montado com placas solares. Para isso, foram instaladas 183 placas solares na usina, garantindo independência em relação à energia da geração da UTE e do sistema de distribuição. “A EDP tem como objetivo liderar a transição energética no País, e a mobilidade elétrica vem sendo uma área que tem recebido atenção especial da Companhia. O ônibus elétrico solar é uma inovação que mostra o potencial dessa solução sustentável para o transporte urbano e rodoviário de massa”, afirma Moraes.

Ainda de acordo com ele, a inovação abre espaço para o desenvolvimento de uma nova modalidade de negócios para a EDP, “que seria a exploração de um sistema de carregamento fotovoltaico de transportes rodoviários, propiciando uma gama de benefícios ambientais como a redução dos gases de efeito estufa, melhoria na qualidade do ar, baixa geração de ruído, racionalização do consumo de energia elétrica, redução do uso de lubrificantes e também diminuindo o impacto das manutenções preventivas para os veículos”.

Ainda dentro do contexto da mobilidade urbana eletrificada, a professora do Mestrado e Doutorado em Informática Aplicada da Unifor, Vládia Pinheiro, lembra o recente projeto desenvolvido nesta universidade, onde pesquisadores desenvolveram um método para identificar as melhores linhas de ônibus urbano para serem eletrificadas.

“O método é baseado no quanto a linha de ônibus, ao longo de seu trajeto, exige acelerações e desacelerações, devido a engarrafamentos e demais condições dos pontos de paradas e da rota. A premissa básica é que, uma linha que acelera/desacelera com mais frequência, consome mais combustível, gerando mais poluição. Este modelo pode ser usado para alavancar e otimizar o uso de ônibus elétrico na cidade”

Vládia Pinheiro, professora do Mestrado e Doutorado em Informática Aplicada da Unifor

Ainda há muito o que avançar

Em meio a este cenário promissor para a eletromobilidade no Brasil e o crescimento expressivo nas venda de VEs nos últimos dois anos, a participação dessa tecnologia na vendas de veículos como um todo no Brasil ainda é inexpressiva. Segundo a Anfavea, as vendas de veículos eletrificados seguem estabilizadas em 1% do total de veículos comercializados no país. Mas afinal, o que ainda falta para aumentar essa fatia? Adalberto Maluf, presidente da ABVE, avalia que “falta liderança política com foco na fabricação de veículos elétricos, capaz de ajudar a desenvolver essa indústria”.

“Nos países da União Europeia, por exemplo, existe a meta de ter 30 milhões de veículos elétricos em circulação até 2030. Lá também há incentivos não financeiros para ajudar no consumo desses veículos. Ao passo que no Brasil, mesmo com a redução do TCO, a questão tributária ainda atrapalha. Um veículo elétrico chega a pagar até três vezes mais IPI do que os veículos convencionais”, dispara.

O executivo lembra que juntamente com o Projeto de Lei 3174/20, que tramita na Câmara dos Deputados, onde estão previstas medidas como isenção de IPI para veículos eletrificados e a troca da frota de automóveis do governo federal por VEs, pelo menos mais dez projetos associados à eletrificação ainda tramitam para aprovação. “A ABVE, nesse contexto, também tem feito um trabalho diretamente com as administrações municipais para promover a mobilidade eletrificada”, completa.

venda de carros elétricos

Segundo ele, o veículo eletrificado mais barato fabricado no Brasil ainda está custando R$ 140 mil. “Aqui, um carro elétrico equivale a três vezes à renda média anual do trabalhador, enquanto nos EUA corresponde à metade”, destaca.

“Se a tecnologia é de interesse público (e esta parte é a mais delicada de se discutir, já que teríamos que definir o que é e o que não é de interesse público), o Estado tem que ter condições (orçamento e planejamento voltado à inovação tecnológica) de investir para que os benefícios das tecnologias cheguem aos cidadãos”

André Soares Lemos, professor da Unifor

Soares ressalta que isso não significa subsidiar indiscriminadamente as empresas, mas sim avaliar onde deve investir o dinheiro público de modo a permitir que o benefício desejado, viabilizado pela tecnologia (seja ele a autonomia energética ou a redução dos custos) cheguem ao usuário final. “Mas é muito importante frisar que o investimento público não pode substituir o investimento privado, e nem pode ser entendido como um seguro para investimentos mal planejados. Estes dois tipos de investimento têm que andar juntos. O privado, buscando os interesses privados (da empresa e de seus acionistas), e o público tendo em mente o bem coletivo”, fala.

Ainda de acordo com Soares Lemos, outro fator crucial é a infraestrutura urbana necessária para viabilizar a eletrificação de frotas de veículos no Brasil. “As cidades brasileiras ainda não estão preparadas para isso. Mas as cidades europeias também não estavam, alguns anos atrás. Elas se adaptaram. Foram fornecidos (em parceria entre cidades e empresas) postos de abastecimento, planos de cobrança desta eletricidade, ajustes nas redes elétricas para suportar a sobrecarga, esquemas de reciclagem de baterias (que são um dos pontos mais delicados relativos aos impactos ambientais destes veículos), entre outras transformações”, conclui.

A tradução dos conteúdos é realizada automaticamente pelo Gtranslate.
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.

Top 5: Mais lidas