O rebanho bovino no Ceará soma 2,5 milhões de cabeças, segundo a mais recente Pesquisa da Pecuária Municipal, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com 3,2% de acréscimo em 2019 na comparação com 2018, este é o segundo ano consecutivo de alta. Ao passo que a produção estadual de leite registrou recorde na série histórica. Foram quase 800 milhões de litros, ou seja, um avanço de 11,3% em relação ao ano anterior. E embora o saldo de 2020 ainda não tenha sido contabilizado, a projeção do setor segue positiva. A expectativa é de aumento na produtividade do plantel e de crescimento e diversificação da indústria de laticínios, fortalecendo ainda mais a cadeia produtiva da pecuária bovina no Estado.
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Conforme o secretário executivo do Agronegócio da Secretaria de desenvolvimento e Trabalho do Ceará (Sedet), Sílvio Carlos Ribeiro, houve avanço no setor agropecuário no ano que passou, “principalmente o bovino leiteiro, que não parou na pandemia”. “Este setor só fez crescer”, frisa. Para o zootecnista Raimundo Reis, sócio-diretor da Leite & Negócios, empresa de consultoria especializada na pecuária bovina, embora o IBGE ainda não tenha compilado o resultado do setor em 2020, na prática, o que se viu é que a atividade continuou avançando no Ceará.
“A pecuária no Ceará é basicamente de leite. Nós temos pouca coisa de gado de corte. Inicialmente, o que se viu é que a pandemia afetou o setor. Porém, como as pessoas foram ficando mais em casa, a demanda, na verdade, aumentou. Já na outra ponta, ou seja, para o produtor nada parou. O animal, no caso a vaca, não espera. A gente tem que alimentar, ela vai produzir leite e temos que tirar esse leite para mandar para as indústrias de laticínio”
Raimundo Reis, zootecnista e sócio-diretor da Leite & Negócios
De acordo com o zootecnista, a expectativa é de que o setor seguiu crescendo. “Em 2019 a produção aumentou e, em 2020, acredito que também tenhamos tido um aumento no volume de leite produzido, assim como captado pela indústria”, afirma Reis. Na sua avaliação, a bovinocultura leiteira é uma das poucas atividades que são viáveis de cultivo em sequeiro no Ceará. “Quando eu falo sequeiro, me refiro àquela atividade que depende apenas de chuva, sem irrigação”, explica. Ao passo que este setor, ressalta o consultor, tem grande importância econômica e social para o Estado. “É uma atividade que consegue estabelecer uma renda continua para o produtor. Além disso, existe uma tradição da produção de leite e a nossa cadeia produtiva é bem organizada. Então, quem produzir leite, certamente, vai ter alguém para comprar”, fala.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados no Estado do Ceará (Sindilaticínios), José Antunes Mota, apesar do crescimento, as únicas ressalvas que podem ser feitas em meio ao desempenho da cadeia produtiva da pecuária bovina leiteira no ano passado dizem respeito ao reajuste do preço do leite a nível do produtor. E a falta de embalagens para abastecer a indústria.
“Na verdade, os únicos problemas que tivemos em 2020 não foram em relação ao produto. Somos empresas de alimentação. Afinal, o leite e a carne são alimentos. Dessa forma, não tivemos tanta incidência dos efeitos da pandemia sobre o consumo. Nosso maior problema, mesmo, se deu em relação às embalagens. Determinados produtos deixaram de ser fabricados porque nós não tivemos embalagem, o que acabou repercutindo nas vendas do setor. Porém, comparado com outros setores da economia, no geral, nós fomos beneficiados por sermos do ramo alimentício”
José Antunes Mota, presidente do Sindilaticínios
Perspectivas otimistas
Na avaliação do presidente do Sindilaticínios, a agropecuária bovina no Estado do Ceará como um todo vai muito bem. “Hoje, nós temos a introdução de novas forrageiras para a alimentação dos animais, ao passo que a nossa pastagem natural, a chamada pastagem de sequeiro, também é muito rica. Esse cenário contribui ainda para diminuir os custos do produtor e melhorar as expectativas”, afirma. Com relação ao gado leiteiro, Antunes da Mota destaca a qualidade genética do rebanho. “Já se vem trabalhando essa questão no Ceará. Principalmente graças a uma grande empresa do nosso setor no Estado, hoje uma das maiores do Nordeste, que vem fazendo melhoramento genético do rebanho, o que faz com que alcancemos índices de produtividade muito bons”, completa.
Ao mesmo tempo, ele cita a parceria que o governo estadual estabelece com os produtores e as indústrias do setor, como os incentivos, inclusive tributários. “Dessa forma, a soma desses fatores nos leva a crer que as perspectivas são as melhores possíveis. Nos resta, agora, esperar um inverno bom para 2021, o que beneficiará principalmente o pequeno produtor”, fala José Antunes. O Nordeste como um todo, destacando o Ceará, poderá se tornar um celeiro da pecuária bovina no Brasil. Ou seja, uma região com alta produtividade.
“Considerando a criação de bovinos no Ceará, mas também no Nordeste como um todo, o Estado tende a ser um celeiro em função de que estados da região Centro-Oeste, mais tradicionais na pecuária bovina, a exemplo de Goiás e Mato Grosso, estão se dedicando mais ao plantio da soja e do milho. Além disso, na nossa região, a temperatura é adequada tanto para a criação de gado leiteiro como para a engorda do animal destinado para corte”
José Antunes Mota, presidente do Sindilaticínios
Antunes ressalta que o Nordeste avançará ainda mais na pecuária bovina de leite. De acordo com ele, dos dez maiores produtores de leite no Brasil, três já estão no Ceará. No que diz respeito ao fortalecimento da pecuária bovina de corte, ele avalia que ainda é um impeditivo para o Estado a inexistência de matadouros oficiais, regulamentados. “A ausência de matadouros oficiais pode fazer com que a carne consumida venha a ser vendida sem a devida certificação, sem um laudo veterinário. Se o Governo do Estado conseguisse reativar o Frifort, o antigo Frigorífico de Fortaleza, assim como implementasse frigoríficos regionais, seria um grande avanço para a pecuária de corte no Ceará”, pontua.
Para onde caminha o setor
Segundo o secretário executivo do Agronegócio da Sedet, Sílvio Carlos Ribeiro, a pasta tem trabalhado fortemente com o intuito de agregar valor aos produtos lácteos, fortalecendo a indústria e impulsionando, por consequência, a produção de leite. Nesse sentido, Ribeiro destaca os projetos de apoio para o setor leiteiro do Estado onde, além da indústria, procura-se acompanhar o produtor no campo. “A produção no campo já vem sendo muito bem trabalhada. Tanto em termos do melhoramento genético do rebanho, gerenciamento das propriedades rurais, da qualidade do leite, da formação de reserva alimentar para o gado, com a inserção da palma forrageira entre outras forragens”, conta. No entanto, ele afirma que como complemento é preciso dar maior incentivo à indústria, para que possa fabricar produtos de alto valor agregado, como os queijos, inclusive os nobres, e outros derivados lácteos.
“Nós temos um programa de apoio ao setor, principalmente para incentivar a indústria, junto com a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Ceará (Adagri), que implantou e vem trabalhando com o Sindilaticínios, para que as empresas do Ceará se adequem ao Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi). Assim, as indústrias podem vender em outros estados brasileiros sem precisar ter inscrição no Serviço de Inspeção Federal (S.I.F). O que acontece é que também temos o Serviço de Inspeção Estadual (SIE), como Sisbi é o que faz a integração do SIE com o S.I.F, isto ajudará as indústrias a venderem em todo o mercado nacional sem precisarem do S.I.F, que é mais complicado de obter”, explica o secretário.
Outra ferramenta para o setor agropecuário é a certificação de Produto de Origem Animal Artesanal (Selo ARTE), processo de fiscalização de produtos alimentícios de origem animal produzidos de forma artesanal. “O Selo ARTE é importante principalmente para a fabricação do queijo, no nosso caso, o queijo coalho”, diz. Ribeiro arfima que o Governo do Ceará, por meio da Sedet, recebe demandas de novas indústrias querendo se instalar no Estado para a produção, sobretudo de queijo. “Principalmente da muçarela, devido à isenção do ICMS no produto, o que estimula a indústria de laticínios. Temos também a perspectiva de fabricação de leite em pó, absorvendo ainda mais a produção leiteira estadual”, adianta.
“Então, a nossa produção de leite tende a crescer. Os 800 milhões de litros/ano registrados em 2019 devem ter aumentado em 2020. Ainda vamos fechar os números, mas a expectativa é de que até 2022 tenhamos um crescimento bem interessante na produção de leite no Ceará”
Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Sedet
Importância da reserva alimentar
Apesar do cenário promissor e das expectativas positivas que se desenha para a pecuária bovina no Ceará, o zootecnista e consultor Raimundo Reis aponta alguns desafios para o setor. Além da segurança hídrica, há necessidade de que os produtores entendam que é preciso produzir forragem nas fazendas. Ou seja, alimento em quantidade e em qualidade para o rebanho para no mínimo dois anos.
“É preciso caminhar mais para que os produtores tenham uma reserva alimentar. Uma das formas seria por meio da produção da palma forrageira, difundindo a ampliação das áreas de plantação. Uma segunda opção seria a produção intensiva da parte aérea da mandioca que é um trabalho recente, mas que vem se demonstrando ser interessante e que pode ajudar a reduzir custo, principalmente com o farelo de soja”
Raimundo Reis, zootecnista e sócio-diretor da Leite & Negócios
Uma terceira alternativa, de acordo com ele, seria a produção de forragem por meio da cultivar BRS Capiaçu. “Uma espécie de capim que a gente corta várias vezes no ano. É uma cultura perene. Ou seja, plantada uma vez apenas e a gente faz cortes sucessivos. A vantagem é que ele produz muito com baixo custo. Então, temos a garantia de uma biomassa elevada, com um custo bastante competitivo”, acrescenta Reis. Ainda entre os desafios do setor, o consultor ressalta que a boa gestão da fazenda e a realização dos controles sanitários adequados devem ser considerados.
Melhoramento genético
Raimundo Reis aponta que o aprimoramento genético do rebanho é outra questão que sempre deve estar em pauta quando se busca o aumento da produtividade. “Toda propriedade precisa estar ajustando e melhorando a genética do seu rebanho. Mesmo que seja através apenas do descarte, ou seja, retirando os animais que estejam fora do padrão. Com isso já se faz engenharia genética dentro do plantel. Já vai tirando o que não se adequa e assim vamos melhorando a qualidade do rebanho”, orienta.
Além disso, o uso de touros selecionados, de procedência, na procriação e ainda a inseminação artificial, com embriões selecionados, também são caminhos recomendados a fim de ganhar qualidade genética.
“O Ceará tem uma grande capacidade de investir no seu rebanho. Esse salto que tivemos na produção de leite, em 2019, foi devido também ao melhoramento genético do rebanho. Então eu acho que a genética é fundamental. Muito trabalho vem sendo feito, principalmente com relação ao gado leiteiro. Mas também o gado de corte vai ter seu espaço, embora o Ceará não tenha muita tradição”
Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Sedet
Destaques da pecuária bovina no Estado
Embora a média estadual de avanço no plantel de bovinos, segundo a última Pesquisa da Pecuária Municipal, divulgada pelo IBGE, tenha sido de 3,2%, o Ceará registrou elevações expressivas em municípios importantes para a pecuária leiteira. O município de Jucás, por exemplo, apresentou aumento de 26,7% de seu plantel em 2019. Brejo Santo contou com um acréscimo de 18,7%, seguido por Morada Nova com 10,4%.
Enquanto isso, Quixeramobim e Morada Nova mantiveram os postos de maiores rebanhos bovinos cearenses e, juntos, foram responsáveis por 6,8% do efetivo estadual. Quixeramobim elevou seu efetivo em 2,1%, totalizando 87 mil cabeças.
Já a com relação à produção estadual de leite, o efetivo de vacas ordenhadas foi de 581 mil cabeças, 5,7% maior que o de 2018. A produtividade cresceu 5,2% no período, atingindo 1.372 litros de leite/vaca/ano. O município de Quixeramobim foi o que registrou a maior produtividade estadual, atingindo 2.495 litros de leite/vaca/ano, seguido por Morada Nova (2.400 litros de leite/vaca/ano) e Iguatu (2.102 litros de leite/vaca/ano).
No ranking do Nordeste, o Ceará ocupa o quarto lugar em termos de produtividade. Na liderança está Alagoas, com 2.410 litros de leite/vaca/ano, seguido de Sergipe, com 2.253 litros de leite/vaca/ano.
Ainda de acordo com o IBGE, apesar de o preço médio estadual pago pelo litro do leite tenha apresentado queda de 5,3%, em 2019, chegando a R$ 1,28 por litro, o valor da produção teve um acréscimo de 5,3% em relação ao ano anterior, resultado da combinação de aumentos de volume e queda no preço, atingindo R$ 1 bilhão em receita.