Com previsão de US$ 400 milhões em investimentos na economia estadual, US$ 50 milhões acima do valor inicial, o projeto de exploração de fosfato e urânio em Santa Quitéria, no Ceará, volta a ganhar fôlego. Apesar de se arrastar pelas últimas duas décadas, as expectativas se reacenderam depois que o Brasil retomou, em dezembro de 2020, a produção de urânio, em Caetité, na Bahia. Há cinco anos o país havia interrompido a exploração do minério. Soma-se a isso o novo memorando de investimentos assinado, em setembro do mesmo ano, entre o Governo do Estado e o consórcio investidor responsável pelo projeto, formado pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e a indústria de fertilizantes Galvani.
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Para completar, a retomada do projeto conta, agora, com uma nova vantagem: a sua inclusão no Programa de Parceria de Investimento (PPI) do Governo Federal. Com isso, Itataia, nome dado à mina cearense, se posiciona como um empreendimento estratégico nos planos energéticos do Governo Federal. Conforme disse, na atual gestão federal, a produção de urânio ganhou nova conotação, desta vez, mais voltada à produção e à independência energética, o que vem acelerando as iniciativas do setor de energia nuclear. De acordo com ele, Itataia tem mais um apelo nesse contexto. Conforme estudos realizados, o teor de fosfato na região é de 11%, o maior registrado no Brasil.
“É a maior reserva de urânio associado a fosfato do planeta, o que torna o projeto economicamente ainda mais importante para o Ceará, dado o potencial de desenvolvimento da cadeia produtiva do fosfato, insumo importante para o agronegócio, usado para a produção de fertilizantes e alimentação animal”
Tomás Figueiredo Filho, ex-diretor da ANM e especialista da TrendsCE
Segundo o especialista, o país importa hoje boa parte dos insumos que consome na produção de fertilizantes. Dessa forma, Itataia tem essa importância para a economia não só do Ceará como do Brasil. “Aliada à capacidade do empreendimento para suprir o agronegócio, temos também a questão energética, já que Itataia tem potencial de produção quatro vezes superior à mina de Caetité”, afirma Figueiredo Filho.
De fato, segundo informado pelo INB em seu site, a operação do Consórcio Santa Quitéria vai quadruplicar a produção de concentrado de urânio no Brasil, a ser usado pela empresa na produção do combustível nuclear, e aumentará em 10% a fabricação brasileira de fertilizantes fosfatados. Conforme o projeto, o minério, depois de extraído da jazida, passará por um processo de separação de elementos. O fosfato ficará com a Galvani, que irá utilizá-lo na fabricação de fertilizantes e alimentação animal, enquanto o urânio será entregue à INB para produção do concentrado de urânio, o chamado “yellow cake”.
“Entretanto, vale ressaltar que o ponto alto do projeto de Itataia será a extração do fosfato e a implantação de plantas para produção de fertilizantes e de rações animais aqui no Ceará. São produtos de alto valor agregado. A meta é que eles sejam distribuídos, além do Ceará, para a região conhecida como Matopiba, que corresponde aos Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e norte da Bahia, estados fortes no agronegócio brasileiro. Então, isso abre um potencial econômico enorme para o Ceará e o país”
Tomás Figueiredo Filho, especialista da TrendsCE
Produção de fertilizantes
Ainda de acordo com o especialista, outro fator que reforça a retomada do projeto de Itataia é a recente criação, pelo governo federal, de um grupo interministerial para tratar da cadeia de produção de fertilizantes no Brasil. “A fim de diminuir a dependência da importação de insumos. Cerca de 70% vem de fora, especialmente do Marrocos”, afirma.
Tomás Figueiredo Filho ressalta que o projeto revela-se altamente atrativo para o desenvolvimento dessa cadeia no Ceará, beneficiando a agricultura e a pecuária. Também atrairá investimentos em diversos serviços como transportes e toda uma infraestrutura agregada para a sua operação, a viabilização da exploração de outros minérios, como o calcário, abundante na região, desenvolvendo, por sua vez, outras cadeias produtivas.
Já com relação à exploração do Urânio, Figueiredo Filho informa que este, depois de separado do fosfato, será embarcado em contêineres e navios específicos via o Complexo do Pecém para o exterior, notadamente Canadá e Inglaterra, onde será enriquecido. E voltará para o Rio de Janeiro, onde é usado como combustível nas usinas nucleares de Angra.
Projeto volta repaginado
Apesar da considerável relevância para a economia nacional, o projeto apresentado para a exploração da mina de Itataia chegou a ser negado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Segundo o órgão, à época, o “projeto de mineração de fosfato e urânio foi arquivado em razão da inviabilidade ambiental do estudo apresentado”.
Porém, afirma Tomás Figueiredo Filho, o projeto fora objeto de um novo memorando de entendimento assinado com o Governo do Ceará, reconfigurado para minimizar eventuais riscos. “Do ponto de vista ambiental, o projeto foi refeito. Ao longo do tempo, com a evolução dos estudos, novas situações foram sendo previstas no Relatório de Impacto Ambiental do Projeto, sendo aditadas ao documento original, o qual será reapresentado sob outra perspectiva, com formas mais modernas de recuperação do minério a fim de reduzir riscos de impactos ambientais”, fala.
Nessa direção, o que precisa ficar claro, acrescenta o geólogo do setor de mineração, Carlos Rubens Alencar, membro do Câmara Setorial de Mineração do Ceará e ainda presidente do Sindicato das Indústrias de Mármores, Granitos e Similares do Estado (Simagran-CE), é que o estigma que envolve a exploração da mina de Itataia por conta do urânio precisa ser desfeito.
“O Urânio ali encontrado está associado ao fosfato. Ele está contido dentro de rochas que contém majoritariamente fosfato, que é o que torna o projeto economicamente viável e interessante. O depósito existente no local é muito mais de fosfato do que de urânio. O que temos em Itataia é uma jazida de fosfato, que por acaso também tem urânio. Por conta disso, esse urânio será separado do fosfato e será entregue ao INB, que não enriquecerá o minério em Santa Quitéria. Isto será feito fora do país e posteriormente utilizado para produção de energia nas usinas de Angra. Não será construída uma usina nuclear na região. Portanto, em nada implica em um nível de radioatividade que seja nociva para a população”, afirma.
Reflexos econômicos para o Ceará
Dessa forma, Alencar reforça que “o projeto de Itataia terá reflexos positivos para o Estado”. “Os impactos certamente serão superiores às indústrias inseridas na ZPE (Zona de Processamento de Exportações) do Pecém. Primeiramente, a repercussão econômica direta virá pelo volume de recolhimento de impostos, o que aumentará consideravelmente o Fundo de Participação dos Municípios de Santa Quitéria, Canindé, Itatira e outros no entorno”, avalia. Ele também chama a atenção para os efeitos em cadeia de toda infraestrutura que será implantada na região por conta do projeto de exploração de fosfato.
“Serão estradas, serviços de transportes, alimentação, hotelaria, comércio e toda uma cadeia de suprimentos que trarão impactos positivos juntamente com o empreendimento em si. Afinal, estamos falando de um investimento direto de US$ 400 milhões, o equivalente a mais de R$ 2 bilhões, que serão desdobrados em um série de outros investimentos indiretos, capazes, de fato, de desenvolver regionalmente o Ceará”
Carlos Rubens Alencar, presidente do Simagran-CE
Para o presidente da Câmara Setorial de Mineração do Ceará, o geólogo e economista João de Aquino Limaverde, Itataia carrega mais prós do que contras.
“Este é um projeto estratégico para o Brasil e para o Ceará. A exploração e o beneficiamento de fosfato é uma cadeia produtiva que se formará no Ceará e será responsável por mais e melhores empregos, mais qualificados, com remuneração acima da média, beneficiando o agronegócio cearense e nacional e tudo isso em uma região pobre e seca no sertão do Estado”
João de Aquino Limaverde, geólogo e presidente da Câmara Setorial de Mineração do Ceará
Itataia em números
Segundo o consórcio investidor, a exploração da maior reserva de urânio associado ao fosfato do planeta, com a previsão de investimentos de US$ 400 milhões, tornará o Brasil autossuficiente no concentrado de urânio – insumo base para geração de energia nuclear – podendo elevar o País à categoria de exportador do produto. Ao mesmo tempo aumentará em 10% a produção brasileira de fertilizantes fosfatados.
O investimento no projeto será feito integralmente pela Galvani. A perspectiva é que a produção anual de fosfato seja de 240.000 toneladas por ano (t/a), enquanto a de concentrado de urânio seja de 1.600 t/a. A expectativa é de que a operação seja iniciada em 2023. O empreendimento deverá gerar, de acordo com a INB, cerca 1.500 postos de trabalho durante a fase de implantação e 2.500 na operação, dos quais 500 serão diretos.
A INB é detentora dos direitos minerários da jazida, localizada nos domínios da Fazenda Itataia, que tem 4.042 hectares. O minério em Itataia ocorre sob a forma de colofanito uranífero, desde a superfície até cerca de 180 metros de profundidade. As reservas lavráveis somam 8,882 milhões de toneladas de fosfato e 79.319 toneladas de urânio, além de 32 milhões de toneladas de calcário associado ao minério, além de conter mármore branco.