O comércio varejista foi um dos mais atingidos no Brasil com a crise provocada pela pandemia no novo coronavírus. As vendas desse setor no Ceará, por exemplo, sofreram fortes quedas entre os meses de março a maio de 2020 em decorrência das medidas de isolamento social, segundo Nicolino Trompieri Neto, coordenador de Contas Regionais do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) e professor do Departamento de Economia da Universidade de Fortaleza (Unifor). “Após a consolidação do Plano de Retomada Responsável das Atividades Econômicas, iniciada em junho, o comércio vem desde julho apresentando taxas de crescimento positivas nas comparações mensais do ano de 2020 em relação aos mesmos meses do ano de 2019”, ele analisa.
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Quem sentiu essas mudanças de perto foi Felipe Benevides, dono da loja Espaço Acústico localizada no Centro de Fortaleza, que vende, aluga, restaura e projeta equipamentos eletrônicos. “Só não foi pior porque, como eu também trabalho com som residencial e as pessoas passaram a ficar mais tempo dentro de casa, elas começaram a investir mais nesses equipamentos, então deu para segurar as vendas. Quando voltamos a atender no presencial, a demanda iniciou bem fraca, mas depois voltou bem mais forte, uma das melhores que eu ja tive”, comenta. “Agora, de dezembro para cá, senti uma diminuição em comparação a junho. Mas, atualmente, ainda é superior aos meses antes da pandemia”, completa.
Os dados da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgadas este mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmam a realidade de Felipe. No Ceará, o comércio varejista cresceu 3,3% em 2020 em comparação ao mesmo período de 2019, mas caiu se comparado ao mês de novembro do ano passado. No Brasil, as vendas do varejo caíram 6,1% em dezembro de 2020 na comparação com novembro do mesmo ano.
Impactos econômicos
Nicolino Trompieri explica que o cenário de queda e crescimento do comércio varejista pode ser explicado por três motivos: o sucesso do Plano de Retomada Responsável das Atividade Econômicas, elaborado pelo Governo do Ceará com a participação de entidades de classes e empresários, o que forneceu previsibilidade e planejamento tanto para os empresários do setor como para os consumidores; o comportamento de demanda reprimida, onde houve uma concentração do consumo não realizado nos meses de lockdown para os meses seguintes ao processo de reabertura do comércio; e o auxílio emergencial, que foi utilizado não só para o pagamento de débitos em negócios, mas também para o consumo.
“Esses fatores foram muito importantes para minimizar os efeitos negativos da pandemia sobre o comércio cearense, dado que, em maio de 2020, o volume de vendas no comércio varejista apresentava uma queda no acumulado do ano, até o referido mês, de -17,8%, diminuindo bastante os efeitos negativos por todo o segundo semestre de 2020. Isso convergiu em dezembro para uma queda de -5,8%, referente ao acumulado do ano até dezembro de 2020”
Nicolino Trompieri Neto, coordenador de Contas Regionais do Ipece
Assis Cavalcante, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL‐Fortaleza), conta que a concessão contratual proporcionada pelo Governo Federal também foi um dos fatores que ajudaram a segurar os empregos do setor. “Porque os empregos geram renda, que geram outros empregos, que geram varejo. Depois, o Governo Federal lançou também o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que é um programa que nós, lojistas e empresários, conseguimos empréstimos com carência e também com taxa de juros mais baixa”, explica. Assis também aborda que, a partir de julho de 2020, as vendas começaram a crescer, aumentando em novembro por conta da Black Friday.
“Crescemos 30% em relação ao ano anterior. Mas, em dezembro, as vendas ficaram abaixo de 2019. Os segmentos que mais cresceram foram material de construção e eletrônicos. As vendas desses materiais realmente subiram”
Assis Cavalcante, presidente da CDL-Fortaleza
“A pandemia afetou de forma negativa o setor com o fechamento de vários estabelecimentos comerciais que vinham tendo problemas de caixa e que foram intensificados com a chegada dela. Por outro lado, houve uma forte adaptação dessas empresas em relação às vendas online e operações de logística”, pondera Nicolino. Ele avalia que esses mecanismos tornaram as vendas digitais mais eficientes para o consumidor, que agora possui a oportunidade de compra de vários produtos que não eram vendidos nesta modalidade antes da pandemia.
Uma pesquisa realizada pelo Neotrust – Movimento Compre&Confie, informa que 2020 encerrou com mais de 300 milhões de pedidos online no País, onde 47% dos internautas totais foram novos consumidores. Pelo menos 86,4 milhões de compras online foram realizadas no quarto trimestre de 2020, fazendo com que o varejo online faturasse mais de R$ 38,6 bilhões de outubro a dezembro de 2020. O Nordeste, inclusive, teve o maior crescimento brasileiro de varejo online no ano passado, ficando atrás apenas de São Paulo, pem 2º lugar com 14% das vendas realizadas.
Tendências e desafios
Nicolino Trompieri Neto destaca que o comércio é um setor muito importante para a economia cearense por ser uma atividade que responde a 14,54% do total do valor adicionado bruto do Ceará, ficando atrás apenas da Administração Pública, que representa 23,67%. Sobre as tendências para o setor, ele acredita que as empresas devem se adaptar em relação às novas tecnologias para as vendas e marketing online, bem como a questão de todo o processo de logística, desde a compra online no site, passando pelo centro de distribuição, até a entrega na casa do consumidor de forma rápida e eficiente.
“Além desse desafio, que garantirá a sobrevivência dos negócios e, consequentemente, a manutenção e até a possibilidade de aumento de vagas de empregos, a aceleração do processo de imunização da população contra a Covid-19, via a campanha nacional de vacinação, será o maior desafio para os próximos meses. Com uma grande parcela da população cearense imunizada, será possível aplicar o fim das restrições impostas ao comércio, aumentando a circulação de consumidores e melhorando os negócios desta atividade”
Nicolino Trompieri Neto, coordenador de Contas Regionais do Ipece
Para Felipe Benevides, o maior desafio dentro do contexto atual é a manutenção de funcionários. “É muito mais fácil o capital inicial do que o capital de giro. É muito mais fácil, para mim, comprar agora do que manter um funcionário. Eu mesmo tenho receio do capital de giro, das contas parceladas. Está muito curta a visão de prazo, eu só consigo me programar financeiramente para 15 dias dentro da loja”, conta.
Ele acredita que nos próximos meses o movimento do comércio deve se manter estável. “O que eu senti é que, antes, o fluxo estava reprimido. Com a reabertura do comércio, todo mundo foi atrás, tivemos até um trabalho apertado, com mais demandas. Aí voltamos para uma frequência contínua. Mas acho que a tendência é melhorar”, avalia, confiante.
A CDL‐Fortaleza aponta que as principais tendências para o comércio varejista em 2021 serão produtos naturais/saudáveis, marketing sensorial, e-commerce e aplicativos de entrega. Assis Cavalcante pontua que, para superar a crise, é preciso perceber a realidade de cada empresa.
“É um momento muito difícil que nós estamos vivendo hoje. Mas vamos tentando escapar. Cada empresa pode montar estratégias e usar as ferramentas de marketing, usar a tecnologia a favor”
Assis Cavalcante, presidente da CDL-Fortaleza