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Criando mega-universidades e atraindo talentos: ensinamentos para o Ceará

Relatório da CM Consultoria, disponibilizado pela Universidade de São Paulo, mostra que, entre 2007 e 2015, a tendência de fusões no ensino superior privado já havia começado, liderados por grandes fundos de capital internacional. FOTO: Freepik

Apesar de não parecer, as instituições de ensino e pesquisa também trabalham em um mercado, o “mercado de cérebros”, atraindo e nutrindo esses talentos para que estes possam criar valor no seio dessas próprias instituições e além. Quando medimos a posição de nossas instituições neste mercado altamente competitivo, percebemos rapidamente que estamos distantes da “primeira divisão” de participantes. Por que será? Será que realmente não temos instituições de ensino e pesquisa competentes? Ou será que o nosso modelo de instituição já se tornou antiquado e despreparado para competir em um mercado global?


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Em outras palavras, será que realmente não temos bons jogadores ou o que falta para o nosso time é termos uma marca forte e capaz de mostrar sua qualidade para o mundo? São essas perguntas que nortearam o pensamento dos países da Europa no início do segundo milênio e que os motivaram a repensar seus modelos. O que os países europeus perceberam foi que, ao buscar medir a posição de suas instituições em rankings internacionais, deparavam-se frequentemente com entidades norte-americanas como Harvard, Yale e MIT nas melhores posições, enquanto até mesmo suas melhores universidades continuavam mal classificadas.

Boa parte das classificações desse tipo levavam em consideração, e ainda levam, métricas de valor absoluto, além de outros indicadores que valorizam a integração às redes de colaboração internacional, como o número de docentes ou ex-alunos premiados com condecorações de impacto internacional como o prêmio Nobel. Houve então uma conscientização geral por parte dos europeus de que eles precisavam pensar de forma integrada e em grande escala se quisessem continuar competitivos e atrativos no novo mundo cada vez mais globalizado que se construía. O resultado disso foi uma explosão de fusões e aquisições.

Um relatório da European University Association mapeou a evolução das fusões entre universidades e instituições de ensino e pesquisa europeias a partir do ano 2000. Até 2015, pelo menos 92 fusões já haviam ocorrido, sendo 16 delas somente na França, que também inaugurou um modelo pioneiro que seria aprimorado entre os anos de 2014 e 2015, a “comunidade universitária”, existindo na forma de uma instituição federada composta por instituições-membro independentes. Nessa época, surge o primeiro projeto da Paris-Saclay.

Foto: Universidade Paris-Saclay/ Divulgação

A Paris-Saclay nasce como um conglomerado de universidades, institutos de pesquisa e grandes écoles (um status especial na França, correspondente às escolas de engenharia de elite, mais ou menos como os institutos de engenharia de elite brasileiros, o ITA e o IME). Tradicionalmente, e por muito tempo, a Europa manteve um modelo de educação baseado em pequenas instituições segregadas, organizadas para diferentes níveis de excelência e exigência. A Paris-Saclay fugiu desse modelo tradicional e teve como proposta de fundação acabar com essa segregação por níveis e criar mais oportunidades de cooperação entre seus membros fundadores, proporcionando assim uma maior integração entre eles.

Além de criar cursos ensinados em inglês, reformar o tempo de diplomação para integrar aos padrões internacionais e abrir cursos não presenciais, o novo modelo permite hoje acolher facilmente alunos de todas as partes do globo, com uma rápida integração dos mesmos às atividades da universidade. Devido ao alcance exponencial deste tipo de modelo, inspirado em experiências similares nos EUA, cunhou-se o termo “mega-universidade”, que é hoje apontado como uma tendência para a qualidade da educação nos próximos anos.

A criação da Universidade Paris-Saclay ocupa um lugar central na mudança do ecossistema francês, no modo de pensar a organização dos atores que lideram o processo de pesquisa. Mais recentemente, no final de 2019, um decreto assinado pelo presidente Emmanuel Macron formalizou a Paris-Saclay como instituição unificada, tirando a independência de seus membros e criando uma presidência e conselho geral para comandar a instituição. A Universidade Paris-Saclay é hoje a mais renomada universidade francesa e a 14ª do mundo, segundo o ranking de Xangai de 2020, sendo também a 1ª do mundo em Matemática no mesmo ranking.

Mercado de formação

O fato é que os mercados estão cada vez mais globais. As cadeias de valor estão dispersas, mas o Brasil se encontra em uma posição particular, voltado principalmente para o seu mercado interno e pouco conectado às cadeias de valor internacionais, quando comparado a outros países. Esta nova tendência só acentua a importância de ser um ator global e pronto para fornecer serviços e produtos a clientes internacionais.

O mercado de formação e capacitação brasileiro é, no entanto, bem diferente do europeu quando pensamos que a maior parte da oferta dos serviços de formação superior vem de universidades privadas e geralmente focadas em suprir a demanda de um mercado mais próximo, mais local. O número de universidades públicas, onde a pesquisa é bastante presente, é reduzido quando comparado com a rede privada. Ainda assim, estudos mostram uma tendência crescente nas fusões e aquisições do mercado privado.

Um relatório sobre as fusões e aquisições no ensino superior brasileiro, publicado pela CM Consultoria e disponibilizado pela Universidade de São Paulo, mostra que, entre 2007 e 2015, a tendência de fusões no ensino superior privado já havia começado, liderados por grandes fundos de capital internacional, como o grupo britânico Pearson, e formando grandes conglomerados como a Kroton, a Anhanguera e a Estácio.

Apesar de ser pioneira na tendência de fusões no Brasil, a rede privada ainda tem dificuldades no aspecto internacionalização de atividades como a pesquisa, algo que pode ser desenvolvido com maior potencial na rede pública que, tradicionalmente, já nutre laços com instituições internacionais para colaborações desse tipo. Mesmo assim, é importante lembrarmos sempre que trata-se de uma competição por cérebros e que precisamos construir instituições fortes e atrativas que, além de pensarem para o mercado próximo e local, preocupam-se em formar pessoas para participar no mercado global.

O Ceará tem o que precisa para ser pioneiro e liderar a criação de novas mega-universidades e instituições brasileiras globais, prontas para influenciar e transformar o futuro, não só do Brasil, mas também do mundo. O caminho para estas novas instituições passará provavelmente por promover e reforçar atividades locais em cooperação direta com as redes globais de valor como, por exemplo: um maior intercâmbio de colaboração científica e docente, oferta de cursos de mestrado e doutorado em inglês, adequação do diploma para integração do público internacional, contratação de profissionais estrangeiros para o corpo docente. A França e a Europa já deram passos para preparar seu time para o campeonato, qual será o nosso?

*Mestre em Ciência e Engenharia de Dados pela Universidade Paris-Saclay

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