Desde 2015, a Agenda 2030 já tem 17 compromissos anotados com o futuro do mundo. São os chamados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ou 17 ODS. De acordo com a Plataforma Agenda 2030, esses objetivos envolvem as três dimensões do desenvolvimento sustentável: econômica, social e ambiental. Indo ao encontro do objetivo de engajamento que busca o equilíbrio entre as pessoas e o planeta, o Ceará é o primeiro estado do Brasil a criar o Inventário da Fauna local.
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A iniciativa faz parte do programa Cientista-Chefe Meio Ambiente, da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Sema) e da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). O portal online com dados sobre as 1.287 espécies de animais vertebrados cearenses já está disponível no site da Sema e contou com pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (ONG Aquasis).
Marcelo Soares, professor da UFC e cientista-chefe de Meio Ambiente, ressalta que o Ceará tem vários ecossistemas, cuja biodiversidade é importante do ponto de vista econômico. Um exemplo clássico são os peixes.
“Temos mais de 500 espécies de peixes e muitas delas são de importância econômica e também social. No litoral, existem quase 300 comunidades e elas dependem desses peixes, às vezes, não só do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista da chamada segurança alimentar, que é quando pescam para ter a alimentação do dia a dia. É importante que a gente desenhe políticas públicas para o uso sustentável desses recursos e conservação das espécies”
Marcelo Soares, professor da UFC e cientista-chefe de Meio Ambiente
Ele destaca também pontos dos 17 ODS que se relacionam diretamente com a preservação da fauna local, como a ODS 2, que é a “Fome Zero e Agricultura Sustentável”. O cientista-chefe aponta que a agricultura só é sustentável se tiver a manutenção da fauna, por exemplo. Já Hugo Fernandes, professor da Uece e coordenador-científico do Inventário, cita ainda outro objetivo importante que se alinha ao projeto: o 15, que é o de “Vida Terrestre”. De acordo com ele, nesse ponto, um dos objetivos é inventariar, fazer um levantamento das espécies, além de proteger, recuperar os ecossistemas, gerir de forma sustentável.
“Mas para que consigamos colocar estratégias assertivas de conservação da vida terrestre, é preciso saber o que temos. É como a laje para a construção do prédio. Quando falamos de proteção do meio terrestre, já é o prédio construído. Precisamos de informações muito complexas, como dieta, reprodução, distribuições, análises ecológicas, para ter noção de diversidade”, elenca.
Ele avalia que as informações sobre as espécies também podem auxiliar analistas ambientais do Estado na hora de avaliarem relatórios de consultoria ou orçamentos de empreendimentos para aferir os dados levantados para construção. “A gente fornece um instrumento para o poder público agir de forma mais precisa em relação às avaliações”, ressalta.
Para Alexsandre Lira Cavalcante, analista de Políticas Públicas do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), “as intervenções do homem sempre vão impactar a natureza, em qualquer lugar. Quando você constrói uma casa, existe intervenção ambiental. Toda ação humana, toda intervenção gera impacto, não tem como escapar”, comenta. Porém, ele acredita que, apesar da maioria das atividades econômicas gerarem impactos ambientais, é possível usar o meio ambiente sem degradação e com geração de renda.
“É preciso incentivar atividades turísticas que não sejam predatórias, turismo de sertão, turismo do interior do Estado. O que falta é buscar a conscientização desse turismo. É possível também pensar em alocação de empresas nas áreas onde teremos menos desmatamento. E, caso isso não seja possível, obrigar essa empresa a mitigar os impactos”
Alexsandre Lira Cavalcante, analista de Políticas Públicas do Ipece
“Há um segmento muito forte no mundo que é o da observação de aves. No Ceará, temos mais de 400 aves e algumas somente ocorrem aqui. Existem pessoas que visitam o Estado atrás de aves só para observá-las e fotografá-las. O soldadinho-do-araripe só tem aqui e o periquito-da-cara suja. E tem vários outros. Esse é um mercado ainda muito incipiente e que poderia ser mais aproveitado, não só de aves, mas de fauna no geral. Existem locais no Ceará onde o turismo ecológico, aliado a uma preservação de fauna, chama e tem que chamar mais turistas”
Hugo Fernandes, professor da Uece e coordenador-científico do Inventário
Um outro ponto abordado por Hugo, que também é orientador do Programa de Pós-graduação em Sistemática, Uso e Conservação da Biodiversidade, na Uece, é que já existem pesquisas nas universidades para avaliar os impactos e potenciais econômicos da biodiversidade do Ceará. “Eu tenho aluno de mestrado que trabalha com a ave jacu. Ele estuda o quanto a presença de jacus na caatinga consegue manter a flora preservada, inclusive a flora econômica da caatinga. A gente consegue avaliar em reais quanto uma área perde por não ter jacu”, exemplifica.
Marcelo Soares ressalta que o Brasil também tem um grande potencial com a chamada Bioeconomia.
“Nós temos recursos naturais abundantes, inclusive essa fauna. E ela pode ser utilizada do ponto de vista de biotecnologia, de farmacologia, sem degradação. Enquanto não olhamos para isso, empresas estrangeiras aproveitam a nossa biodiversidade, fazem remédios e vendem para nós. Quem ganha mais nessa balança comercial?”
Marcelo Soares, professor da UFC e cientista-chefe de Meio Ambiente
Na construção civil, Sérgio Soares Macedo, diretor presidente da Cooperação da Construção Ceará (CooperConCE), também aponta que, hoje, as grandes construtoras têm uma preocupação muito grande com o meio ambiente. Ele reforça ainda que o setor também não trabalha dentro de áreas de preservação permanente.
“As pessoas hoje, comercialmente, visam muito a questão ambiental. Todos nós, quando fazemos um projeto, já vemos os impactos ambientais que podem atingir, principalmente em beira de praia. Então, já trabalhamos em cima da preservação do meio ambiente em qualquer projeto”
Sérgio Soares Macedo, diretor presidente da CooperConCE
Um outro exemplo citado pelos especialistas sobre a relação entre a fauna e a economia é a atual pandemia do novo coronavírus. “A pandemia que temos agora está totalmente ligada à degradação ambiental. Ela é uma zoonose, ou seja, veio de um vírus de um animal silvestre que invadiu a espécie humana, possivelmente um mamífero. Nas últimas décadas, 70% das pandemias foram provocadas por uso de animais selvagens de modo inadequado. A gente precisa conhecer nossa fauna para poder monitorar esses aspectos. Tem um estudo no País, por exemplo, que está analisando vários tipos de morcegos brasileiros. Esses animais têm outros tipos de coronavírus também, mas que ainda não invadiram a espécie humana”, frisa Marcelo Soares.
Hugo Fernandes destaca a importância de colocar a questão ambiental como ponto central para evitar outros cenários como o atual. “A economia precisa partir da questão ambiental e não o contrário. A maior prova disso é o que estamos vivendo agora. Tudo isso que estamos passando é um problema ambiental. A economia do mundo está ruindo graças a uma questão ambiental. Quando não colocamos a questão ambiental como central, vemos a economia ruindo. Ou se começa a falar na economia a partir da questão ambiental ou não vamos ter economia. Isso precisa ser colocado, definitivamente, como uma peça principal nesse motor, e não como um acessório que se pode ter ou não no carro. Tem que ser como a própria injeção do carro”, compara o professor da Uece e coordenador-científico do Inventário da Fauna do Ceará.