Governos e iniciativa privada precisam acelerar o ritmo de inovação sob pena de perderem posição no cenário mundial da competitividade, onde o Brasil ocupa o 62º lugar entre 131 Nações, conforme o Índice Global de Inovação. Especialistas atribuem o atraso brasileiro, de um lado, à falta de políticas oficiais de apoio à pesquisa e desenvolvimento e, de outro, a questões conceituais e culturais das empresas que não têm a exata compreensão da inovação, que extrapola mudança de produto ou de processo e exige uma profunda transformação digital.
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Sem a garantia imediata do retorno dos investimentos em inovação, e de portas ora abertas, ora fechadas nesta pandemia, as empresas se veem entre a urgência de sobreviverem e a de inovarem, gerando cada vez atraso maior na tomada de decisão e de atitude ativa e/ou reativa. E assim vão postergando a decisão de inovar. O fato se agrava na medida em que se sabe que 80% do universo empresarial brasileiro é integrado por pequenas e médias empresas, justamente as que têm menores condições de investir em inovação.
Acompanhamento da Falconi, consultoria em gestão, junto a 98 CEOs apontou que apenas 25% deles admitiu que o investimento em processos de inovação trouxe resultados realmente efetivos. A maioria respondeu que o retorno foi marginal. A compreensão e o exercício do verdadeiro conceito de inovação ainda são mais encontrados nas grandes companhias – com faturamento acima de R$ 4 bilhões/ano – que têm atitudes inovadoras em todo o espectro do seu negócio. Estas perceberam resultados em 62% dos casos. Mas Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que 83% das indústrias pesquisadas disseram que precisarão de ainda mais inovação para sobreviver no pós-pandemia.
Para Mário Gurjão, CEO e cofundador da Inova Mundo, bureau cearense de desenvolvimento de negócios que atua em rede para alavancar a inovação em instituições públicas e privadas, a questão começa na educação (ou na falta dela). A seu ver, a formação de mestres e doutores precisa ser intensificada para promover a disrupção entre a atual e a nova economia, a partir de conhecimentos e de aliados tecnológicos já disponíveis. Este foi o caminho adotado por grandes corporações que tomaram a dianteira em inovação e ocupam a liderança mundial.
“Se as soluções para as dores atuais ainda não existem, podem ser criadas”
Mário Gurjão, CEO e cofundador da Inova Mundo
Ele lembra que o Brasil é fértil em novos talentos através da ousadia e criatividade das startups como grandes protagonistas em várias áreas como saúde, tecnologia, logística e marketing. São segmentos onde o Ceará vem se destacando. Cita como inspiradores casos como os grupos Dias Branco e Hapvida, que optaram pela open inovation, buscando saídas fora dos muros da empresa em busca de novas mentes para um novo mundo.
Além da questão educacional, o Brasil enfrenta, também, a timidez nas políticas de governo, seja através de incentivos fiscais, seja no financiamento à pesquisa e inovação. “Estamos na contramão do mundo moderno com o desmantelamento das instituições de pesquisa e suas dotações orçamentárias em queda”, comenta ele, lembrando que há uma competente estrutura como a da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), com representação em todo o País e que precisa ser remontada e fortalecida, especialmente neste momento de crise que exige respostas tecnológicas rápidas.
O CEO da Inova Mundo, que atua como parceira na transformação digital do Ceará, credita ao Governo do Estado uma série de iniciativas relevantes. “Aqui está sendo feito o dever de casa”, garante ele, citando que há um cenário favorável aos negócios com infraestrutura tecnológica, com um cinturão digital, com grandes servidores de nuvens e com o tradicional e estruturado complexo portuário de Pecém. “São inúmeros os bons exemplos de conexão da velha com a nova economia”, resume.
Diferentemente de outros Estados, o Ceará hoje enfrenta o desafio de reter os talentos que desenvolveu através das condições que oferece para a formação e aperfeiçoamento de pessoal. Isto se deve à migração de recursos humanos treinados e aperfeiçoados, o que se intensificou com o avanço do home office permitindo a muitos profissionais cearenses continuarem morando localmente, mas emprestando seus talentos para outros estados e até países.
O recado direto do sócio da Parallax Ventures e conselheiro do Ninna Hub, Delano Macedo, para os empresários, é de que o movimento pela inovação não é uma bolha, mas uma enorme e permanente onda. Trata-se de um caminho sem volta que precisa ser assumido pela alta direção de quem realmente quer fazer a transformação digital.
“Não basta apertar um botão, chamar startups e achar que se adequou”
Delano Macedo, conselheiro do Ninna Hub
A seu ver, é urgente que seja criada a cultura da inovação dentro das corporações, de cima para baixo, de maneira sistêmica, apontando as dores da empresa a partir de um diagnóstico, lançando editais para a busca de soluções de fora e estabelecendo prazos para a resolução dos problemas com definição de metas. “Inovar é um mantra que nunca mais pode deixar de ser feito”, afirma.
No Ceará, pelo menos as empresas de maior porte já olham na direção da inovação, mas Macedo acredita que ainda há resistências a serem vencidas. “Houve o acordar, mas sem a necessária efervescência”, disse. Ele acredita que governo e iniciativa privada, através de suas lideranças de classe devem ampliar as ações já existentes para que se crie um ambiente de inovação forte e permanente para que o Estado chegue no nível de outros como São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Macedo destaca programas desta natureza na Secretaria do Desenvolvimento e Trabalho do Ceará que se articula na direção da inovação. “Há dois ou três anos nem se falava no tema”, lembrou ele, satisfeito com o que chamou de “falatório positivo” que precisa encontrar ressonância em ações e atitudes efetivas e organizadas.
É sabido que não há como pensar em competitividade se iniciativa privada e setor público não andarem de mãos dadas. O Movimento Brasil Competitivo (MBC), entidade sem fins lucrativos criada em 2001, sabe disto e vem atuando junto a Estados e municípios para ampliar a eficiência da gestão pública, capacitando-a a oferecer melhores serviços à sociedade.
E a economia digital é uma das bandeiras do MBC por acreditar que o Brasil pode desempenhar um papel de maior protagonismo nesta nova realidade econômica. Mas é preciso coordenar ações com o objetivo de acelerar a inovação via evolução digital. Para isso, foi criada, em 2015, a Coalizão Brasil Digital, fruto da parceria com 30 organizações associadas que defendem melhorias de políticas públicas e agora em ritmo ainda mais acelerado para o enfrentamento das consequências da pandemia.
Para Tatiana Ribeiro, diretora executiva do MBC e coordenadora da Coalizão Brasil Digital, a pandemia acabou criando no setor produtivo ambiente favorável para avanços mais expressivos já que os negócios que apresentaram algum resultado ou mesmo que sobreviveram constataram que foi graças a processos tecnológicos de apoio. Diante disto, Tatiana vê grandes desafios pela frente. A começar pela digitalização do Estado. A União conseguiu, nesta pandemia, oferecer mil diferentes serviços digitalizados, elevando até mesmo a moral do País em fóruns internacionais de competitividade. Um fato, ainda acanhado, que precisa avançar em todas as esferas de governo, especialmente nos Estados e nas prefeituras, “entes” públicos mais próximos dos cidadãos e onde as coisas realmente acontecem. “
O Ceará é uma referência importante neste aspecto por ter investido em infraestrutura tecnológica básica de datacenters, facilitando a integração de dados para os empreendedores e investidores que não têm fronteiras diante da internet e agora da pandemia”
Tatiana Ribeiro, diretora executiva do MBC
A propósito, outro desafio apontado pelo MBC é a fragilidade dos sistemas de comunicação e a falta de conectividade entre eles. Nesse caso, o País tem que acelerar a aprovação de legislação pertinente à proteção de dados e a regulação para não prejudicar a conexão global. Por fim, a diretora do MBC salienta a importância da capacitação de pessoas para evitar que aumente o número de analfabetos funcionais. Ela recomenda que é preciso olhar para todos os níveis de educação pública e privada, inclusive para a formação inicial já que as crianças de hoje ocuparão o mercado de trabalho em 10 a 15 anos em profissões que sequer existem ainda. “Se o Brasil não acelerar nesta área da educação, ficaremos fora da onda como já aconteceu no passado”, sentencia.
Organização suprapartidária, há 20 anos o CLP – Centro de Liderança Pública criou o Ranking de Competitividade dos Estados, ferramenta que reúne dados para auxiliar gestores públicos a diagnosticar problemas e elencar prioridades. O levantamento considera vários pilares que, juntos, resultaram no ranking geral. Entre os indicadores analisados – e que mudam a posição dos Estados no mapa – estão o potencial de mercado, infraestrutura, capital humano, educação, sustentabilidade social e ambiental, solidez fiscal, segurança pública e eficiência pública e inovação. Na análise geral o Ceará ocupa a 10ª colocação, mas em se tratando de Educação sobe para a 5ª posição.