Para enfrentar as baixas reservas hídricas que caíram de 66% em 2012 para os atuais 24%, distante do recomendável superior a 50%, o Governo do Ceará marca presença, em menor ou maior escala, em diferentes alternativas estratégicas já adotadas no mundo. Há iniciativas no nível cearense de águas subterrâneas, passando pelo ainda incipiente tratamento de águas de resíduos para reuso e está em plena transposição de rios, no caso o São Francisco. Também avança no projeto de dessanilização em parceria com a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), que resultou em uma planta com capacidade para 1,0m³/segundo.
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O secretário de Recursos Hídricos do Ceará (SRH), Francisco José Coelho Teixeira, sabe que a seca castiga e leva os principais reservatórios de água à exaustão. Com a experiência de ex-ministro da Integração Nacional (20″13/14) e de sua longa trajetória profissional também como funcionário da Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh), Teixeira aposta em soluções simples e complexas que alcancem as populações desassistidas e garantam o insumo para os atuais e novos negócios que se instalarem no Estado.
“O desafio maior é gerenciar com sustentabilidade econômico-financeira o complexo hídrico de tamanha escassez. São 160 reservatórios públicos e privados, além do conjunto de barragens de 1,0 bilhão de m³, canais e adutoras que transportam a água por quase 700 km. O certo é que não há mais como depender do leito do rio e seus fluxos efêmeros. É preciso sair do reservatório para a adutora”
Francisco José Coelho Teixeira, secretário de Recursos Hídricos do Ceará
O secretário de Recursos Hídricos entende que o projeto é grandioso, que alcança três períodos de governos envolvendo 6 mil km de adutoras com recursos do Banco Mundial. Do total, 700 km estão nesta primeira fase em desenvolvimento com vistas a garantir o abastecimento no sertão central, diante da seca cada vez mais intensa.
A histórica insegurança hídrica no Estado levou o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-CE) a se associar ao esforço de reverter o preocupante quadro. O presidente Emanuel Mota lidera a criação de um grupo de trabalho para desenhar um caminho que favoreça o semiárido com metas e prazos a serem definidos. A decisão é recente: foi tomada na reunião da entidade em 11 de março e está na fase de montagem dos integrantes, a cargo da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA) e da Federação da Agricultura e Pecuária, e contará com a participação de toda a cadeia do agronegócio, um dos mais afetados pela seca.
Emanuel Mota concorda que o Ceará atua com um mix de diferentes frentes. Mas está convicto de que, isoladamente, poder público e iniciativa privada não têm fôlego para enfrentar a questão.
“Para evitarmos a insegurança hídrica histórica, é urgente que tenhamos um alinhamento de forças focado no interior do Estado e que, em decorrência, alcance a região metropolitana”
Emanuel Mota, presidente do Crea-CE
O Crea-CE também acredita que são fundamentais cuidados como o controle de vazão e reuso de água e defende a conscientização da população para o consumo consciente de um recurso finito, a começar pelos hábitos mais simples. “Qualquer que seja a redução do tempo no banho, por exemplo, terá impacto importante quando multiplicado pelo número de habitantes”, exemplifica
A saída adotada pelo Ceará tem sido a diversificação da matriz a partir da energia solar, eólica, sistema interligado, termoelétrica e hidroelétrica para garantir solidez da estrutura institucional de gestão e da infraestrutura hídrica de açudes, poços, adutoras, eixos de integração entre as bacias hidrográficas e o controle do uso da água através das outorgas. O conjunto dessas ações ampliou a garantia de oferta hídrica e tornou o Ceará mais resiliente aos períodos de seca.
Em parceria com a Cogerh, Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra), Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) e Cagece, o Ceará está abastecendo os núcleos urbanos através do Programa Malha D’água, um cruzamento da malha de adutoras planejadas com as rotas dos carros-pipa, buscando otimizar o traçado e planejando pequenos sistemas adutores para atender as maiores concentrações. “Trata-se do maior projeto de abastecimento humano do Ceará com enorme alcance”, observa, referindo-se a mais de 213 mil pessoas beneficiadas.
Fato que leva o secretário a descartar a hipótese de racionamento neste ano, mas ele conta com o uso racional e consciente da água pela população, considerando o prognóstico de chuvas escassas pela Funceme. Teixieira acredita, ainda, na eficiência da atual política que pratica tarifas de contingência a partir de metas de consumo com multas no caso de excesso.
O açude Castanhão, o maior reservatório do Estado, está com pouco mais de 10% de sua capacidade, ainda abaixo dos 15% do ano passado. O Castanhão teve antecipada em 30 dias a liberação das águas do Rio São Francisco através do Cinturão das Águas, graças às chuvas que banharam a região do Cariri, aumentando o nível do Rio Salgado, principal aquífero que abastece o maior reservatório do Estado, beneficiando 4,5 milhões cearenses em várias regiões. A obra do Cinturão terá outros ramais, que levarão água para mais reservatórios abastecendo regiões como Alto Jaguaribe, Araripe, Campos Sales e Salitre, reduzindo a vulnerabilidade hídrica.
O fato é que a temática não tem uma solução única, concorda Josivan Cardoso, coordenador nacional da Câmara Temática de Recursos Hídricos da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). A entidade sabe da dificuldade de concretizar um planejamento que promova a segurança hídrica em um país das dimensões do Brasil, onde é preciso conhecer as diferenças regionais. Josivan vê na geografia brasileira diferentes realidades, vários níveis de gestão e de investimentos, diferenciados graus de capacidades técnicas e de fôlego em fiscalização e outorgas.
“A Lei das Águas, por exemplo, já representa um avanço, mas se serve para a abundância, não serve para a escassez, portanto, requer revisão periódica porque a seca não tem endereço fixo”
Josivan Cardoso, coordenador nacional da Câmara Temática de Recursos Hídricos da ABES
A seu ver, a palavra-chave é integração, referindo-se às inúmeras fontes de água que precisam ser utilizadas em seu conjunto de maneira inteligente e estratégica para, aí, sim, ser chamada de política de segurança hídrica. O mesmo conceito vale para a legislação, que embora já tenha avançado, ainda carece de conhecimento das especificidades locais e requer permanente revisão em se tratando de um tema dinâmico como é a tão vital água.