Há aproximadamente uma década iniciava-se a produção de cacau no Ceará. Uma cultura exótica, talvez inimaginável, para um estado tradicionalmente produtor de caju, coco, banana entre outras frutas mais comuns ao semiárido cearense. A boa notícia é que o experimento deu certo, diante dos resultados obtidos: produtividade média anual quase dez vezes superior à registrada pelo maior estado produtor do Brasil, a Bahia, produção precoce e, como vantagem adicional, um pomar livre de doenças.
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“Por enquanto, trata-se de uma experiência, mas os resultados demonstram a viabilidade econômica de desenvolver o plantio de cacaueiros no Ceará, sendo mais uma opção para os agricultores cearenses, atentando-se para os devidos cuidados”, aponta o analista de Atração de Investimento e Mercado da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Ceará (Sedet), Sérgio Baima.
Segundo ele, apesar das vantagens, a disseminação da produção de cacau no Ceará ainda vem sendo postergada pela iniciativa privada em face dos problemas climáticos, principalmente as chuvas muito abaixo da média nos últimos anos. Isso acarreta problemas de abastecimento de água. “Não obstante, a produção de cacau no Ceará tem futuro”, afirma.
Para o engenheiro agrônomo Paulo Marrocos, a produção do Cacau no Ceará é “uma excelente aposta”. Ele é pesquisador da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e do Centro de Pesquisas do Cacau (Cepec) e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), na Bahia.
“No contexto da oferta e demanda da produção mundial de cacau, o Brasil, atualmente, apesar de produzir amêndoas secas de boa qualidade é ainda um país importador. O desafio para fazer o Brasil retornar à condição de autossuficiência na produção de amêndoas secas de cacau passa pelo aumento da produtividade da lavoura e pela quebra de paradigmas, tais como o cultivo do cacaueiro em novas fronteiras agrícolas, a exemplo do ambiente semiárido com adoção da tecnologia de irrigação”, explica.
Além disso, acrescenta o pesquisador, “o ambiente semiárido para o cultivo do cacaueiro tem como vantagens adicionais: áreas com relevo suave a plana (permitindo maior mecanização); a secagem das amêndoas facilitada pelo clima (possibilidade de obter amêndoas de excelente qualidade) e, sobretudo, por ser, potencialmente, uma zona de escape a doenças, especialmente a vassoura-de-bruxa e a monilíase (ainda ausente em território brasileiro)”.
Cacau no Ceará: como tudo começou
Marrocos fez parte da comissão técnica da introdução da produção de cacau no Ceará, no ano de 2010, quando a União dos Agronegócios no Vale do Jaguaribe (Univale) iniciou o cultivo da fruta em uma área experimental na Fazenda Frutacor, de propriedade do presidente da entidade, João Teixeira Júnior, após solicitação de apoio técnico-científico à Ceplac. “Essa iniciativa teve como objetivo avaliar possibilidade do cultivo do cacaueiro em ambiente semiárido do Tabuleiro de Russas”, conta.
O projeto, acrescenta Baima, teve apoio do governo cearense, à época por meio da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece) em parceria com a Embrapa Agroindústria Tropical. “O plantio de uma área de três hectares foi realizado no Projeto de Irrigação Tabuleiro de Russas, localizado entre Russas e Limoeiro do Norte. Depois dos primeiros resultados foi implantado mais um hectare na Região do Apodi, em Limoeiro do Norte”, relata.
Segundo o engenheiro agrônomo Diógenes Abrantes, doutor em Manejo de Solo e Água e técnico responsável pelo experimento de produção de cacau no Ceará junto à Univale, a ideia inicial seria observar como o cacau iria se adaptar à região.
“A partir da implantação de 12 clones de cacau, utilizamos sistemas de irrigação diferentes, ou seja, gotejamento e micro aspersão, diferentemente do que se trabalha na Bahia, onde 95% do cacau é de sequeiro. Além das tecnologias de irrigação, utilizamos também a fertirrigação, por meio da qual controlamos a nutrição da planta através de análises do solo feitas a cada quatro meses”
Diógenes Abrantes, doutor em Manejo de Solo e Água
Como resultado, entre os anos de 2010 e 2017, ele ressalta que constatou-se a boa adaptação do cacau na região. “Nesse período, dos 12 clones plantados, foram escolhidos seis, aqueles que se desenvolveram melhor e, a partir daí, surgiu a oportunidade de criar uma outra área experimental”, complementa.
De acordo com Baima, da Sedet, além das experiências com diferentes clones de cacau, foram desenvolvidos experimentos em vários espaçamentos, com sombreamento de bananeira, cajazeira e depois com coqueiro no plantio do Apodi.
“Ainda se trata de um projeto piloto, mas que com o passar dos anos revela que há viabilidade da cultura cacaueira no Ceará. Existe tecnologia para ser aplicada no semiárido, o que torna a produção possível. Resta, agora, ampliar para a produção comercial caso haja interesse de mais investidores”
João Teixeira Júnior, proprietário da Fazenda Frutacor e presidente da Univale
Para ele, o cultivo de cacau se apresenta como uma boa opção para regiões cearenses como a Ibiapaba, o Cariri e o Baixo Jaguaribe. “Mas precisamos de uma política de recursos hídricos a fim de viabilizar a produção em maior escala”, afirma.
Diferencial do cacau cearense
Segundo Diógenes Abrantes, a produtividade do cacau plantado no Ceará mostrou-se bem superior às áreas de sequeiro da Bahia. “Enquanto lá se produz 350 kg de amêndoa seca por hectare/ano, que é o produto final enviado à indústria, no Ceará temos o potencial de produzir, em média, três mil quilos de amêndoa por hectare/ano por meio do uso de tecnologias para irrigação, nutrição, manejo e poda, o que é um importante incentivo para o plantio do cacau no Estado”, destaca.
Outra vantagem, acrescenta o especialista, é que passados dez anos de trabalho com a cultura do cacau no Tabuleiro de Russas, não foi registrada uma praga muito recorrente na Bahia que é a “vassoura-de-bruxa”. “Devido às altas temperaturas ao longo do ano, não temos essa doença. Isso também é um diferencial”, afirma. Segundo ele, isso se justifica pelas condições de iluminação no Ceará (mais horas de sol) em relação ao Sul da Bahia.
“Aqui a planta se desenvolve mais rápido. Enquanto no Ceará a partir do terceiro ano já conseguimos uma boa produção, na Bahia isto só acontece a partir do quinto ou sexto ano, ou seja, outra vantagem apresentada pela cultura do cacau no Estado”, fala. Além disso, pontua, “o cacau é uma cultura que desenvolvida no Ceará, embora seja irrigada, requer pouca água, e ainda assim resulta em um produto de excelente qualidade”.
Ganhos para o produtor
Diógenes Abrantes também aponta outro atrativo para quem se dedicar ao cultivo de cacau no Estado. “O cacau é uma cultura que se trabalhada com o pequeno e médio produtor, estes poderão ter uma renda per capta por família maior do que as culturas tradicionais. Eu calculo uma renda líquida de R$ 1.000/mês por hectare”, afirma.
Conforme disse, se o próprio produtor executar todas as atividades necessárias ao cultivo, essa renda líquida poderia passar para algo em torno de R$ 1.500 a R$ 1.700/mês por hectare. “São dados calculados em cima da produtividade obtida com o experimento no Ceará, o que garantiria, dessa forma, a sua subsistência.
“Se um produtor tiver em torno de quatro a cinco hectares, que é o recomendado, ele terá uma renda líquida de R$ 4 mil a R$ 5 mil por mês. Além disso é uma cultura que pode ser mecanizada, o que permite uma pessoa apenas cuidar de quatro hectares”
Diógenes Abrantes, doutor em Manejo de Solo e Água
Ademais, acrescenta, é uma cultura que pode ser trabalhada na maioria das regiões do Ceará. “Só não é recomendado em locais muito úmidos, similares ao Sul da Bahia, onde poderá surgir a praga vassoura-de-bruxa. Mas nas regiões onde mais necessitamos, correspondentes ao semiárido, é uma grande alternativa para os pequenos produtores”, conclui.
Futuro do cacau no Estado
Segundo Sérgio Baima, da Sedet, após os resultados dos experimentos, a próxima etapa na produção de cacau no Ceará é definir áreas maiores de irrigação que possam interessar às empresas e produtores que queiram investir na cultura.
“Enquanto os experimentos no Estado mostraram a viabilidade econômica da atividade, a redução de água disponível para irrigação, provocada pelo extenso período de chuvas abaixo da média nos últimos anos, resultou no recuo dos produtores que estavam se preparando para investir na cultura. Mas, sem dúvida, o Ceará pode se transformar em um novo polo da cacauicultura brasileira”
Sérgio Baima, analista de Atração de Investimento e Mercado da Sedet
Para o engenheiro agrônomo Diógenes Abrantes, que acompanha o projeto da produção de cacau no Ceará, a chegada das águas do Rio São Francisco, com a transposição, certamente poderá ajudar a minimizar a questão hídrica. Com relação à condução de novas pesquisas, Sérgio Baima aponta que o foco agora é ajudar a transformar a amêndoa aqui colhida em massa de cacau e no próprio chocolate agregando valor ao produto.
“As novas pesquisas buscam definir o processo fermentativo da amêndoa de cacau para aumentar o valor agregado do produto, estabelecendo-se processo fermentativo padrão, para que os produtores rurais possam aplicar a técnica ainda no campo, reduzindo as perdas decorrentes de transporte e contaminação por fungos, já que o produto fermentado é mais estável”, fala.
Outra vertente das pesquisas, adianta, é a formulação de chocolate com a adição de produtos regionais como mel e rapadura e ainda plantas nativas, como maracujá e cajá, com o objetivo de adicionar valor comercial e financeiro, atingindo além da demanda por chocolate, o público interessado em produtos exóticos e funcionais.
Desafios e oportunidades
No entanto, avalia Paulo Marrocos, da Ceplac/Cepec, alguns desafios e oportunidades ainda se apresentam para o estabelecimento da produção de cacau no Ceará a nível comercial. Entre eles, a necessidade de treinamento e formação de mão-de-obra para o trabalho com a cultura; avaliação da qualidade das amêndoas produzidas em áreas irrigadas (com maior incidência de luz solar), visando a fabricação de chocolates com sabores especiais, assim como a necessidade de estudos da viabilidade econômica do cultivo do cacaueiro no Estado do Ceará que possam subsidiar políticas públicas de fomento e financiamento em regiões não tradicionais.
Ao mesmo tempo, Marrocos também chama a atenção para a necessidade de se estabelecer uma rede de compra e distribuição de produtos e subprodutos da cacauicultura. “Além disso, a agricultura familiar poderá ser beneficiada pela possibilidade de as associações de produtores efetuarem o uso integral do cacaueiro para produzir polpa de cacau, geleia, chocolate artesanal, dentre outros usos do cacaueiro”, afirma.
Ao passo que devido a eventuais escassez de água e mudanças climáticas previstas para as próximas décadas, emenda, deve-se incrementar pesquisas com cultivares de cacaueiro resistentes à seca e com alta produtividade.
“Com o crescimento das cidades e aumento da demanda hídrica para consumo humano, as questões ambientais com licenciamento e outorga para cultivo do cacaueiro deverão pautar discussões futuras da cacauicultura irrigada, principalmente no campo das políticas públicas”
Paulo Marrocos, pesquisador da Ceplac e Cepec