O termo figital tem chamado a atenção para a construção de um universo cada vez mais compartilhado entre os mundos físico e digital. E se, historicamente, a sociedade já vinha se acostumando a dividir os espaços entre virtuais e físicos, a chegada do conceito figital vem propor uma nova simbologia e também nova percepção desses espaços, como aponta Mario Gurjão, CEO da Inova Mundo.
“Na verdade, esses espaços são continuados. Eles coexistem. Não há uma divisão mais tão clara entre o físico e o digital. O que existe é o que chamamos de espaços híbridos, e isso pode ser utilizado em vários contextos”
Mario Gurjão, CEO da Inova Mundo
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Um dos exemplos citados por Gurjão é a telemedicina, a partir da realização de cirurgias a distância com a presença de profissionais de vários locais. “Você pode ter uma pessoa no Brasil fazendo a intervenção e uma do outro lado do mundo analisando e discutindo o caso. Esse é um tipo de situação em que você tem uma coexistência do digital com o mundo físico. De forma mais simplificada, a gente vê isso acontecer também nas teleconsultas”, comenta.
O CEO da Inova Mundo cita ainda outros exemplos, como os setores varejistas. “Cada vez mais, a loja vem para dentro da sua casa, para dentro do seu celular, e você não precisa se deslocar fisicamente para poder ter uma experiência de compra. Na verdade, você tem uma experiência ‘figital,’ porque o produto existe de fato e está guardado em algum lugar. Você também está em outro lugar, mas se comunica com a loja de maneira digital e resolve tudo de maneira digital”, elenca.
Mário avalia que, nesse novo contexto, as pessoas podem até se dirigir a um mundo físico para ter uma experiência de maior contato com o produto, analisar textura, olhar um detalhe, porém, isso não é mais determinante para a compra. “A pessoa pode ter todo esse contato e tomar a decisão de compra pelo meio digital”, indica.
A pandemia foi um dos fatores que impulsionou e tornou ainda mais efervescente o conceito de figital. Tanto que a necessidade de marcar presença no digital ganhou a atenção de empresas que viram nisso a oportunidade de se fortalecerem no mercado. Sérgio Falcão, CEO da TDS Company, comenta que, dentro do atual ambiente, as empresas realmente precisaram acelerar alguns processos. Como se, rapidamente, um download de cinco anos tivesse sido feito, onde elas precisaram entender como encontrar uma estratégia para fazer uma transformação dentro do próprio negócio.
Foi aí que a TDS Company desenvolveu um método de trabalho chamado Strateegia, o framework para transformação estratégica digital, dando suportes para jornadas de mudança que levam negócios de um presente analógico para um futuro figital. “Nós habilitamos a empresa, junto com seus colaboradores, a criar uma jornada de transformação digital estratégica. A gente entra na empresa para habilitar as pessoas a começarem a entender melhor esse cenário, começarem a enxergar oportunidades periféricas, que possam se transformar em uma mudança estratégica dentro da empresa”, conta Sérgio.
De acordo com Sérgio, é criada para cada empresa uma solução. Desde shoppings centers a fábricas, redes de varejo. “Hoje, basicamente, a nossa metodologia encaixa bem para qualquer segmento”, avalia. Ele comenta também que atualmente é possível olhar o mundo através de três cenários: o social, o digital e o físico. Enquanto o social é visto pelas interações, resultando de pessoas que criam conexões entre si, é necessário o mundo físico para integrar essa rede de pessoas. E o físico, por sua vez, pode ser expandido pelo digital.
“Olhando esses três cenários, podemos dizer que o mundo figital é ampliado pelo digital e orquestrado pelo social. Essa rede de pessoas é a grande orquestradora do mundo figital”
Sérgio Falcão, CEO da TDS Company
Mario Gurjão, inclusive, traz um questionamento sobre a ideia de mercado figital. “Eu acho que o que é figital não é nem necessariamente o mercado, é a nossa vida. O mundo ficou figital. Isso é, de certa maneira, irreversível. Não vai alcançar todas as dimensões da nossa vida com a mesma intensidade, mas eu acho que grande parte das nossas experiências de lazer, de consumo, de aquisição de conhecimento, de resolução de problemas de saúde, elas serão cada vez mais resolvidas dentro desse contexto, ele veio para ficar”, sinaliza.
O secretário da Ciência, Tecnologia e Educação Superior do Estado do Ceará (Secitece), Inácio Arruda, aponta que o Brasil é capaz de gerar, exportar e consolidar tendências, como o modelo da união do físico com o digital. No Ceará, ele destaca que existe um programa de incentivo ao desenvolvimento de empresas, produtos e negócios inovadores, chamado Corredores Digitais, e algumas startups que também buscam facilitar a união do físico com o online através da tecnologia.
“Entre elas, estão a Code Reader, que possui uma solução digital para leitura de códigos de barras e cadastro de produtos em um carrinho virtual para utilização pelo consumidor; a Turisnato, marketplace para comércio e serviço de profissionais agregados do setor de turismo, e ainda a ConectCom e a Ride Up, startups também marketplaces, que conectam compradores e fornecedores”, comenta Inácio Arruda.
Para o secretário, os principais desafios de uma era figital é que ainda existe resistência por parte das empresas em entrar nesse meio, além da necessidade de adaptação a essa nova tendência.
“Vivemos hoje em um país onde seu principal líder tem colocado a Ciência e Tecnologia como pauta secundária. Mas o conhecimento científico está aí para melhorar a saúde, a educação e também para transformar positivamente e oferecer soluções inteligentes para o mundo dos negócios”
Inácio Arruda, secretário da Secitece
Mauro Oliveira, pesquisador do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e CEO do Iracema Digital, acredita que é importante observar essa transformação digital com atenção e cautela, principalmente por conta da velocidade acelerada do processo.
“Nós estamos vivendo em um mundo em que, em qualquer área que você entrar, está acontecendo a transformação digital. E um aspecto diz respeito à questão de não se saber realmente o que vai acontecer nos próximos anos”
Mauro Oliveira, CEO do Iracema Digital
Ele cita como exemplo o mercado financeiro, com o fenômeno da tecnologia blockchain que dá suporte às criptomoedas, como o Bitcoin. Mauro explica que a adesão de multinacionais a esse sistema seria capaz de quebrar o dólar, ocorrendo uma mudança de paradigma muito forte. Outro fator apontado por ele é a desigualdade social do Brasil, que pode sofrer maiores impactos, principalmente para as próximas gerações. Com a mudança de hábitos provocada pelo mundo digital, os jovens podem estar cada vez mais vulneráveis a uma percepção de realidade distorcida. “A arte está cada vez menos valorizada. O imediatismo que o digital tem produzido faz jovens trocarem a leitura de um livro por um vídeo de 10 minutos contando o resumo dele”, exemplifica.
“E ainda tem a ameaça da Inteligência Artificial. A Inteligência Artificial consegue fazer o que o homem é capaz de fazer. Existem computadores cada vez mais competentes para substituir o homem. Evidentemente que esse processo não é de uma hora pra outra. Mas o meu receio é que a velocidade com que essa transformação digital está acontecendo poderá causar tanto desemprego”, comenta Mauro Oliveira.
Ele não descarta os benefícios trazidos pelo mundo digital, como a possibilidade de comunicação a distância e troca de experiências, mas frisa que é importante não confundir essas vantagens camuflando questões que trazem desvantagens com a modernização, como o desemprego e o prejuízo das relações sociais. Mauro traz ainda uma reflexão sobre os riscos da transferência de decisão para um sistema de dados. “Quando você usa um aplicativo de deslocamento, transfere sua autoridade para alguém que indica o caminho a ser seguido. Existe esse sistema de dados que diz o melhor caminho, que esse tipo de comportamento é o melhor. Você está transferindo a sua vida para as máquinas decidirem. E isso faz com que você mude completamente a rota. É preciso estar atento a esses processos”, finaliza.