A meliponicultura tem história no Ceará. A atividade, tradicional de povos indígenas, envolve a criação das abelhas sem ferrão. Hiara Marques Meneses é mestre e doutoranda em Zootecnia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e, atualmente, é também presidente da Associação Cearense de Meliponicultores (Acmel) e vice-presidente da Câmara Temática do Mel do Estado do Ceará (CT Mel). Ela comenta que, além de ser importante na parte econômica e produtiva, pela obtenção de renda das famílias criadoras, a meliponicultura também se destaca na questão cultural e social pela inclusão de gêneros que a prática traz.
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“Alguns trabalhos já mostraram a importância dessa atividade para a inclusão da mulher nas atividades no campo, por exemplo. Além do ponto de vista ambiental também. Geralmente, quando a gente fala de criação de abelha nativa, pensamos logo na questão ambiental, o quão bem elas vão fazer para o meio ambiente. Porque, além de preservar as espécies propriamente das abelhas, quando você cria essas abelhas acaba preservando outros bichos, preserva a flora do local”
Hiara Marques Meneses, presidente da Acmel
De acordo com o Hiara, os produtores da agricultura familiar são o perfil principal encontrado nos criadores de abelhas sem ferrão. “Até poucos anos atrás, esse era o principal grupo, com a atividade sendo passada de pai para filho como uma questão cultural e para a complementação de renda. Hoje, nós temos um segundo grupo que está emergindo muito forte dentro da meliponicultura, que são os criadores por hobby dentro da área urbana”, avalia.
Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos da Secretaria Executiva do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), também reforça a ideia que a atividade, muitas vezes, é tida como um hobby.
“Um hobby que pode gerar dinheiro na venda de colmeia, na venda de mel, na venda dos produtos da abelha sem ferrão”
Erildo Pontes, coordenador de Recursos Hídricos da Sedet
“O mel de algumas dessas abelhas tem o preço diferenciado. Quem é do sertão quase sempre procurou, até como remédio, o mel da abelha jandaíra. Então, quando você compra um litro de mel da abelha italiana, que é a que tem ferrão, por R$ 15, R$ 20, dependendo de onde você está comprando, o da jandaíra pode ir passando de R$ 100”, comenta Erildo.
Preservação da memória
O Ecomuseu de Pacoti fica na Serra de Baturité e é uma instituição sem fins lucrativos, de caráter cultural, fundada em 2016, fruto de um trabalho de braço comunitário. O grande objetivo do local é reconhecer as riquezas presentes na região, tanto no aspecto do patrimônio cultural e histórico, como também no aspecto natural e ambiental.
“Desde então, quando começamos a fazer trabalhos juntos com a comunidade, de reconhecimento de inventário desse patrimônio do território, a gente percebeu que uma das tradições muito fortes daqui na Região do Maciço é a meliponicultura”.
Levi Jucá, professor, pesquisador e coordenador do Ecomuseu de Pacoti
Segundo ele, a atividade não se dá de forma organizada enquanto cadeia produtiva, mas de modo ainda bastante tradicional, onde muitas pessoas, principalmente agricultores e idosos, ainda mantém em suas casas colônias de abelhas nativas. “Foi algo que foi sendo percebido ao longo do processo de reconhecimento do inventário desse nosso patrimônio aqui na região”, ele aponta.
Conforme Jucá, a partir do interesse nessa tradição, entrou em questão como era possível fortalecer essas pessoas “no sentido de promover o intercâmbio entre eles, que são criadores tradicionais da região, e os cientistas, os pesquisadores das universidades, que têm envolvido aí bastante coisa nesse campo para melhor aumentar a produtividade, tanto do mel, que é um dos principais produtos das abelhas, quanto orientá-los de uma forma que eles pudessem também se animar ou aumentar essa produção em casa mesmo, nas suas propriedades”.
Foi assim que nasceu o Seminário de Meliponicultura do Maciço de Baturité, que conta com a segunda edição este ano, nos próximos dias 20, 21 e 22 de maio. Quem tiver interesse em participar, inclusive, pode acompanhar as novidades sobre o evento nas redes sociais do Ecomuseu de Pacoti.
Perspectivas para a meliponicultura
Segundo Aurigele Alves, diretora de programas da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), o Ceará lidera na produção de mel do Nordeste e também ocupa a 6ª posição a nível de País na exportação do mel das abelhas com ferrão. “Em termos de atividade da meliponicultura, o Estado do Ceará está um pouco atrás de outros estados que já têm uma regulamentação, uma atividade mais organizada, bem estruturada, com investimento mais significativo”, comenta.
Mas ela também aponta o significativo avanço no que tange à articulação parlamentar para somar forças, junto aos grupos que vão dos meliponicultores aos acadêmicos, e propor uma regulamentação da atividade no Ceará. “Hoje já tramita na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 342, de 2019, de autoria do deputado Nezinho Farias, que trata exatamente da regulamentação da criação, do manejo, do comércio e do transporte das abelhas sem ferrão”, afirma.
A Adel, inclusive, soma-se ao grupo na discussão dessas atividades e organização das cadeias produtivas, pois entende que elas são importantes para o Estado.
“O Ceará representa uma peculiaridade nessa atividade por ter uma diversidade climática, onde nós temos serras, litoral, sertão, e essa atividade se comporta de maneira diferente em cada um desses lugares”
Aurigele Alves, diretora de programas da Adel
Outro fator importante, gerado inclusive a partir da normatização assegurada por essa lei, é a percepção do maior desenvolvimento de uma meliponicultura possível de ser executada com maior proximidade ou semelhança à apicultura. “A partir disso, a gente percebe que os meliponicultores terão condições de fazer investimentos mais planejados, mais organizados. E, assim, a gente poderá conseguir dar uma escala maior na produção de mel de abelhas sem ferrão no nosso Estado”, finaliza.
Hiara Marques Meneses também comenta a importância da regulamentação da atividade. “A gente vai conseguir cadastrar os produtores, fazer um acompanhamento técnico por meio de alguns órgãos que fazem isso na produção agrícola, ter o controle de qualidade desses produtos, regulamentar e fiscalizar esses produtos”, lista os benefícios.
“Assim como temos para o mel as abelhas com ferrão, é provável que nos próximos anos a gente consiga toda essa regulamentação para os produtos das abelhas sem ferrão. Isso é uma coisa que temos visto, nos últimos dois ou três anos, que tem incentivado muito o desenvolvimento da atividade”, analisa Hiara sobre os criadores do grupo de hobby e daqueles para renda complementar que passam para o grupo dos profissionais. “São incentivados por essa perspectiva de regulamentação de atividade em breve”, ela conclui.