A grande parte dos alimentos produzidos e consumidos no Brasil vêm da agricultura familiar, entretanto a desigualdade e a pobreza ainda são realidade no campo. Dados do último Censo Agropecuário mostram que 77% dos estabelecimentos agropecuários do país são da agricultura familiar e que eles empregam cerca de 67% do total de pessoas ocupadas no setor.
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“Mesmo distante dos olhos, cerca de 70% dos alimentos consumidos no Brasil são produzidos pelo homem e mulher do campo. E a última pesquisa do Governo Federal comprova que, se o Brasil contasse apenas com a produção da agricultura familiar, seríamos o oitavo produtor de alimentos do mundo, com um faturamento de US$ 55,2 bilhões por ano. Hoje, ocupamos a quinta posição do planeta contando com a contribuição do agronegócio”.
Francisco de Assis Diniz, secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará
Eugênio Peixoto, secretário técnico da Câmara Temática da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste, afirma que a causa da desigualdade e da pobreza é o atual modelo de negócio, principalmente na área de alimentos.
“Temos um problema sério: de um lado, temos uma estrutura montada para a exportação de grãos, com escoamento para a Europa e para a China, e, de outro, grandes redes que monopolizam a comercialização de alimentos no Brasil e pautam até o consumo. Temos cooperativas produzindo milho, feijão, arroz, castanha, café, chocolate, mas elas não têm mecanismos de escoamento e as grandes cadeias preferem manter os oligopólios de integração entre grandes redes e os grandes produtores”, avalia.
De acordo com ele, a melhor forma de distribuir renda e produzir alimentos saudáveis é investir no fortalecimento e na expansão da agricultura familiar, além de permitir acesso à terra.
“O agricultor familiar é, antes de tudo, especializado na produção de alimentos e é preciso favorecer o processo de organização, de constituição de cooperativas e programas de crédito para a agricultura familiar. Aqui no Nordeste, por exemplo, a maioria das cooperativas não têm acesso a crédito. A gente precisa viabilizar crédito, garantir assistência técnica para melhorar produtividade e garantir a transição agroecológica para a produção de alimentos saudáveis”.
Eugênio Peixoto, secretário técnico da Câmara Temática da Agricultura Familiar do Consórcio Nordeste
O superintendente do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado do Ceará (Sebrae-CE), Joaquim Cartaxo, destaca que a criação de pequenas agroindústrias, que possibilitam o beneficiamento dos produtos e, consequentemente, agregam um maior valor à produção, e o uso da tecnologia a serviço da comercialização são importantes aliados dos produtores.
“Hoje, muitos consumidores já compram legumes e verduras, por exemplo, por meio de redes sociais ou pelo WhatsApp. Um bom exemplo disso é o projeto Do Chão Maciço, que reúne 120 produtores da Rede de Agricultores Familiares do Maciço de Baturité. A partir de uma ação do escritório do Sebrae na região, estes produtores passaram a comercializar produtos como frutas, verduras, legumes, frangos e ovos caipira, café de sombra, queijo, doces e bolos de frutas locais por meio de um site e também pelo WhatsApp. Os clientes entram em contato, escolhem os produtos e eles entregam na região do Maciço e em alguns bairros de Fortaleza”.
Joaquim Cartaxo, superintendente do Sebrae-CE
Novos negócios
A Cooperativa de Jovens Empreendedores Rurais Caroá também faz parte da nova geração de negócios do campo. Ancorados na comunicação por meio da internet, produzem em diferentes municípios do Ceará, como São Gonçalo do Amarante, Pentecoste, Pindoretama, São Luís do Curu, Trairi, Paracuru e Guaraciaba do Norte. Atualmente a cooperativa comercializa 138 produtos agroecológicos e orgânicos principalmente para Fortaleza e Região Metropolitana, incluindo a Companhia Siderúrgica do Pecém.
A Cooperativa Caroá, que hoje conta com 27 pessoas, começou a nascer em 2014 quando os fundadores fizeram um curso da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel). “Fizemos o curso e um plano de negócio. A gente já discutia a comercialização, mas escoava para atravessador e o ganho era muito pouco. A gente mentalizou a cooperativa sem ter ideia de como funcionava, mas fizemos capacitações e fundamos a cooperativa em 2017. Em 2018, começamos a comercializar para restaurantes, indústria, governos e consumidor final”, conta Vítor Vasconcelos, de 32 anos.
Apesar das dificuldades, que incluem a logística de transportar produtos em várias regiões do Estado, ele diz que o maior desafio hoje é conseguir produtos diversificados e orgânicos porque a demanda existe e é crescente.
“A maioria dos jovens pensava em conseguir emprego nas cidades e os pais não acreditavam mais no campo. A gente chegou para mudar essa realidade. É a solução para reduzir desigualdades. Alguns jovens se arrependeram e já voltaram. A valorização do campo para o jovem está sendo bem positiva e tem criado um impacto positivo no entorno de onde eles vivem”.
Vítor Vasconcelos, agricultor e membro da Cooperativa Caroá
Eugênio Peixoto também destaca iniciativas de outros estados do Nordeste. “A partir de iniciativa da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte estamos construindo o sistema de informação regional da agricultura familiar, que vai permitir mapear onde está a produção. Tem a experiência da Bahia, do projeto Bahia Produtiva, que está fazendo um processo de fortalecimento das cooperativas. Já o Maranhão tem um projeto de assistência técnica com os indígenas”.
No Ceará, ele destaca os trabalhos com reuso de água para a produção e o financiamento de empreendimentos com recursos do Projeto São José, que, de acordo com o secretário do Desenvolvimento Agrário do Ceará, contará com investimento de U$S 150 milhões nos próximos cinco anos.