Já que atualmente a maior carga de impostos incide sobre o consumo, a eliminação da burocracia e promoção da justiça social por uma reforma tributária ampla impactaria a enorme faixa dos brasileiros menos favorecidos. (Foto: Freepik)

Reforma tributária: quais impactos da redução de tributos sobre consumo

Por: Gladis Berlato | Em:
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As manifestações sobre reforma tributária estarão em discussão no evento Grandes Debates, da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), nesta quinta-feira (27), às 21h, em busca de respostas para os questionamentos envolvendo os cidadãos, as empresas e os Estados e municípios. O debate será transmitido ao vivo pela TV Assembleia, Rádio FM Assembleia e redes sociais da AL-CE e também no site da TrendsCE. Participarão o deputado Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa do Ceará; Mauro Filho, secretário de Planejamento e Gestão, e senador Roberto Rocha, presidente da Comissão Mista no Congresso Nacional.

A coordenadora do evento e secretária executiva do Conselho de Altos Estudos e Assuntos Estratégicos da Assembleia Legislativa do Ceará, Luiza Perdigão, diz que o tema reforma tributária, que tramita em diferentes projetos, deve ser desvendado perante a sociedade, já que impacta diferentemente em cada grupo de cidadãos. “Esta caixa precisa ser aberta a todos”, enfatiza.


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Estudos do Instituto Brasileiro de PlanejamentoTributário (IBPT) mostram que no Brasil existem mais de 63 tributos, 3.790 normas e 97 obrigações acessórias, o que exige pesadas e onerosas estruturas nas empresas para evitarem o risco de multas por erros nos cálculos. Por si, o fato já justificaria a urgência de uma reforma tributária que elimine a burocracia e promova a justiça social já que atualmente a maior carga de impostos incide sobre o consumo, impactando a enorme faixa dos brasileiros menos favorecidos. Por conta disto, as propostas em andamento são avaliadas e discutidas pelas corporações e setor público.

No Brasil, as empresas consomem 1.958 horas para pagamento de seus impostos. Nos demais países, a média é de 206 horas.

Fonte: Câmara dos Deputados

O Brasil precisa de uma reforma tributária ampla que reduza a desigualdade social e que consiga colocar o País em uma situação favorável para atrair investimentos. Este é o pensamento da secretária da Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba, para quem a pandemia tornou evidente os problemas gravíssimos de uma parcela da população que vive abaixo da linha da pobreza e que, contraditória e proporcionalmente, é a mais tributada. “Há um enorme desnivelamento entre as classes sociais no tocante à tributação sobre a renda”, comenta ela, ao assumir que “somos ineficientes em prover uma tributação sobre grandes fortunas e a subtributação sobre patrimônio dentro de um sistema arquitetado para favorecer os mais ricos”. Diante desta realidade, a secretária entende que qualquer outro modelo de reforma que não ataque esta distorção deve ser repudiado.

O posicionamento da secretária está na linha de defesa do Conselho de secretários da Fazenda. Divergências à parte, a grande maioria das propostas de reforma fiscal que tramita no Congresso Nacional defende a simplificação com redução de burocracia, padronização, unificação de base de incidência, não cumulatividade, adoção do  princípio de destino, combate à sonegação e corrupção, redução da regressividade e fim da guerra fiscal.

Para os secretários de Fazenda em sua defesa de uma reforma ampla e não fatiada como sinalizado, é que apenas por este caminho será possível “simplificar o sistema tributário, reduzir o contencioso tributário e melhorar o ambiente de negócios, contribuindo para a atração de investimentos e para o crescimento do país”.

O fato é que os modelos de reforma tributária em discussão não são confortáveis porque têm algo em comum: não se cogita perda de arrecadação para União, Estados e municípios pela simples razão de que nenhum está em condições de abrir mão de receita, especialmente o governo federal, diante do endividamento decorrente das medidas de combate à Covid-19.

“Os projetos em pauta convergem para uma reformulação do pacto federativo, aceitando a manutenção da carga tributária. A população também não aceita pagar mais tributos, de forma a melhor a performance do sistema, seja pela criação de um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que congregue todos os tributos sobre o consumo, seja por meio da reformulação da tributação sobre renda e patrimônio”.

Fernanda Pacobahyba, secretária da Fazenda do Ceará

A seu ver, a reforma aprovada terá que passar pela redução da carga incidente sobre consumo e, assim, promover a diminuição da desigualdade. E lembra que esta fórmula se mostrou acertada agora mesmo em plena pandemia quando o Brasil alcançou índices de crescimento bem melhores a partir do momento em que a população teve acesso à renda e pôde consumir. “Temos a quinta população do planeta e isso deve ser levado em consideração quando se fala em estratégia de desenvolvimento nacional”, ilustra a secretária, complementando que junto com o consumo se cria, também, ambiente mais favorável aos negócios.

Perpetuar desigualdades

O secretário de Planejamento e Gestão do Ceará, Mauro Benevides Filho, é ainda mais cético com a aprovação de uma reforma que traga algum avanço para o Brasil e sua alta e distorcida carga tributária. Atualmente, 70% da arrecadação entra na conta direta da União restando pouca ou nenhuma margem para Estados e Municípios. Isto significa que nem com pacto federativo a situação tende a se equilibrar. “A reforma em curso, fatiada ou não, está centrada exclusivamente no consumo, o que é injusto”, concorda ele.

Basta saber que os R$ 2,1 trilhões totais arrecadados pelas três esferas de governo incidem sobre o consumo. “Convém lembrar que as classes menos favorecidas usam quase a totalidade de sua renda em comida, roupas e transporte e que, portanto, serão as maiores prejudicadas”, ilustra dizendo que este tipo de política explica o fato de o Brasil estar entre os maiores concentradores de renda no mundo. Não fosse assim, como explicar que proprietários de carros paguem IPVA e os donos de helicópteros e barcos não? As distorções chegam ao queijo suíço também isento de Programa Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), da mesma forma que o filé mignon e o salmão. Este, inclusive, integra a cesta básica.

“Como estão, as propostas de reforma – que não devem ser aprovadas – só vão contribuir para perpetuar as desigualdades no Brasil e não trarão nenhum benefício para o desenvolvimento do País, dos Estados ou dos municípios”.

Mauro Filho, secretário do Planejamento e Gestão do Ceará

Para ele, ao criar o Imposto de Bens e Serviços (junção do PIS/Cofins), o governo Bolsonaro nada mais fará do que sobrecarregar e até inviabilizar o setor de serviços que por não ter insumos para abater, diferentemente da indústria, será onerado com uma tarifa de 12%. É justamente o segmento de serviços com maior potencial de crescimento, como ficou evidente nesta pandemia, bastando olhar o movimento que já está acontecendo no mercado com as novas tecnologias.  

Tributar renda e patrimônio

O presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, deputado Evandro Leitão, comunga de igual pensamento. E defende a necessidade de colocar a reforma tributária como uma das prioridades, tributando renda e patrimônio, ao invés de consumo, para reduzir as desigualdades não só sociais, como também regionais. “Precisamos de uma análise mais aprofundada sobre privilégios do sistema financeiro e de produtos de luxo, em que alguns recebem isenções tributárias, enquanto ainda há tributos incidentes nos alimentos da cesta básica”, diz ele.

A seu ver, o debate em torno do tema que mexe com todas as classes sociais precisa ser aprofundado para proteger as classes menos favorecidas sem “quebrar” o setor produtivo, ainda mais neste momento crítico. E se não der para chegar ao ideal, ele defende que, pelo menos, se chegue a um consenso de mudança que recolha o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no destino e que não foque apenas no consumo. “Com um mercado consumidor interno forte, podemos ter mais solidez na economia, fazendo dinheiro e produção circularem e, consequentemente, dando base para manutenção e criação de empregos”, completa o presidente.

Apesar de discordar da essência, o deputado Evandro Leitão destaca como positiva a simplificação na tributação, com a substituição de cinco tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), embora até agora tenha-se avançado apenas com tributos federais, defendemos a inclusão do ICMS e do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

“A relatoria destaca como um imposto sobre valor agregado amplo para modernizar e simplificar o sistema tributário, dar mais transparência sobre os impostos cobrados, acabar com a guerra fiscal e garantir a receita necessária ao desempenho de todas as instâncias de poder. Então, precisamos estar atentos aos movimentos das mudanças em âmbito nacional e analisar como essas transformações podem afetar o Ceará. O Estado tem feito o trabalho necessário para promover o desenvolvimento socioeconômico no longo prazo, o que pode amenizar possíveis impactos negativos, pois a reforma como está posta hoje levará a uma mudança total do ambiente de negócios”.

Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará

Outro aspecto positivo destacado por ele é o fato de que todos os estados que são consumidores, como é o caso do Ceará, teoricamente, terão um acréscimo de receita com a cobrança do ICMS no destino. Mas é preciso analisar a fundo, com a Emenda 45, que diz que quem vai compensar a perda dos estados que vão perder são os estados que vão ganhar. Além disso, a proposta acaba com o incentivo fiscal, que tem sido utilizado há décadas para manter a competitividade dessas empresas que hoje estão no Ceará. “O incentivo fiscal é uma maneira de dar igualdade de condições no processo de produção e, se realmente for extinto, pode gerar uma concentração ainda maior no Sudeste”, exemplifica.

Enquanto isso, ele faz questão de destacar que o Ceará está fazendo seu papel, buscando a qualidade da educação, investimentos em áreas estratégicas e mantendo o equilíbrio fiscal, além de ser o estado que mais investe. “Buscamos o caminho para o desenvolvimento sustentável e nos preparamos para o enfrentamento de possíveis situações adversas”, conclui.

O senador Roberto Rocha, presidente da Comissão Lista no Congresso Nacional que debate as mudanças considera viável avançar numa reforma que classifica como robusta por meio de fases bem planejadas e conectadas entre si. “Novas rodadas de diálogo já estão ocorrendo de forma construtiva”, garante ele, que defende a necessidade de uma reforma que proporcione modernização, simplificação, eficiência e transparência no sistema tributário nacional. O senador concorda que a grande dificuldade é conciliar os interesses de todos os segmentos e dos governos.

“Nos últimos dois anos foi possível amadurecer o debate e buscar convergências”.

Roberto Rocha, presidente da Comissão Mista no Congresso Nacional

Ele defende que o relatório apresentado no âmbito da Comissão Mista da Reforma Tributária é prova disso, tendo buscado maior aproximação da União com  setores estratégicos como agronegócio, educação, saúde e transportes.

Opinião

A reforma necessária passa pela revisão do pacto federativo, o que exige consenso sobre uma nova forma de tributação, que é o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), centralizado, simplificado e incidente sobre o lucro, mais correto e justo.  Mas nem Estados, nem municípios e muito menos a União abrem mão de receita e, também, do poder de gestão sobre os respectivos impostos. Diante deste quadro, não vejo chance de se efetivar uma reforma tão cedo por conta de corporativos, interesses políticos, lobbies e perda de poder. A reforma possível é o IBS, unificação do PIS/Cofins, com efetivo aumento de tributação, especialmente na área de serviços, intensiva em mão de obra e, portanto, sem créditos a deduzir”. – Evanir Aguiar, tributarista e diretor da Fortus Contábil.

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