Em dez anos, a indústria brasileira ficou menos concentrada nos estados do Sudeste e ganhou força em outras regiões do país, com destaque para o Sul e o Nordeste. É o que aponta estudo divulgado, em maio deste ano, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018, enquanto o Sudeste registrou queda de 7,66% de participação sobre a produção industrial do país, o Sul e o Nordeste avançaram, respectivamente, 2,46% e 2,06%. O movimento reflete a mudança nos quatro segmentos industriais – Extrativa, Transformação, Construção e Serviços Industriais de Utilidade Pública -, mas, principalmente, na Indústria de Transformação, segmento que responde por 57% da produção nacional total.
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Neste cenário, a migração da produção industrial de São Paulo (2,88 pontos percentuais de queda) e Rio de Janeiro (recuo de 4,44 pontos percentuais) para outras regiões beneficiou, no caso do Nordeste, principalmente, Bahia e Pernambuco. No entanto, embora em menor escala, esse movimento também favoreceu o Ceará, que melhorou sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) do setor no período analisado.
Segundo o estudo da CNI, entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018, a participação da indústria cearense na produção nacional saiu de 1,55% para 1,87% – uma variação de 0,32 ponto percentual -, com o Estado mantendo a 13ª colocação no ranking nacional.
Para o economista Lauro Chaves Neto, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e PhD em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, esse processo de desconcentração da indústria é um dos eixos da política que deveria ser prioridade no Brasil para a redução das desigualdades territoriais e sociais.
“Temos muitas vantagens competitivas na região Nordeste, e no Estado do Ceará especificamente, que precisam ser exploradas para acelerar ainda mais essa tendência de desconcentração do setor, porque, hoje, nós ainda temos quatro estados que representam mais de 50% do PIB industrial do país. Então, a sinalização desse movimento de desconcentração é muito importante para o Ceará e para a região. Porém, ela é só o início de um processo que precisa ser mais aprofundado”.
Lauro Chaves Neto, economista e PhD em Desenvolvimento Regional
Em termos de Nordeste, a secretária executiva da Indústria da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), Roseane Medeiros, defende que a migração da indústria para a região tem como consequências importantes o crescimento nos indicadores de emprego e renda de maior qualidade, assim como “não deixa de indicar acertos nas últimas décadas em diversas políticas de incentivos”.
“Em relação ao Estado do Ceará, estes efeitos de desconcentração são importantes em especial pelos grandes investimentos estruturantes das últimas quatro décadas, como exemplo maior o Complexo Portuário e Industrial do Pecém, que tem agregado a principal Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do país, fundamental para atração de indústrias estruturantes, como a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), um dos maiores investimentos siderúrgicos das últimas décadas no Brasil e com efeito alavancador para fechar toda uma cadeia do segmento siderúrgico e metalúrgico e um importante polo exportador para o Estado”, expõe.
Segundo o estudo da CNI, entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018, na Indústria de Transformação, a participação do Ceará saiu de 1,52% para 1,64% – 0,12 ponto percentual de aumento, o décimo melhor crescimento registrado entre os estados -, fazendo com que o Ceará saísse de 12º para 11º na participação do segmento.
Na Indústria da Construção, no intervalo de tempo analisado, a participação do Ceará foi de 2,24% para 2,55%. Isto representa um acréscimo de 0,31 ponto percentual, a nona maior variação registrada no país, o que coloca o Estado em 11º no ranking nacional – antes era 12º.
Já no segmento de Serviços Industriais de Utilidade Pública, o Estado registrou um acréscimo de 1,10 ponto percentual na participação nacional, a sétima maior variação registrada entre as unidades da federação. Entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018, o Ceará saiu de 14º colocado no ranking nacional para 10º lugar. Antes, a participação era de 1,97% e, dez anos depois, é de 3,07%. A saber, são exemplos desse segmento industrial os subsetores de limpeza urbana e esgoto, bem como eletricidade e água, segundo classificação do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com os especialistas, investimentos nestas áreas são de grande importância, pois como aplicação de recursos em infraestrutura, participam efetivamente do desenvolvimento adequado dos negócios das demais empresas instaladas. Além disso, seu grau de atuação promove a atração de novas empresas e investimentos à região.
Dos quatro segmentos industriais, apenas o de Extração não foi bem-sucedido no Ceará no período analisado pela CNI. Entre os biênios 2007/2008 e 2017/2018, a Indústria Extrativa cearense recuou 0,14 ponto percentual na participação nacional, caindo de 13º no ranking do país para 14º. Antes, a participação do Estado no PIB do segmento era de 0,45% passando, agora, para 0,31%.
Na avaliação de Lauro Neto, vale destacar que o processo de industrialização no Ceará ganhou novos contornos, principalmente, a partir da década de 1980, quando começou a ser criada uma rede de infraestrutura importante para o setor. “Tratamos da questão hídrica, foram construídos um novo porto e um novo aeroporto. Enfim, se conseguiu potencializar vantagens para que novos negócios fossem atraídos para o Estado”, fala.
Roseane Medeiros destaca que o processo de crescimento do PIB cearense nas últimas décadas teve como foco tanto setores tradicionais da sua indústria, como têxtil, calçados e construção civil, assim como setores mais modernos e com forte poder alavancador, como o caso das cadeias de energias renováveis (solar e eólica). Ela ainda ressalta que o Ceará tem sido um dos principais geradores destes tipos de energia e com potencial para novos empreendimentos, como no caso da atração de uma mega planta de produção de hidrogênio para exportação, representando importante estratégia do Estado dentro da proposta ESG de sustentabilidade.
“Hoje, o Ceará também é destaque como o principal hub de conexão de dados com o exterior, observando-se, atualmente, entrada de quatorze cabos submarinos de transporte de dados, tornando Fortaleza a cidade mais conectada do hemisfério Sul, indicando forte potencial para atração de empreendimentos ligados à área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), fundamental para atração de indústrias 4.0 e empresas globais da área de e-commerce”.
Roseane Medeiros, secretária executiva da Sedet
Entretanto, ressalva Lauro Neto, ainda há muito o que avançar a fim de transpor um “eterno gargalo” do Estado: “temos 4,3% da população brasileira e apenas 2% do PIB nacional. Então ainda precisamos de novos horizontes, negócios e estratégias a fim de tirar esse atraso e alcançar a média nacional na mesma proporção”.
O economista avalia que o cenário para a indústria cearense para os próximos anos e décadas é animador. “Em primeiro lugar, devemos reforçar a liderança institucional e política da Federação das indústrias do Ceará (Fiec), que tem mobilizado todo o setor produtivo em busca de mais inovação, internacionalização e associativismo e isso tem feito toda a diferença na mudança do perfil de desenvolvimento industrial cearense”, afirma.
Além do que, acrescenta Roseane Medeiros, um aspecto importante diz respeito à reestruturação e modernização das várias instituições e o apoio às empresas que buscam se instalar no Estado. “Nesse sentido, temos o processo de digitalização de informações em relação ao FDI (Fundo de Desenvolvimento Industrial), a integração de todos os órgãos subordinados à Sedet em uma visão focada nas ações estratégicas de desenvolvimento e os trabalhos de monitoramento de novos negócios dentro da lógica da Indústria 4.0, tecnologias inovadoras, tanto do ponto de vista da indústria e dos serviços modernos como também de captação de novas fontes de financiamentos no mercado privado nacional e internacional”, conclui.
Conforme o estudo da CNI, os estados nordestinos que mais ganharam importância para a produção da Indústria de Transformação no Brasil, entre os biênios 2007/08 e 2017/18, foram Bahia e Pernambuco.
A Bahia registrou o maior ganho não só no Nordeste como no país, em pontos percentuais, na participação no PIB da Indústria de Transformação (+1,45 ponto percentual). Entre os biênios 2007/08 e 2017/18, a participação da Indústria de Transformação baiana cresceu de 2,60% para 4,05%, saindo da 8ª para a 7ª colocação no ranking nacional. De acordo com a CNI, esse ganho está associado principalmente à conquista de maior parcela da produção brasileira de máquinas e materiais elétricos; borracha e material plástico; bebidas e produtos de minerais não metálicos (como cimento, tijolos, vidro, etc.).
O segundo maior ganho em pontos percentuais na Indústria de Transformação coube a Pernambuco (+1,30 ponto percentual), o que levou sua participação na produção da Indústria de Transformação nacional de 1,54% a 2,84%, estando, agora em 9º lugar no ranking nacional. Para a CNI, o estado conquistou uma parcela maior da produção brasileira dos setores de veículos automotores; outros equipamentos de transporte; derivados do petróleo e biocombustíveis; assim como em produtos de metal.
Entretanto, embora Bahia e Pernambuco tenham se destacado com avanços expressivos na Indústria de Transformação, acabaram registrando queda em outros segmentos industriais. O primeiro estado teve recuo de 1,88 ponto percentual na Indústria Extrativa, de 0,07 ponto percentual na Construção e de 0,80 ponto percentual no segmento de Serviços Industriais de Utilidade Pública.
Já Pernambuco contabilizou um recuo de 0,39 ponto percentual na Indústria da Construção, apesar de ter anotado crescimento de 0,08 ponto percentual na Indústria Extrativa e de 1,57 ponto percentual em Serviços Industriais de Utilidade Pública.
Considerando o setor industrial como um todo, a Bahia avançou 0,68 ponto percentual na participação nacional – a 6ª maior variação no ranking -, e Pernambuco cresceu 0,98 ponto percentual – o 4º melhor crescimento no período em estudo.