Desde janeiro, já está em vigor a nova Lei de Recuperação Judicial, sancionada ao apagar das luzes de 2020, e que traz importantes alterações enquanto medida eficaz para proteção e reestruturação financeira de empresas em crise, possibilitando novos prazos de pagamento e negociações com credores. Segundo os primeiros resultados divulgados pela Serasa Experian, maior referência de análises e informações para decisões de crédito e apoio a negócios, de janeiro a abril de 2021 foram registrados 279 requerimentos de recuperação judicial no país. Embora o número seja 26% inferior ao contabilizado em igual período do ano anterior (337 pedidos), a expectativa é de que com reaquecimento gradual do mercado e a diminuição dos incentivos governamentais lançados durante à pandemia, os pedidos aumentem.
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Do total de solicitações anotadas no primeiro quadrimestre do ano, as micros e pequenas empresas (MPEs) representam quase 75% dos requerimentos (205) quando considerado o porte das organizações. Olhando por setor, os serviços, por sua vez, lideram com 135 solicitações ou quase a metade do número de requerimentos de recuperação judicial registrados no período.
A explicação, segundo os economistas da Serasa Experian, se deve à maior fragilidade do setor de serviços diante do isolamento social imposto no combate à covid-19. “Afinal, boa parte dos negócios dependem do atendimento a vários consumidores ao mesmo tempo, como bares, restaurantes, turismo, cinemas e teatros e suas operações foram seriamente impactadas e, com isso, muitos optaram pela recuperação judicial para evitar encerrar as atividades”.
Quando é hora de entrar com um pedido de recuperação judicial
Para o presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Matias Coelho, “toda empresa que possui um passivo (despesas e obrigações) que a curto e médio prazo não seja possível quitar, estando em estado de insolvência (gastos maiores do que a receita), deve avaliar a possibilidade de uma recuperação. Caso contrário, este passivo pode levar à falência”.
Essa avaliação, segundo o advogado Rafael Gazzineo, sócio da Área Cível do escritório Valença e Associados Advocacia e Consultoria, deve ser feita com cuidado. “O termômetro para essa avaliação é de uma sensibilidade ímpar, pois cada negócio tem uma particularidade e cada empresa tem seu momento. Assim como cada dívida tem uma modalidade diversa para pagamento, e compõe uma lista de prioridades que podem, ao final, sequer ser vantajosas ao negócio, além dos próprios custos da recuperação”, afirma.
De acordo com ele, por vezes o que aparenta ser uma solução imediata, talvez não se reflita em um cenário adequado. “Por isso, é imprescindível que, antes de ingressar com uma recuperação, seja feita uma avaliação profunda do negócio e do perfil das dívidas que o envolvem. Não é incomum que empresários perguntem sobre o instituto da recuperação e ao final seja constatado que essa não é a melhor alternativa para o momento. No entanto, costumamos ponderar que a ausência de crédito e um fluxo de caixa comprometido a um nível que possa paralisar o negócio ou mesmo colocar em risco a sua continuidade, é um grande indicador de que o momento é oportuno para se avaliar o manejo da recuperação judicial”, fala.
Ao mesmo tempo, afirma Gazzineo, a recuperação judicial não é um instituto que deve ser indiscriminadamente utilizado. Os riscos de uma convolação, ou seja, a rejeição da recuperação para o estado de falência devem ser atentamente avaliados, assim como a possibilidade da efetiva recuperação através do cumprimento do plano de recuperação.
“Costumo ponderar que o ingresso na recuperação judicial é simples e concede diversas vantagens à empresa, mas que a saída não é tão simples quanto foi o ingresso. As estatísticas mostram isso e denotam o principal ponto a ser avaliado para uma empresa em recuperação, que é a responsabilidade com a sua gestão”.
Rafael Gazzineo, sócio da Área Cível do Valença e Associados Advocacia e Consultoria
Por fim, acrescenta Coelho, da OAB-CE, as empresas que buscam recuperação possuem, em regra, um passivo tributário significativo. “Como estes créditos são extraconcursais, não se submetendo à recuperação, é necessário verificar este ponto antes de entrar com o pedido”, aponta.
Mitos em relação à recuperação judicial
Quando se fala em recuperação judicial ainda há mitos e preconceito em relação à questão. Porém, destaca o presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da OAB-CE, é importante ficar claro que recuperação é diferente de falência.
“Na falência, o final é a extinção da empresa. Na recuperação, a empresa continua a operar e a buscar o parcelamento dos seus débitos, em um plano que será submetido à assembleia de credores. Atualmente, acredito que as empresas sempre estão dispostas a se manterem no mercado. Existem consequências negativas, mas os benefícios superam”.
Matias Coelho, presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da OAB-CE
“Desde o advento da antiga lei de recuperação Judicial, Lei 11.101 de 2005, alterada pela nova legislação, cada vez mais esse instrumento se mostra mais simpático ao mercado e despido de preconceitos”, opina o advogado Rafael Gazzineo.
Conforme o advogado, a antiga lei de concordata, que esteve em vigência até a entrada da Lei 11.101, sempre foi associada à efetiva falência das empresas, “uma vez que não tinha tanta eficácia quanto a legislação atual, e por vezes era equiparada a um calote legal”.
“Hoje temos grandes exemplos de empresas que se recuperaram com o auxílio da legislação de recuperação judicial e que servem de exemplo para que se compreenda que a nova lei, de fato, é um procedimento sério, que objetiva a recuperação e preservação da empresa, em nada corroborando com o que se chamava de calote legal”, conclui.
O que muda com a nova lei: benefícios para as empresas
Conforme Gazzineo, a nova legislação referente à recuperação judicial trouxe previsões que se mostraram relevantes e necessárias à preservação das empresas após o decurso de 15 anos de vigência da lei anterior, embora a forma de condução do processo não conte com mudanças procedimentais substanciais. “No entanto a nova lei corrigiu diversas incongruências relevantes e trouxe possibilidades importantes e que podem trazer melhor sorte ao recuperando e aos credores”, avalia.
“Citamos a título de exemplo dessas novidades a expressa previsão da suspensão dos arrestos, sequestros e buscas e apreensões de bens que teriam por origem débitos sujeitos à recuperação judicial. Além dessas suspensões, foi positivado, visando corrigir uma incongruência da legislação anterior, a suspensão das execuções envolvendo os sócios, quando esses figurarem como devedores solidários à recuperada nas execuções”, fala.
Ele acrescenta que nesse novo cenário também há a possibilidade de parcelamento alongado das dívidas tributárias, de garantir financiamento com propriedades do sócios e, em especial, a liberdade dos credores de apresentar o Plano de Recuperação Judicial, que foi o que “realmente teve de maior mudança”.
“Isso porque, a negociação de todos os pontos sugeridos pelos credores são relevantes para fazer aquele plano, de fato, ser aprovado em Assembleia, tornando mais fácil a aceitação como credor fornecedor, o que vem sendo buscado maciçamente nos processos. Nesse sentido temos uma busca real de encaixar a realidade de um plano que poderá ser recebido, aprovado e pago. Com isso, seria, dessa forma, alcançada a manutenção da empresa e de suas atividades, objetivo maior da legislação”, justifica Gazzineo.
Além de tudo isso, expõe ainda o advogado, “restou evidenciado pela nova legislação a possibilidade de alienação de estabelecimentos comerciais de forma integral, de modo a permitir uma maior eficácia na alienação de ativos pelo recuperando, assim como concede garantias de que o estabelecimento negociado não estará exposto à sucessão empresarial nesses casos, fomentando, assim, negociações dessa natureza e trazendo maior segurança ao adquirente do estabelecimento”.
Por outro lado, ressalva o especialista, embora as mudanças tenham sido interessantes e por mais que tenha sido estendido o parcelamento dos débitos tributários, “acredito que o legislador pecou ao não conceder maior valorização e intervenção da recuperação judicial quanto à questão do endividamento fiscal das empresas que se submetem a uma recuperação”.
Ganhos para a economia
Segundo Matias Coelho, que preside a Comissão Especial de Falências e Recuperação Judicial da OAB-CE, por evitar que as empresas sejam levadas à falência, a nova legislação se configura como um meio de preservar os empregos e manter a economia ativa.
Por enquanto, muitas empresas ainda estão aproveitando e sobrevivendo dos incentivos concedidos pelo governo para o combate aos efeitos da pandemia, “ainda que cada vez mais essas benesses se mostrem mais escassas e ineficientes”, expõe Gazzineo. “Mas esperamos que 2022 seja, de fato, o ano em que veremos maiores efeitos da nova legislação, ocasião em que deveremos observar um aumento muito relevante dos pedidos de recuperação judicial”, afirma.
Essa expectativa, justifica, “tem por fundamento a esperança de um reaquecimento gradual de mercado e que com isso o cenário seja mais favorável ao empreendedorismo, de modo que as empresas que sofreram no período da pandemia e que vislumbram uma possibilidade de recuperação passem a contar com o amparo e com as novas possibilidades trazidas pela nova lei, a fim de aproveitar esse momento de aquecimento e reordenar seu negócio para sanar suas dívidas e, com isso, voltar a crescer”.