No primeiro semestre de 2021, as importações cearenses somaram US$ 1,54 bilhão, quase 28% acima do registrado no mesmo período de 2020. Como resultado, a balança comercial do Estado (exportações menos importações) registrou saldo negativo, já que as compras externas excederam em US$ 468 milhões o que foi exportado. À primeira vista, este déficit pode representar algo desfavorável para a economia do Ceará. Mas não é bem assim. Segundo os especialistas em comércio exterior, é preciso interpretar a questão. Afinal, a depender do perfil dos produtos adquiridos lá fora, o déficit da balança comercial por ser bom ou ruim. E no caso do Ceará, ele se mostra benéfico.
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Com setores a exemplo de combustíveis e óleos minerais; máquinas, aparelhos e materiais elétricos; reatores e caldeiras; cereais; ferro fundido, ferro e aço puxando a pauta das importações do Estado, o que se observa, apontam os analistas, é a busca por inovação do parque industrial, assim como por insumos capazes de conferir maior capacidade e competitividade à indústria local.
Segundo Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN), ligado à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), embora os holofotes sempre se acendam sobre as exportações quando se fala em comércio exterior, “as importações também têm a sua importância. Estas não podem mais ser vistas como vilãs para a economia e no processo de internacionalização das empresas”.
“As importações se tornam fundamentais para se ter acesso a novas tecnologias. É importante modernizar o nosso parque industrial com máquinas e equipamentos de última geração, assim como matérias-primas de alta qualidade, tendo em vista a expectativa de ganhos expressivos de competividade lá fora. Precisamos ter esse olhar de como as importações podem beneficiar a economia do Ceará”
Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN)
Até porque, emenda, o governo estadual, em sua política de desenvolvimento e atração de investimentos, vem agregando novos setores econômicos, que, em sua maioria, dependem das compras internacionais para adquirir tecnologia e insumos ainda sem similares no país.
Redução de custos na pauta
Ao mesmo tempo, fala, a redução de custos é uma questão que mais do que nunca deve ser buscada no atual momento, não só da economia nacional como a nível global. “As empresas estão passando por um período de readequação com vistas à sua sobrevivência. Reduzir custos, mais do que nunca, é fundamental para a nossa indústria”, avalia a gestora do CIN.
Nesse sentido, Karina lembra que empresas que importam máquinas, equipamentos e insumos para utilização em seu processo produtivo, e que têm como foco o mercado internacional, podem se beneficiar de um regime aduaneiro especial, o que, por sua vez, reduz os custos de produção sobre os produtos exportáveis.
“Outro ponto importante é que na atual conjuntura, de dificuldades por conta da pandemia, quando nos vimos diante da escassez de algumas matérias-primas internamente, o que se observou foi que as empresas que não ficaram dependendo dos estoques e fornecedores nacionais não estagnaram a sua produção e tiveram uma recuperação mais rápida”, afirma.
Conforme disse, não se pode mais olhar a importação como um sinônimo de concorrência para a indústria nacional. “Essa visão mudou. Hoje, a importação tem papel relevante no cotidiano operacional das empresas. E nesse momento de fragilidade, o qual reduzir custos é necessário, a aquisição de produtos diretamente no mercado externo pode maximizar resultados e trazer um aumento de competitividade internacional. Principalmente tendo em vista que a nossa economia tem setores cada vez mais inseridos nas cadeias de valor globais”, expõe.
Porém, frisa Karina, ao decidir importar, os mesmos cuidados e a preparação necessários à exportação devem ser observados. “Empresas que buscam alternativas junto a fornecedores internacionais devem passar por um processo de planejamento, o que requer estudo e conhecimento da legislação”, destaca.
Importação consciente
De fato, corrobora Mônica Luz, assessora em Negócios Internacionais e Mestre em Administração e Comércio Exterior, na busca por produzir mais e melhor, a importação não pode mais ser deixada de lado. “No entanto, é importante ressaltar que a importação deve ser consciente. Sempre com foco no aumento da competitividade e na inovação tecnológica no sentido de melhorar a indústria nacional. Importar no sentido de complementar, evitando importar insumos básicos, os quais já produzimos aqui”, explica.
Para ela, quando o assunto é tecnologia, dependendo do setor, as empresas nacionais acabam tendo que buscar lá fora, “porque o que tem aqui pode ainda ser insuficiente para inovar mais e mais rápido”.
Analogamente, emenda, “algumas matérias-primas não são produzidas no país enquanto outras não são ofertadas em quantidade satisfatória”. “Há também o fato de que, às vezes, é mais barato importar do que produzir internamente. Então, a importação entra com esse papel importante e complementar a fim de melhorar a nossa produção”, analisa.
Além do que, expõe, existem os efeitos multiplicadores sobre a economia local. “Se em um primeiro momento se importa, aumentando e melhorando a produção, isso vai gerar mais empregos e renda. E esse movimento importador, pode, mais a frente, acabar atraindo novas indústrias para o Estado, a fim de suprir a demanda industrial local, o que, por consequência, vai incrementar ainda mais a geração de emprego e renda. Então, são muitas as oportunidades”, afirma.
Efeito multiplicador saudável
Nesse sentido, emenda Philippe Gidon, professor do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza (Unifor) e mestre em Relações Internacionais, analisando a pauta de importações do Ceará não só nos primeiros seis meses de 2021, mas ao longo dos últimos anos, “o que se observa é que são produtos necessários para a transformação da indústria local, cujo efeito multiplicador é saudável”.
“Não são produtos supérfluos. Também não são produtos para o consumo final. São produtos, entre máquinas, equipamentos e insumos que são utilizados no processo produtivo, que contribuem para a aceleração do processo de industrialização do Estado, trazendo ganhos em capacidade, produtividade e competitividade. Tradicionalmente, o Ceará sempre foi um estado importador. Foram poucos os momentos em que se exportou mais do que importou. Mas é preciso deixar claro que a nossa importação é alavancadora para a economia estadual em termos de emprego, geração de renda e atração de investimentos”
Philippe Gidon, professor do curso de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza (Unifor) e mestre em Relações Internacionais
Assim, afirma, “a importação é tão importante quanto a exportação quando se pensa em inserção no comércio internacional”. “Ainda há uma fixação na exportação e uma visão negativa sobre a importação. Essa é uma herança antiga do que seria considerado um bom perfil de comércio exterior. Além do déficit na balança comercial, ou seja, a questão financeira, tinha-se a visão de que as importação estariam tirando mercado do produto nacional. Quando na verdade, em uma economia globalizada, a exploração do processo produtivo está em vários locais do planeta, então é natural que se vá buscar produtos e matérias-primas em vários lugares. Portanto, as importações fazem parte desse caminho. Importar é um fator chave tanto quanto a exportação”, conclui.
Importações do Ceará no 1º semestre
Encabeçando a pauta das importações cearenses nos seis primeiros meses de 2021 está o setor de “Combustíveis minerais, óleos minerais e produtos da sua destilação; matérias betuminosas; e ceras minerais, somando US$ 390,8 milhões, nos quais os principais produtos comprados no exterior foram Gás Natural liquefeito (GNL) e a hulha betuminosa (carvão mineral que contém betume), não aglomerada.
Outro grande destaque no ranking dos principais setores importados pelo Estado, “Máquinas, aparelhos e materiais elétricos e suas partes” registrou crescimento de 121,8% e importações no valor de US$ 240 milhões. Os principais produtos adquiridos que fazem parte deste setor foram células solares em módulos ou painéis com crescimento de 1.377%.
Em seguida, com acréscimo de 19%, o setor de “Reatores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos e suas partes” somou US$ 159,2 milhões em importações. O setor contempla os produtos do grupo redutores, multiplicadores, caixas de transmissão e variadores de velocidade, incluindo os conversores de torque, um dos mais procurados pelo Ceará.
Já os cereais, tradicionais na pauta importadora considerando que o Estado é um grande polo industrial de panificação, confeitaria e massas, apresentou crescimento de 17,2% e registrou o valor de US$ 126,7 milhões em importações.
Vale destacar ainda o setor de “Ferro fundido, ferro e aço”, que cresceu 210% e realizou US$ 125 milhões em importações. O principal produto importado do grupo corresponde a produtos laminados planos, de ferro ou aço não ligado.
No que diz respeito aos países dos quais mais o Ceará importou no primeiro semestre do ano, a China lidera o ranking. O país asiático forneceu 28,8% do valor total demandado pelo Ceará por produtos no mercado internacional. Grande fornecedora de equipamentos para geração de energia fotovoltaica, partes e peças automotivas e produtos da indústria química, como glifosato e picloram, o Ceará comprou US$ 443,8 milhões em produtos, o que corresponde a um crescimento de 80,7%.
Os Estados Unidos, por sua vez, ficaram em segundo lugar, somando US$ 390,3 milhões em importações, o que corresponde a uma diminuição de 2,1% em 2021, se comparado com o igual período do ano anterior. O país foi responsável por fornecer 25,3% do valor total comprado no exterior pelo Ceará. Parceiro de longa data, os EUA são o principal fornecedor de combustíveis minerais e vegetais, fibras de carbono e resinas epoxídas.
Enquanto isso, a Argentina, o terceiro colocado, a principal fornecedora de trigo e alho para o estado, registrou US$ 113,5 milhões nas vendas para o Ceará e um aumento de 6%.
Por fim, entre os três municípios que mais importaram no Estado entre janeiro e junho deste ano, Fortaleza foi a principal cidade importadora com 28,3% do total comprado pelo Ceará no exterior. A capital registrou US$ 436,4 milhões em aquisições de produtos, o que corresponde a um aumento de 3,6%, se comparado com o mesmo período do ano anterior. Os produtos mais demandados foram trigos, hulha betuminosa e óleo de palma.
Em segundo lugar no ranking dos principais municípios importadores está São Gonçalo do Amarante. O município importou US$ 306,8 milhões nesse ano, o que representou um aumento de 17% se comprado com o resultado de 2020. O GNL e a hulha betuminosa foram os principais produtos procurado pelo município no mercado internacional.
Já o município de Caucaia, em terceiro lugar, obteve, no acumulado do ano, um aumento de 91,7% nas importações, totalizando US$ 260,2 milhões, em especial diante da procura por fibras de carbono e produtos à base de ferro e aço.