A mesma pandemia que isolou as pessoas, atraiu a atenção dos brasileiros para a bebida nacional. O clima ajudou. A produção no Brasil bateu recorde e o consumo per capita aumentou, mesmo dentro de casa, por questão de segurança. Com uma safra recorde e melhoria na qualidade, o consumo passou de 2,13 litros/ano para 2,78. No segmento de vinhos finos, a alta foi de 100% em 2020.
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No Nordeste, as águas do Rio São Francisco romperam a barreira geográfica dos parreirais, até então, concentrados no Sul do Brasil, irrigaram terras e abriram as torneiras dos barris de onde saem vinhos que abastecem o mercado interno e externo. Outra boa notícia é que os vinhos da região nordeste poderão conquistar certificado de procedência ainda neste ano.
As boas surpresas ainda estão por vir e devem ser anunciadas em breve, conforme o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS), Giuliano Elias Pereira. A região produtora nordestina trilha o mesmo caminho da serra gaúcha com o consagrado Vale dos Vinhedos, a primeira marca coletiva de vinhos do Brasil, fruto de perseverança, muito trabalho, pesquisa e desenvolvimento.
Desde o final do ano passado, a região produtora pleiteia junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a Indicação de Procedência Vale do São Francisco para vinhos finos e espumantes. Reunidos, os produtores já cumpriram todos os passos protocolares, criando condições para o nascer da Vinhovasf, detentora da marca que garantirá maior notoriedade dos produtos locais.
Trata-se de uma organização setorial que requer a união de toda a cadeia produtiva em prol da melhoria da qualidade dos produtos, visibilidade, valorização da tipicidade, definição de variedades, produtividade, qualidade enológica, análises visuais, gustativas e olfativas. O setor ganha impulso através do marketing gratuito promovido pelo Brasil através do INPI, que divulga o fato para os países da Organização Mundial do Comércio (OMC). “O que vai acontecer, a partir da segurança da certificação, será uma explosão do enoturismo, da enogastronomia e da cultura local”, comenta Giuliano Pereira, que também participou do processo no Sul.
As regiões produtoras
Se no Rio Grande do Sul, as uvas precoces apresentaram melhores resultados, no Paraná a realidade foi de baixa concentração de açúcares em função do clima. Em Santa Catarina, precisamente em São Joaquim, apesar das chuvas, os cuidados redobrados mantiveram as uvas sadias, envolvendo raleio, desfolha, desbrota, poda verde e várias limpezas no vinhedo. Em Minas Gerais, a produção reduziu com cachos menores por conta da estiagem prolongada. A qualidade também foi boa na Serra da Mantiqueira, onde o cultivo é protegido.
No Nordeste, com destaque para o Vale do São Francisco, onde ocorrem duas safras em uma mesma área, pelo olhar da pesquisadora da Embrapa Semiárido, Aline Telles Biasoto Marques, há um enorme perímetro irrigado a ser explorado à espera de investidores.
A região produtora entre Pernambuco e Bahia, desafia a tradição e a natureza. Com tecnologia, incluindo a necessária irrigação, colhe uvas, processa vinhos e espumantes brancos (tintos e rosés) nos 365 dias do ano. Diferentemente das demais regiões vitivinícolas, que dependem dos variados climas de cada época, o Semiárido, com sua temperatura linear, oferece ciclos vegetativos que dependem da água e das podas adequadas.
“São as novas regiões fazendo história neste segmento, como a Chapada Diamantina, caso de Morro do Chapéu e Mucugê, e Garanhuns, no Agreste de Pernambuco”
Aline Telles Biasoto Marques, pesquisadora da Embrapa Semiárido
Rio Sol
Exemplo de quem desafiou a natureza vem de Lagoa Grande (PE). A decisão de instalação no Vale do São Francisco, em 2003, tem origem em Portugal, precisamente o grupo Global Wines, sediado em Dão.
O caminho foi quase natural porque a Companhia já exportava para o Brasil. Com visão inovadora, o empreendedor entendeu que se instalando em local diferenciado estaria ajudando a escrever um novo capítulo na história da vitivinicultura brasileira. Mas não apenas isto.
“Queríamos marcar presença no processo de criação de novas fronteiras, aproveitando as características únicas no mundo de uma região capaz de produzir durante o ano inteiro e, por questões climáticas favoráveis, gerando uma fruta livre de pragas”
Ricardo Henriques, diretor técnico da Rio Sol, enólogo
Um dos maiores desafios era a localização geográfica distante dos grandes e tradicionais polos de produção e de consumo. Também preocupava a disponibilidade de assistência técnica, o que exigiu pesados investimentos em investigação científica envolvendo variedades e sistemas de plantio. “Fizemos campos experimentais para plantar em grande escala”, disse Ricardo Henriques.
Com os obstáculos vencidos, a produção começou com 700 a 800 mil litros/ano em 70 a 80 hectares. A experiência foi satisfatória e, atualmente, são produzidos 2,5 milhões de litros de vinhos e espumantes, em uma área de 120 hectares que está em plena produção, além de outros 40 hectares em fase de crescimento e plantio.
Do total produzido, 90% é destinado ao mercado externo, percentual que cresceu justamente em função do aumento do consumo dos brasileiros. Para se ter uma ideia, a relação já foi de 60% para mercado interno e 40% para exportação, graças à plataforma logística do grupo português que abriu espaço em pontos estratégicos no mercado internacional como EUA, Alemanha, Reino Unido, Portugal e alguns mercados asiáticos.
2020 bom, 2021 melhor
O Brasil ainda não tem os dados oficiais de fechamento da Safra 2021, mas previsões feitas pela União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) apontam para uma colheita de 1,4 milhão de toneladas de uva. Deste total, 800 mil toneladas estão somente no Rio Grande do Sul, que mantém 46.774 hectares destinados ao cultivo da uva, com produção em 122 dos 497 municípios gaúchos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para o presidente da entidade, Deunir Argenta, 2021 tende a ter uma performance otimista. Seu sentimento, entretanto, carrega uma boa dose de moderação por conta da falta de insumos, como é o caso de embalagens, especialmente de garrafas. A comercialização de vinhos finos e espumantes brasileiros durante este ano segue alta.
Somente considerando o período de janeiro a abril (último dado oficial disponível), as vinícolas venderam mais de 9,5 milhões de litros, um aumento de 34% se comparado ao mesmo período do ano passado, que alcançou 7,1 milhões de litros. Os espumantes moscatéis ocupam o topo dos mais consumidos com um crescimento de 37,76%, seguido pelos vinhos finos com 34,35% e pelos espumantes bruto com 30,87%.
“O vinho brasileiro segue sendo descoberto pelos brasileiros, que ao degustar nossa diversidade e qualidade, estão percebendo a evolução e aprovando. É animador ver esta importante conquista. Com uma safra maior em 2021, os estoques estão sendo abastecidos, podendo atender ao mercado”
Deunir Argenta, presidente da Uvibra
Argenta aposta ainda mais na aceleração das vendas diante da ampliação de canais, da melhor distribuição, do preço justo, além do próprio lançamento de produtos das vinícolas.
Com o avanço da vacinação e a flexibilização dos protocolos de segurança diante da Covid-19, o enoturismo também ganhou impulso, fortalecendo ainda mais a relação entre produtores e consumidores. A aposta no e-commerce e em ferramentas práticas como o próprio WhatsApp também tem facilitado a venda com entrega em qualquer parte do país.
Exportações em alta
O sucesso interno encontra eco externo. O cenário em relação às exportações também é favorável quando se trata de vinhos finos e suco de uva. Nos quatro primeiros meses de 2021, 1,9 milhão de litros de vinhos finos brasileiros saíram do país, ou seja, 169,23% a mais que no mesmo período de 2020. Já o suco de uva, com exportação de 879 mil litros, teve um impulso maior com aumento de 239,16%, mas longe de alcançar o desempenho de 2019 quando o volume foi de 1,02 milhão de litros.
Um brinde ao reconhecimento dos vinhos finos
O Brasil comemora a qualidade de seus vinhos e recebe o reconhecimento dos mercados interno e externo através das premiações vitoriosas. Somente em 2020, 321 medalhas: 166 foram para vinhos (51,71%), 147 para os espumantes (45,79%) e oito para destilados e licorosos (2,5%). Nesta olimpíada do vinho, o Brasil já contabiliza um total de 4.806 premiações. O recorde de medalhas foi registrado em 2014 com 388 premiações, seguido de 2016 com 338.
Em 26 anos, esta é a primeira vez que os vinhos finos ganham tamanha representatividade, superando as premiações dos espumantes. O registro das premiações existe desde 1995, quando a Associação Brasileira de Enologia (ABE) assumiu o papel de enviar as amostras para concursos reconhecidos mundialmente, função que fortaleceu a imagem do vinho brasileiro junto a instituições, como a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV).
O presidente da ABE, André de Gasperin, comemora o fato de o Brasil figurar entre os grandes produtores de vinhos e espumantes de excelência do mundo. E atribui a boa performance aos continuados investimentos em tecnologia e aos permanentes estudos e pesquisas que abriram as fronteiras para o produto nacional. Ele lembra que o Brasil se diferencia ainda mais por ser um continente de variados solos e climas, o que resulta em uma produção tão diversificada que contempla os mais diversos estilos.
Evolução Enológica foi decisiva na Safra 2021
A cadeia produtiva da uva e do vinho passou por uma transformação histórica nas duas últimas décadas, mostrando que, com investimento e boa dose de persistência, é possível driblar a adversidade das variadas condições climáticas que exigem o conhecimento de engenheiros agrônomos e enólogos para extrair o melhor de cada vinhedo. São 26 regiões produtoras em 10 estados brasileiros, cada uma com suas particularidades, o que não impediu chegar a uma vindima volumosa e de qualidade. “O mercado pode aguardar por rótulos com grandes atributos”, garante o presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), enólogo André De Gasperin.
Diretor Técnico em Enologia da ABE, o enólogo Vagner Marchi chama a atenção para a heterogeneidade da Safra 2021, muito maior que a do ano passado.
“Dependendo da região e da variedade, a qualidade se diferencia. Equilibrar tudo isso é um desafio. E é aí que entra o trabalho de manejo do viticultor, aliado às particularidades de cada vinhedo e ao conhecimento do enólogo”.
Vagner Marchi, diretor Técnico em Enologia da ABE
“Hoje temos uma estrutura invejável, fizemos ensaios permanentes, aprendemos a respeitar e a entender a vinha. Tudo isso impactou nas uvas e, consequentemente, nos vinhos com resultados espetaculares”, ressalta o enólogo Daniel Salvador, ex-presidente da ABE.
Comércio Online de vinhos mais do que dobra na pandemia
Sendo o terceiro maior mercado de compra de vinho pelos canais online, com quase um terço do volume vendido via web, o Brasil só perde para a China e o Reino Unido. Dados da empresa especializada em marketing de vinho Wine Inteligence apontam que preço e variedade estão atraindo cada vez mais os consumidores para esta plataforma. Outros motivos são os altos custos logísticos e tributários que envolvem a comercialização pelos canais tradicionais.
Exemplo de e-commerce – Quem atesta esta realidade é a VinumDay, uma plataforma de venda de vinhos, espumantes, acessórios e, principalmente, intercâmbio de conhecimento ligado à cultura vitivinícola, que mais do que dobrou de tamanho em 2020. O modelo de negócio investe na oferta de rótulos para oferecer o melhor preço do e-commerce brasileiro a cada 24 horas e no desejo de um consumidor que dá mostras de que não quer só bebida: curadoria diferenciada é o que interessa.
Desde que iniciou, em 2014, sua base de clientes com frequência de compras mensal multiplicou-se cinco vezes. Após o começo da pandemia, porém, o número de novos adeptos aumentou 60%. No mesmo período, a média mensal de garrafas vendidas cresceu 100% (superando as 12 mil unidades), o volume de vendas foi incrementado em 110% e o faturamento mais do que dobrou, com elevação de 118%.
“Nossa expectativa é que os novos patamares de consumo dão indícios de que serão significativamente maiores que os do período pré-pandemia”
Maurício Ceccon, diretor de Operações
Entre as inovações estão a Oferta Diária, a Oferta Semanal e a Adega, sistema que permite acumular compras feitas em datas diferentes para se beneficiar de uma política de frete grátis.