A denominação “tecnologia” ainda pode trazer à tona uma ideia estritamente futurista, relacionada a grandes maquinários, quando, na maioria das vezes, o que ocorre é justamente o oposto. Hoje, boa parte das tecnologias que têm causado as maiores revoluções na saúde estão relacionadas à informação.
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Essas tecnologias conseguem coletar e armazenar melhor os dados. Com isso, é possível, por exemplo, evitar uma duplicidade de diagnósticos. “Às vezes, é um software simples, ou apenas um novo fluxo ou novas práticas de atendimento que estão sendo desenvolvidas. Não tem maquinário envolvido, é só treinamento humano. Tecnologias como robôs para fazer cirurgias também existem, mas, numericamente, são menores”, é o que afirma Leonardo Alcântara, radiologista e presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará.
A Inteligência Artificial (IA) é uma grande aliada nesse processo de armazenagem e interpretação dos dados. Rodrigo Porto, professor do Departamento de Engenharia de Teleinformática e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), exemplifica como esse recurso pode ajudar.
“Existem algoritmos de inteligência artificial que comparam imagens de exames de milhares de pessoas, de forma anônima. Com um banco de dados, esse algoritmo começa a aprender como são os exames e quais as características das imagens que levam ao diagnóstico de determinadas anomalias. Então, quando ele ‘vê’ um novo exame, faz uma comparação automática, e pode alertar ao médico que eventualmente há uma anormalidade”, explica o docente.
Porto complementa: “Esse é um exemplo de melhoria ofertada pela tecnologia, trazendo uma precisão que o próprio olho humano poderia ter dificuldade de captar. Vale destacar que ela ocorre não como substituição, mas como apoio aos profissionais da saúde”. O médico Leonardo Alcântara concorda e destaca que o uso dessas tecnologias pode ajudar o profissional da saúde a não ficar sobrecarregado. “A tecnologia raramente substitui o profissional. Ela o qualifica melhor e consegue fazer com que esse profissional se dedique à função específica para o qual ele foi treinado, e não à atividades acessórias”.
O professor Rodrigo Porto também é um dos responsáveis pelo Centro de Referência em Inteligência Artificial (CEREIA) que está sendo instalado no Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará. Fruto de uma parceria público-privada, o projeto foi o único do Norte-Nordeste contemplado pelo edital ofertado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Cerca de dez pesquisadores de ponta, cada um com sua equipe, estarão envolvidos nas atividades, projetadas para iniciar em janeiro de 2022.
Orientações da OMS
Com o crescimento do uso de tecnologias na saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, em junho de 2021, o guia “Ética e governança da inteligência artificial para a Saúde”. No material, o órgão sugere seis princípios que devem ser seguidos para que a tecnologia na saúde seja empregada de forma tecnicamente correta e inclusiva. São eles:
- Autonomia: O uso de sistemas computacionais não deve prejudicar a autonomia humana. No contexto da área da saúde, isso significa que os seres humanos devem ter o controle dos sistemas e das decisões médicas.
- Bem-estar: A IA deve atender às normas de segurança e não pode resultar em problemas mentais ou danos físicos.
- Transparência: As tecnologias de IA devem ser compreensíveis para desenvolvedores, médicos, pacientes e usuários.
- Responsabilidade: Deve haver clareza sobre as tarefas que os sistemas podem realizar e as condições sob as quais eles podem alcançar o desempenho desejado.
- Equidade: A IA para a saúde deve ser projetada ao acesso mais amplo possível, independentemente da idade, gênero, renda, etnia ou orientação sexual.
- Sustentabilidade: Os sistemas de IA devem ser projetados para minimizar consequências ambientais e aumentar a eficiência energética. Ou seja, deve ser coerente com esforços globais para reduzir o impacto humano no meio ambiente.
Sobre o princípio da autonomia, o professor e pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFC, Rodrigo Porto, destaca: “Quando você adentra a área da saúde, as decisões são muito críticas, elas têm impacto na vida das pessoas. Existe a necessidade de ter uma responsabilidade profissional. Eu não acredito que nenhum de nós vai querer abrir mão da análise e da empatia humanas”.
“O computador pode acertar o know-what, mas o médico, conversando com seu paciente, explica o know-why. Isto indica por que os médicos nunca serão substituídos por uma máquina. Elas não explicam o porquê nem aliviam a angústia do paciente”, explica Luiz Carlos Lobo, em artigo publicado pela Revista Brasileira de Educação Médica. Lobo é médico, professor Honoris Causa da Universidade de Brasília e Consultor Sênior da Unasus-Fiocruz.
Possíveis desafios para a implantação
Ainda no artigo veiculado pela Revista Brasileira de Educação Médica, Luiz Carlos Lobo aponta o que, para ele, é o maior obstáculo para o uso da tecnologia na saúde. “Integrar diferentes sistemas de registro eletrônico é o grande desafio. A adoção de diferentes sistemas informatizados em estados e municípios brasileiros e a baixa integração com os sistemas privados de saúde dificultam a criação de uma base de dados única e nacional”.
O treinamento de profissionais para atuar na área também é um ponto-chave da implantação, mas Leonardo Alcântara, radiologista e presidente do Sindicato dos Médicos do Ceará, enaltece o empenho pela qualificação. “Eu vejo um crescimento acelerado dos profissionais que buscam capacitação, muito por iniciativa própria. Existem os profissionais que querem se capacitar e dominar uma nova tecnologia, tanto por serem entusiastas daquele recurso, como para terem rendimentos melhores, porque apesar de não ser a razão principal, isso também está associado”.
Bom custo-benefício
Um dos fatores que poderiam ser apontados pelo senso comum como mais um empecilho ao uso das tecnologias na área da saúde é o elevado custo de implantação. No entanto, mesmo as tecnologias de maior valor para instalação representam uma redução dos custos a médio e longo prazo.
“Pela capacidade de reprodução em maior escala, a tecnologia vai trazer uma redução importante de custo. E redução de custos na saúde significa tratar mais pessoas, ser mais abrangente”, aponta o médico Leonardo Alcântara. O professor Rodrigo Porto complementa: “A rapidez pode facilitar a prevenção. Uma prevenção bem-sucedida evita que uma pessoa adoeça e, com isso, muito dinheiro é economizado. Pelo sistema de saúde, a prevenção sempre é a solução de maior impacto”.
Uma das formas de executar essa prevenção seria com aparelhos que acompanhariam a rotina diária. “Pode-se colocar um sensor no corpo da pessoa, uma medição de pressão e pulso, que possa ficar de maneira constante e confortável. A Inteligência Artificial monitora esses sinais e pode avisar caso o cotidiano dessa pessoa conduza para o desenvolvimento de algum problema circulatório, por exemplo. Ou então, em casos de urgência ou necessidade de apoio médico, o próprio aparelho já pode disparar uma chamada automática para um parente ou para um hospital, porque com uma pressão anormal, essa pessoa poderia estar desacordada”, explica Rodrigo Porto.
Assim, a tecnologia poderia ser usada não apenas para identificação de diagnósticos, como para oferecer bem-estar à sociedade.