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Geração nem-nem: sem estudo, sem trabalho, sem futuro

Close up shot of cute young brunette woman in her twenties sitting in bedroom with white pillow on her lap, keeping hands on her cheeks while thinking over some problem with unhappy worried expression

Cansada de bater em portas que não se abrem ou, pelo menos, não na condição e velocidade desejados, se agiganta no país a chamada geração nem-nem com idade entre 15 a 29 anos, que não estuda e nem trabalha e que corresponde a 30% dos jovens dessa faixa etária, somando 12,3 milhões de pessoas, pelo acompanhamento da consultoria IDados.


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Onde falhamos como sociedade? Esta é a reflexão feita por quem se preocupa com o futuro da Nação e é um desafio a ser enfrentado por governos e organizações privadas. A solução, segundo especialistas, passa por uma séria e estruturada política educacional com recursos crescentes garantidos em orçamento e com diretriz focada na formação e preparação de jovens para um Brasil que voltará a crescer e que exigirá pessoas qualificadas, sob pena de perder produtividade e competitividade. Há quem diga também que a virada deste jogo está nas mãos de pais, educadores e gestores despreparados para lidarem com os nem-nem. E pelas empresas que precisam oferecer um propósito para atrair os jovens.

Trata-se de uma mazela antiga e crescente desde 2012, quando representava 25% da população desta faixa e que vem ganhando impulso com ou sem pandemia porque as causas são anteriores. Na análise da FGV Social, esta realidade compromete o presente e o futuro.

“Estamos na ante-sala das crises da educação e do emprego”, diz opresidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil), Paulo Sardinha, ao explicar que mais do que o desemprego alto, o Brasil vivencia o caos na qualificação de pessoal por conta da baixa escolaridade em todos os níveis. “As soluções são estruturais e conhecidas, mas não implementadas”, comenta ele, citando o simples exemplo recente da dificuldade da retomada das aulas nas escolas da rede pública, o que diminui ainda mais as oportunidades e amplia as diferenças socioeconômicas e culturais entre estudantes.

Modelo cruel

Como professor que convive com a realidade dos universitários, ele confirma, a cada nova turma, que no máximo 10% dos alunos têm pais com pós-graduação. Quando a pergunta alcança os avós, o percentual cai para zero, alimentando um ciclo vicioso histórico falho. “Sem políticas públicas que priorizem a Educação, sem investimentos em aperfeiçoamento de professores e em estruturas nas escolas e sem integração entre a formação e o mercado de trabalho, os nem-nem vão se tornando um modelo cruel de vida que se perpetua geração após geração”, afirma Paulo Sardinha, lamentando ver esta perspectiva sombria.

O fato é que, com a polarização política num ano eleitoral relevante, não há sinalização positiva de mudança. Isto porque, na visão da ABRH Brasil, os dois extremos até agora apresentados à esquerda e à direita cortaram verbas para a educação, perdendo a oportunidade de transformar a realidade nos seus respectivos períodos de governo. Enquanto isso, o Brasil perde espaço presenciando a redução do contingente universitário, hoje de 8 milhões de alunos, para uma população total superior a 200 milhões de brasileiros.

A iniciativa privada, por sua vez, se ressente de gente qualificada na indústria, no comércio e nos serviços. “Estima-se que existam entre 50 mil e 100 mil vagas de empregos de alta renda nas áreas de tecnologia que não são preenchidas por brasileiros por falta de qualificação”, exemplifica o presidente Sardinha. Ele cita algumas ações promissoras em vários níveis, mas ainda insuficientes para equacionar o problema. A seu ver, o Aprendiz Legal é uma ação positiva que precisaria ser multiplicada. Também lembra as universidades corporativas como casos bem-sucedidos, mas isolados. E nos anos 2000, as Escolas de Negócios nasceram para preparar para o mundo do trabalho, mas foram incipientes diante da dimensão do problema, cuja solução tem que começar na educação básica e contagiar todos os demais níveis de ensino a partir de uma política de Estado.

Assistencialismo

Para a consultora, mentora e estrategista emRecursos Humanos, Fernanda Godolfim, sócia-diretora da Negócios Humanizados, a geração nem-nem, por diversas razões, ficou sem perspectiva de atuação profissional e de desenvolvimento pessoal, especialmente pela baixa qualidade na educação, além da retração econômica que subtrai empregos. Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostram que 35% dos desempregados no Planeta estão na faixa etária de 15 a 29 anos. No caso brasileiro, muitos foram dispensados de seus postos de trabalho justamente por falta de preparo e acabam sendo alvo fácil da dispensa pelos baixos salários que repercutem em menores custos na demissão.

Um agravante citado pela consultora tem origem cultural. Sem experiência e diante de um mercado profissional restrito e exigente, continua crescendo o bolsão de jovens e adultos sem estudo e sem trabalho. “Esta geração tem uma extensa gama de produtos e serviços disponíveis, fruto do assistencialismo, e muitos encontram sustento no âmbito familiar, o que também desestimula a busca por emprego”, afirma. Fernanda Godolfim não generaliza, mas sabe que há uma faixa que não tolera a frustração e desiste do seu crescimento profissional, que requer tempo, aperfeiçoamento e maturidade.

Mais otimista que a ABRH, ela aposta no sucesso da proposta pública do Novo Ensino, mais voltado à profissionalização. Mas entende que é urgente que sejam criadas oportunidades, pela iniciativa privada, com a abertura de espaço para o primeiro emprego, estimulando a formação profissional e reduzindo a exigência de experiência. Diretora de Competências da Câmara de Indústria e Comércio de Caxias do Sul, na serra gaúcha, ela garante que é real a preocupação dos empresários com o “apagão” de mão-de-obra, o que exige reação urgente e efetiva voltada à qualificação tanto em nível acadêmico como técnico.

Virada do jogo

A psicóloga Simoni Missel, diretora de Desenvolvimento da Missel Capacitação Empresarial, concorda que são necessárias políticas públicas para direcionar estes jovens para as escolas e para o trabalho. Mas atribui o avanço dos nem-nem à crise de lideranças. Ela entende que a solução começa na família, nas escolas e nas empresas. “Não temos lideranças preparadas para lidar com os nativos digitais que integram as gerações Y, Z e agora Alfa (entrando em estágios), que já receberam um mundo cheio de informações e de facilidades e ainda contam com a falta de limites dos pais, professores e gestores”, diz ela, defendendo a necessidade de mais diálogo, mais envolvimento e mais posicionamento dessas lideranças.

Com a experiência de 39 anos como coaching, Simoni está convicta de que a geração nem-nem é fruto do excesso de facilidades onde velocidade para o sucesso é palavra-chave. “Podemos fazer uma reconstrução buscando o equilíbrio entre os benefícios proporcionados e as conquistas próprias dos jovens que só querem ser felizes”.

Propósito

O diagnóstico de Simoni coincide com a análise de Crismeri Delfino, diretora da Possibilità Desenvolvimento do Ser Humano, que vivencia esta realidade com a bagagem de quem atuou na ABRH-RS durante 27 anos. A solução para a geração nem-nem passa, sim, pelos educadores, família e governos, mas também pelas empresas da chamada Nova Economia, que precisam ter propósito para atrair os jovens.

A pandemia colocou em xeque que tipo de mercado funciona e abriu um leque de possibilidades via pequenos negócios e startups. “O fato empoderou os jovens sem base forte, gerando uma certa soberba e afastando o profissional dos conceitos sempre atuais como hierarquia, limites, coleguismo e cultura organizacional. Dada a velocidade com que pensa e quer operar e obter resultados, a geração nem-nem se alinha muito com a faceta questionadora que os especialistas classificam como 5W2H, uma ferramenta utilizada para compor planos de ação de maneira rápida e eficiente envolvendo as perguntas: quem, como, quanto custa, o que, por que, onde e quando.

Uma das soluções apontadas por Crisméri é que esta faixa etária se capacite emocionalmente para as rupturas, desenvolvendo habilidades como empatia, criatividade, relacionamento e adaptabilidade para a resolução de problemas, que compõem o profissional mais generalista e menos especialista que o mercado exige. Outro caminho é que as escolas e universidades falem com o mercado, o que de certa forma já está sendo feito com a inclusão de startups dentro de suas estruturas, mas que sejam mais rápidas e práticas. “A liderança, que faz a cultura de uma organização, também é agente de solução e, muitas vezes, perdem pessoas por falta de habilidade e diálogo para lidar de maneira favorável à diversidade e a novas ideias”, comenta.

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