Como a pandemia, a construção civil vive as várias ondas da retomada ao longo dos últimos dois anos. Sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI) aponta fevereiro como o melhor mês dos últimos 10 anos, mesmo tendo registrado uma pequena queda na atividade e no emprego, oscilação normal para a época. Importante é que a utilização da capacidade operacional está em 65%, considerada alta o suficiente para o gerente de Análise Econômica da CNI, Marcelo Azevedo, classificar tal desempenho como favorável. A dúvida é saber se a curva continuará ascendente nesta indústria de base altamente geradora de empregos e capaz de tirar do stand by os lançamentos imobiliários atraindo os investidores.
Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente.
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) demonstra otimismo. Basta lembrar que o Produto Interno Bruto (PIB) da construção, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu quase 10% (9,7%) em 2021, em meio à pandemia, contra uma queda de 6,3% em 2020, configurando-se como o melhor desempenho desde 2010, recorde mais recente com crescimento de 13,1% e o dobro do PIB brasileiro (4,5%). Ieda Vasconcelos, economista da CBIC, ainda prevê crescimento nos próximos meses considerando que o ciclo de negócios da construção é longo. E projeta dinamismo ainda que mais modesto para este ano, na faixa de 2%. Boa notícia chega aos trabalhadores, a julgar pelos postos formais de trabalho gerados somente em fevereiro: 39.453 novas vagas em fevereiro, 9% superior a janeiro.
A preocupação com o conflito Rússia x Ucrânia mantém o risco de alta dos insumos que em 2020 aumentaram 8,81% e em 2021 evoluíram 13,85%. Ao mesmo tempo, a disparada nos preços do petróleo e de outras importantes commodities traz riscos de mais aumentos de preços e de juros que, em março, chegaram a 11,75% ao ano e já apontam para 12,75%, conforme sinalização do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Juros mais altos desestimulam negócios e, com isso, reduzem o ritmo da atividade econômica, pois os investimentos migram para o mercado financeiro, o que ganha maior dimensão em ano eleitoral. Não é à toa que em março o Índice de Confiança do Empresário (ICEI) da Indústria de Construção caiu 1,3 ponto.
“No médio e longo prazo vários fatores ajudam a acreditar que a construção poderá ser mais impulsionada: o déficit habitacional do Brasil ainda é expressivo, temos, por exemplo, o marco regulatório do saneamento, que será essencial para o País conseguir alcançar a universalização do acesso às redes de água e esgoto e temos também as concessões”, ilustra a economista.
Inovar para sobreviver
Como professor de Gerenciamento na Construção Civil da Universidade Federal do Ceará (UFC) que acompanha de perto este mercado, José de Paula Barros Neto sabe que há otimismo nos canteiros de obras Brasil afora por conta de uma retomada que só não dá sinais de fôlego maior em função dos gargalos em cadeias produtivas de insumos que elevaram os preços de matérias-primas como aço e cimento. Ele sabe também que o setor tem que fazer a lição de casa acelerando o processo de modernização para gerar um produto final com métodos construtivos modernos e gestão voltada a resultados.
“O despertar para a inovação é uma realidade e um caminho sem volta, mas ainda incipiente e sem uma metodologia estabelecida”, analisa. Como coordenador geral do Projeto Ceará 2050, entende que o desenvolvimento do Estado passa pela evolução de projetos e investimentos de infraestrutura e de engenharia, capazes de combater déficits históricos como o habitacional e de saneamento, notadamente no interior. E a construção tem papel relevante, como também é significativo o peso das construtechs (as startups voltadas ao setor) que se avolumam no País, da mesma forma que o papel das universidades incentivando a modernização.
André Quinderé, CEO da Aval Tecnologia e da sua plataforma Agilean,segue o mesmo raciocínio. Com um portfólio de mais de 3 milhões de m² de área construída impactadas pelos efeitos de novas tecnologias, ele diz que os canteiros de obras estão no caminho da transformação. Como Barros Neto, ele pondera que o setor da construção tem sua cadeia de produção controlada analogicamente, de maneira estática, ainda no papel, embora já existam mecanismos simplificados capazes de fazer o gerenciamento coordenado e integral.
O próprio Agilean é fruto do conhecimento de quem vivenciou, como engenheiro, os desencontros nos canteiros de obras que geram atrasos e desperdícios, mas que precisam partir para uma verdadeira transformação digital. “A parte operacional pode ser feita pelos algoritmos liberando as pessoas para focar em estratégias”, aponta Quinderé.
O fato é que o mercado da construção civil, como em tantas outras ocasiões críticas, passa pelo desafio da continuidade do crescimento que vinha em curso. A coordenadora das Sondagens de Construção da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), Ana Castelo, é muito clara ao confirmar um crescimento do PIB nacional do setor em 2% neste ano, lembrando, entretanto, que tal resultado é fruto dos projetos de 2021 maturados, agora em fase de comercialização, e impulsionados pelo crédito acessível por conta das baixas taxas de juros até então vigentes. E agora? O que se tem para o futuro dependerá de variáveis incontroláveis como câmbio, guerra e pressão de custos de insumos e de mão-de-obra. Para Ana Castelo, a atividade maior virá dos segmentos de baixa e de alta renda, de menor interferência dos juros que subiram para 9 e até 10%. O custo do financiamento do programa Casa Verde-Amarela, por exemplo, continua o mesmo (onde o Norte e Nordeste se beneficiarão) e no padrão superior de imóveis não chega a afetar. “O diferencial mesmo para os agentes que atuam no setor virá de quem tiver condições de investir em modernização com vistas a garantir resultados a partir da gestão de custos e da digitalização de seus processos de maneira sustentável”, finaliza.