A maioria do solo cearense não é propícia para agricultura, realidade que, aliada a falta d’água (chuvas irregulares), agrava a questão. Mas, apesar disso é possível produzir bem, desde que sejam usados manejos de correção e tecnologias adequados, com adoção de fertilizantes, sementes e outros insumos, controle de pragas e doenças, dentre outras. Com tais ações é possível, inclusive, alcançar elevada produtividade. É o que tem feito grandes empresas, como, por exemplo, a Agrícola Famosa, que triplicou a produtividade de melão por hectare.
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As terras de solos não adequadas para a agricultura, como o arenoso (que tem textura leve, reduzido teor de matéria orgânica, perda de água e nutrientes), passam a ser inseridas ao sistema produtivo quando usadas as técnicas de correção. A inserção, consequentemente, tem aberto uma nova fronteira para a expansão da agricultura, não só no Ceará, mas em todo o Brasil, especialmente no Nordeste. A agricultura é importante para o Ceará, que este ano (janeiro a julho) registrou exportações de frutas no valor de US$ 67,82 milhões (dos quais US$ 40,08 milhões são de castanha de caju; US$ 17,10 milhões em melões frescos; US$ 4,45 milhões em melancias frescas e US$ 3,32 milhões em bananas).
Essa nova fronteira, aliás, deve ganhar novo impulso com a conclusão do estudo de levantamento de solos do Ceará, que está sendo realizado pelo Governo do Estado, por intermédio da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). O trabalho vai informar, por exemplo, a aptidão agrícola das terras cearenses. O estudo já está com 87,74% realizado e a sua conclusão está prevista para ocorrer em 2024.
O empresário Luíz Roberto Barcelos, sócio fundador da Agrícola Famosa e diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), afirma que boa parte das terras cultivadas pela Famosa para a produção de melão é terra arenosa, pobre em matéria orgânica, ou seja, não tem argila e, portanto, por ter esta característica, é quase uma hidroponia (técnica de cultivar plantas sem solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da planta). Justamente por isso é necessário fazer um melhoramento do solo para que os adubos sejam metabolizados e as raízes das plantas consigam absorver.
“Nós temos enriquecido esse solo, acrescentando muita matéria orgânica através da compostagem. Colocamos oito, dez toneladas por hectare em cada plantio de melão. Mas, só adubo não resolve. Então colocamos também bactérias, que vão se proliferar pela decomposição, tornando, assim, o solo propício para o plantio”.
Ele acrescenta que o processo não transforma a composição física do solo, que continua sendo arenoso, mas que, com a adubação, ele passa a ser mais rico e fica bem melhor para a planta, propiciando bom enraizamento. “É um processo lento e gradual e já fazemos isso há vários anos. E o retorno é muito bom” – frisa.
Com as técnicas de correção do solo, a produção de melão, que era de 15 toneladas por hectare, inicialmente, passou para 20 toneladas/hectare e hoje já ultrapassa as 30 toneladas/ha. O investimento no preparo do solo – ressalta o empresário – compensa financeiramente, “pois o que você está tirando a mais de produtividade tem que pagar o que você está investindo no solo. Caso contrário, não é viável. Mas, no nosso caso, aqui, é cada vez mais viável. Hoje, a gente e outros produtores têm feito isso: cuidar do solo para que as plantas cresçam de forma adequada e produzam o máximo possível, com uma qualidade também boa, a fim de que a fruta tenha uma vida útil, suportando a viagem até o exterior e comercialização”.
O secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet), Sílvio Carlos Ribeiro, afirma que a maioria do solo cearense é pobre para a agricultura em larga escala. Diante de tal realidade, uma alternativa é a inserção de culturas com alto valor agregado e com menor exigência a qualidade dos solos. Ele lembra, no entanto, que, dependendo da localização, “existem manchas de solos muito boas, como a Chapada do Apodi”.
Para contornar o problema do solo, o primeiro passo é realizar uma análise e, com os resultados, traçar um plano de adubação, conforme a cultura a ser explorada. “Um exemplo e uma boa alternativa para aumentar a fertilidade do solo arenoso é a adubação verde e orgânica (estercos e/ou compostos)”. E o investimento para corrigir o solo compensa pela produtividade – observa -, acrescentando que “o maior produtor de melão do mundo atua principalmente em solos pobres e usa de técnicas de adubação para melhorar a qualidade de sua cultura”.
Ele informa que pequenos produtores nas regiões de Marco e Russas exploram diversas culturas (coco, banana, mamão, goiaba, uva, etc.) em solos arenosos, que são os mais pobres dentre os variados tipos. Grandes empresas também investem na correção do solo, como, por exemplo, a Agrícola Famosa (em Icapuí e Russas); Itaueira Agropecuária (Jaguaruana); Mari Pobo (Jaguaruana e Russas) e Fazenda Frutacor, em Russas. Para concluir, ele afirma que o Governo do Ceará tem incentivado o uso de técnicas para elevar a produtividade e incentivado a introdução de culturas alternativas, com baixa exigência com relação ao solo, mas que possuam alto valor agregado.
O engenheiro agrônomo e doutor em Zootecnia Rodrigo Gregório da Silva, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) no Campus de Limoeiro do Norte, é taxativo: a grande maioria dos solos do Ceará não tem vocação para agricultura intensiva. “Até porque não é somente a questão do solo (pobre, como o arenoso), mas falta chuvas (regulares). Então, nem toda a região é propícia para a agricultura. A maioria das nossas terras tem uma vocação para pecuária. Claro que existem algumas zonas para produção agrícola”.
Os solos pobres (o primeiro no ranking é o arenoso) podem, no entanto, ser corrigidos, garantido alta produtividade.
“As regiões que se mostram como exemplo de uso de terras arenosas, em maior intensidade, são as litorâneas (cultivando caju e mandioca e mais recentemente os grãos e pastagens), as que se localizam nos perímetros do Acaraú e Tabuleiro de Russas (onde estão as fruticulturas irrigadas) e um exemplo mais recente: a região dos Campos em Tabuleiro do Norte”.
Na condição natural, sem uso de tecnologia, são solos de baixa produtividade. Porém, ele frisa que, com o uso de tecnologias, passa a existir incremento significativo na produção: a castanha de caju passa de 300kg/ha/ano para cerca de 1.000 kg/ha/ano; milho de 600-800 para 3.600-4.800 kg/ha/ano; mandioca de 6.000 a 8.000 para 16.000 a 18.000 kg/ha/ano. Ele ainda explica que os melhores solos no Ceará, isso levando em consideração a qualidade natural, ou seja, a fertilidade natural, estão nas regiões do Cariri, parte do Centro-Sul, Baixo Jaguaribe, Serra Grande, Vales do Curu/Paraipaba e Vale do Acaraú.
Para os solos pobres são necessárias técnicas, ou sejam, os chamados métodos conservacionistas de solo e água. São formas de cultivo que tem sua base na busca pelo aumento do teor de matéria orgânica do solo, formação de cobertura morta do solo, cultivos acompanhando as curvas de nível e uso dos solos respeitando seus limites ecológicos. Do ponto de vista econômico, tais práticas vão ter maior ou menor demanda de recursos, a depender do seu estágio de degradação. No geral, há viabilidade econômica, devendo para isso a elaboração de um plano customizado para as realidades das fazendas.
Com recursos do Projeto São José III da Secretaria do Desenvolvimento Agrário (DAS), a Funceme, por meio da Gerência de Estudos Básico em Meio Ambiente (Gepem), está concluindo o novo levantamento de solos de parte do Ceará, com detalhes inéditos sobre a pedologia do estado. “O estudo traz informações em uma escala 1:100.000 (lê-se 1 para 100 mil), em que um centímetro no mapa representa um quilômetro no terreno. Neste nível, o levantamento apresenta maior precisão ao planejamento agropecuário tanto em nível estadual, como municipal, além de detalhes sobre microbacias ou até de grandes fazendas”, informa Margareth Benício, titular da Gepem.
Ela diz que a grande perspectiva hoje do estado do Ceará é, ao concluir o levantamento de solos na escala 1:100.000, elaborar seu Zoneamento Agroecológico e avançar ainda mais no planejamento sustentável de sua zona rural, além de ter a possibilidade de indicar áreas com aptidões mais adequadas para culturas específicas e para outros usos. “Esta ferramenta dará maior segurança na decisão de o que e onde plantar, podendo indicar também o manejo mais adequado e, consequentemente, elevar a produtividade e promover a conservação do solo”. O Levantamento de Reconhecimento de Média Intensidade do Solos do Ceará, agregado às informações climáticas, vai dar um salto de qualidade ao setor agrícola cearense e mais segurança aos investimentos a partir do zoneamento agroecológico.
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