A pesca do atum é uma atividade que, nos últimos anos, está em franca expansão no litoral cearense. Atualmente, de acordo com o oceanógrafo Carlos Eduardo (Cadu) Villaca, o setor movimenta por ano cerca de R$ 1,5 bilhão, considerando o mercado interno e o de exportação. Mas poderia chegar a R$ 2 bilhões/ano, segundo o especialista, caso fossem adotadas medidas para que a captura do peixe ocorresse de forma sustentável, evitando o desperdício e prevenindo uma futura escassez do produto na natureza.
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O atum (gênero Thunnus) é um peixe de grande porte, encontrado com facilidade nos oceanos. Vivem nas regiões tropicais e subtropicais, tem carne saborosa e bastante apreciada, principalmente, na culinária oriental.
É uma espécie migratória e os estoques cruzam várias fronteiras internacionais. Os cardumes migram da África para a costa dos Estados Unidos, passando pelo litoral cearense.
“Não é uma migração sazonal, mas constante. Por isso, sempre tem peixe passando da área de engorda, nos Estados Unidos, para a área de reprodução, na costa da Guiné, na África. Estamos no caminho desse movimento”.
Carlos Eduardo (Cadu) Villaca, oceanógrafo
A partir de 2012, com a escassez de alguns produtos costeiros tradicionais como a lagosta, foi que a pesca do atum começou a ser incrementada no Ceará. No Estado, são encontradas basicamente três diferentes espécies: o atum amarelo, o bandolim e o listrado.
Apesar de ainda hoje ser feita de forma artesanal, com barcos pequenos, de dois a 18 metros, levando quatro a seis pescadores, o especialista alerta para os riscos provocados pela expansão descontrolada da atividade.
“Começou com dois, três barquinhos em Camocim, Itarema e na fronteira com o Rio Grande do Norte. Depois, foram autorizadas pela autoridade pesqueira nacional 200 embarcações para as regiões Norte e Nordeste e outras 50 para a costa do Sul e do Sudeste. Aqui no Ceará, não se tem uma planilha específica. A gente analisa meio que no ‘chutômetro’. Mas, dessas 200, 120 devem ser cearenses”.
O problema é que, destaca o oceanógrafo, por conta da falta de controle, são construídos barcos mesmo sem licença. “Hoje a gente acha que extrapolou. Já tem mais de 300 embarcações, ou seja, tem 50% a mais que o esforço recomendado”, alerta.
Assim como todos os peixes, o atum é um bem público. E o Governo Federal, eventualmente, concede aos pescadores interessados o direito de captura. Por não ser uma espécie nativa brasileira, mas sim migratória, a pesca é gerida pela Comissão Internacional para a Conservação dos Tunídeos do Atlântico (ICCAT), do qual o Brasil é membro desde a fundação, em 1966, em uma conferência realizada no Rio de Janeiro.
Cadu faz parte da delegação brasileira que atua junto à Comissão, cuja sede fica em Madri, na Espanha. Ele explica que, anualmente, é realizada uma reunião onde são negociadas as regras para a captura. Isso ocorre depois de cada país-membro apresentar seus dados sobre o esforço de captura das espécies: quantos barcos têm, etc. “Desta forma, a gente pode ter uma ideia sobre os estoques, e a entidade vai fazendo a gestão dos recursos. Até 20 anos atrás, tinha mais peixe que a demanda. Então, estava relativamente tranquilo”, comenta o oceanógrafo.
Ele explica que os direitos dos países com relação à pesca estão relacionados com as capturas históricas, ou seja, a média da pesca do atum ao longo dos anos. “O que é meio confuso, porque entra um país, como o nosso, querendo desenvolver uma nova pescaria, aí é barrado porque a média histórica dos outros países já é algo estabelecido há mais tempo”, avalia Cadu.
“Esta será a oitava reunião da qual vou participar na ICCAT. A gente está lá tentando negociar com a Secretaria Executiva a mudança dos parâmetros para a oportunidade de pesca”.
A entidade, por exemplo, estabeleceu regimes especiais de captura, registro e controle para a espécie rabilho, encontrada na costa portuguesa. Não é possível a pesca por embarcações que utilizam linhas fixas e redes de arrasto em águas continentais, sendo permitida a captura a título acessório e no limite de 7% do total de capturas a bordo.
“Para as espécies encontradas na costa brasileira, até hoje, ainda não foi definido um sistema de quotas entre os países”, aponta Cadu. Segundo ele, há quatro anos, sob pressão, o que ficou definido foi que ninguém aumentaria suas capturas.
“E o Brasil, desde 2017, assumiu esse compromisso. E é aqui que ocorre uma contradição, porque a gente assume isso no âmbito internacional, mas, internamente, há um incentivo para desenvolver”, alerta.
De acordo o especialista, o Brasil captura atualmente 18 mil toneladas de atum por ano, sendo que a média histórica brasileira é de 7 mil toneladas/ano. “Nós não conseguimos segurar o crescimento da nossa frota pesqueira, e isso pode nos prejudicar internacionalmente”, pontua.
O oceanógrafo explica que a ICCAT deverá, em novembro, na reunião deste ano, estabelecer regras para a pesca da espécie bandolim, que, juntamente com a amarela e a listrada, é mais comum no litoral brasileiro. Ele acredita que, com essa regulamentação, a média histórica deverá ser reduzida para 6 mil toneladas/ano, e, desse total, sendo 4 mil toneladas/ano para o Ceará.
Apesar da imagem ruim frente à entidade pela falta de informação correta e por não conseguir barrar o crescimento na quantidade de atum retirado das águas brasileiras, pesa a favor do Brasil o fato de o país ter uma frota de característica artesanal, enquanto os países europeus e asiáticos trabalham com grandes embarcações. “Quando isso é confrontado com outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, isso nos favorece”, explica.
Como forma de compensar a redução na quantidade da pesca do atum nas águas nacionais, o especialista diz que o Brasil poderá investir em meios de evitar o desperdício e de agregar valor ao produto. Ele cita como exemplo uma melhor capacitação do pescador. “Hoje, 10% da produção é vendida como subproduto, porque o peixe chega bem estragado. Isso porque o pescador faz uma viagem de 30 dias em vez de 20. Ele quer trazer o barco cheio de peixe, e aqueles peixes que ficam na parte de baixo ficam como patê, espremido pelos outros”, comenta.
“Nem sempre a viagem mais longa é a melhor. Pode ser que numa viagem de 15 dias, ele traga um produto de melhor qualidade e venda por um preço muito melhor”.
Outro gargalo apontado pelo especialista está na má conservação do produto, que precisa ser fresco para ser mais valorado. Ele reconhece que, no Ceará, o Governo Estadual e as indústrias têm feito um esforço para treinar os pescadores. Mas, segundo ele, a mão de obra local é muito volátil, flutua conforme a demanda. “Se alguém oferecer mais para cortar coco, ele deixa de ir pescar para cortar coco”, comenta.
Mesmo assim, o Ceará ocupa hoje o primeiro lugar no Brasil na exportação de atum em conserva. Para se ter uma ideia do potencial que representa o setor, uma fábrica de atum instalada desde 2014, na localidade de Siupé, em São Gonçalo do Amarante, representa a segurança econômica para mil pescadores.
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