Neste ano, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) estima que a produção nacional do grão pode aumentar até 1,5 milhão de toneladas, contribuindo para a autossuficiência do país.
Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente.
O fator climático é determinante na cultura do trigo. A depender do clima, a colheita para a safra 2022/23 está prevista pela Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) em 9,2 milhões de toneladas, um recorde 19% superior à da temporada 2021/22, onde foram semeados 3,1 milhões de hectares. A safra deste ano deve suprir 70% do consumo nacional de trigo, insuficiente para atender toda demanda interna estimada em 12,8 milhões de toneladas.
“As incertezas quanto às diversas variáveis que os agricultores estão sujeitos, fazem com que os prognósticos a longo prazo sejam pouco assertivos. Mas, há otimismo para o crescimento da produção de trigo no Brasil, quando observadas as séries históricas e a implementação recente de políticas públicas de fomento à cultura do grão”.
Tiago Pereira, assessor técnico do Sistema CNA
Desde 2017, o Brasil colhe safras recordes de trigo. O país passou de 4,3 milhões de toneladas em 2017 para 7,7 milhões em 2021, um aumento de quase 80%. Neste mesmo período, a produção fora do Sul cresceu 25%, principalmente em Minas Gerais, São Paulo e Goiás, que juntos representam 7% da produção nacional.
O pesquisador, Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo, avalia que em menos de 10 anos, o Brasil poderá produzir todo o trigo de que necessita. Segundo ele, os fundamentos para esta conquista são o aumento da área de cultivo; o melhoramento genético de cultivares combinado com o manejo artesanal para aumentar a rentabilidade na produção. O que caracteriza uma área mais extensa com maiores lucros para os agricultores.
“Persistindo na atual taxa de crescimento, a previsão é de que até 2030, o Brasil deverá produzir mais de 20 milhões de toneladas de trigo. O país poderá produzir todo o trigo de que necessita e exportar o excedente do cereal, contribuindo para a segurança alimentar dos povos e para cultura de paz”.
Jorge Lemainski, chefe-geral da Embrapa Trigo
Lemainski continua explicando que caso sejam superados os desafios da pesquisa no controle de doenças causadas por fungos que afetam a cultura do trigo, como a Brusone, na região do Brasil Central, e também a Gibberella na região Sul, o país será um grande produtor de trigo, saindo da condição de importador para relevante exportador. “A pesquisa agropecuária tem avançado no Brasil e no mundo para solucionar esses problemas”, garante o pesquisador.
A Companhia Nacional do Abastecimento (Conab) apontou em 2020 que o plantio e a colheita do trigo são feitos na grande maioria de forma mecanizada, por serem realizados em áreas extensas, onde 86% da produção nacional é concentrada em apenas dois estados, Rio Grande do Sul e Paraná.
A região do Brasil Central está em processo de consolidação do trigo tropical e cultiva cerca de 9% da área de trigo em sete estados: São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal e Bahia. Os estudos prospectivos com trigo tropical avançam de forma expressiva na região Nordeste com destaque para os estados do Ceará, Alagoas, Maranhão e Piauí e na região Norte, no estado de Roraima.
Graças ao aperfeiçoamento genético, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dispõe de pelo menos quatro cultivares específicos para o cerrado, para o trigo irrigado e para o trigo de safrinha. “O trigo é uma opção muito boa para a segunda safra no Centro-Oeste. Ele atua como melhorador do solo, potencializa a eficiência dos nutrientes e auxilia no controle de pragas e doenças”, salienta Tiago Pereira, assessor técnico da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
No ano passado, um dos produtores da região de Cristalina, em Goiás, bateu o recorde mundial de produção de trigo, com 9.630 kg/hectare. Em Roraima, foi colhido trigo de excelente qualidade, em uma média de 3.000kg/ha.
No Ceará estão colhendo trigo com 75 dias e com produtividade de 5.300 kg/ha. Na região do Cerrado, nesse mesmo período, a produtividade média é de 5.500 kg/ha, mas há plantios irrigados que chegam a 8.000 kg/ha.
Nos últimos 20 anos, ocorreu uma migração calculada da tradicional área de produção do trigo da região Sul para a região do Cerrado, no eixo central do Brasil. Estimativas da Embrapa indicam uma área superior a 4 milhões de hectares com potencial para o cultivo de trigo no ambiente do Cerrado.
“O País está desconcentrando a produção do trigo para áreas de menores latitudes e com elevado potencial de crescimento, seguindo o rumo da soja e do milho, culturas conhecidas como Crop Cash”.
Márcio Só e Silva, pesquisador em trigo na Semevinea
O engenheiro agrônomo complementa explicando que os resultados desses deslocamentos na produção do trigo da região Sul para o Centro-Oeste do país já são realidade. “Essa enorme fronteira agrícola já entregou mais de meio milhão de tonelada de trigo em 2022. Ou seja, o país está muito próximo de atingir a marca de 1 milhão de toneladas de produção do trigo tropical, registro histórico para a triticultura brasileira” conclui Márcio.
Dados divulgado pela United States Department of Agriculture (USDA) em 2022 demonstram que o maior produtor mundial de trigo é a União Europeia (UE), que detém 17,8% do total produzido, cerca de 138 milhões de toneladas. Em relação à área cultivada, a Índia é o país responsável pela maior porção, com 31,6 milhões de hectares, seguida pela Rússia, União Europeia e China.
“A guerra entre Ucrânia e Rússia, países responsáveis por grande parte da produção mundial de trigo, tem atrasado as entregas do produto e afetado a demanda mundial do grão no mercado. O consequente aumento do preço, entusiasmou os produtores brasileiros. Por isso, a previsão é de que até o final deste ano, a produção nacional do trigo alcance seu recorde, que pode ultrapassar nove milhões de toneladas”.
Júlio César Albrecht, pesquisador da Embrapa Cerrados
O conflito armado no leste europeu impacta principalmente, na elevação do custo de produção do cereal, devido à alta dos insumos como adubos e sementes. Porém, em cenários de guerra, o valor bruto da tonelada comercializada também é mais elevado, especialmente porque 80% da produção mundial de trigo é voltada para a alimentação humana, na fabricação de pães, biscoitos e massas em geral.
Além dessa utilidade primordial, o grão também pode contribuir para o abastecimento de etanol na região Sul do país. Inclusive, já existe um protocolo de intenções para a construção da primeira usina de etanol de trigo do Brasil, com intuito de promover o abastecimento interno e reduzir a dependência de outros estados. O cereal também pode substituir o milho na alimentação animal, principalmente para suínos e aves.
Estas são algumas das iniciativas para o fomento da produção do trigo tanto no Sul do Brasil quanto nos Cerrados:
Programa Duas Safras: o projeto da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) que deseja fazer com que a safra de inverno do Rio Grande do Sul alcance um montante próximo da metade do tamanho da safra de verão do estado, no período de dez anos. Atualmente, a produção da safra de inverno do Rio Grande do Sul representa apenas 9% do tamanho da safra de verão.
Trigo no Cerrado: esta iniciativa da Embrapa vai abranger o cultivo de trigo sequeiro e trigo irrigado nos estados de Goiás, Minas Gerais, Oeste da Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo e no Distrito Federal. O propósito vai focar, especificamente, na transferência de tecnologia, caracterização dos municípios produtores e combate à Brusone (praga que ataca o trigo). Com o plano, estima-se o crescimento de 40% da área cultivada com trigo, passando de 252 mil hectares em 2021 para 353 mil hectares até 2025 e o aumento da produção deve ficar em torno de 300 mil toneladas.
O aumento do preço internacional do trigo refletiu no mundo todo. Essa alta nos preços tem estimulado a expansão da área produtiva no Brasil, tornando o país menos dependente do trigo que precisa ser importado de países do Mercosul, principalmente da Argentina.
Na perspectiva do engenheiro agrônomo e pesquisador da Semevinea, Márcio Só e Silva,“Para tornar o preço do trigo mais competitivo no mercado de regiões não tradicionais, é necessário que haja equalização fiscal voltada para essa cultura, como a igualação das alíquotas de ICMS dos Estados. Sem dúvida, esta medida iria melhorar a liquidez do preço do trigo tropical e direcionar sua logística para os centros populacionais como Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro”, salienta o engenheiro.
A partir de 2020, com a pandemia do Covid-19, a cotação do trigo começou a aumentar no mercado interno em torno de 45%. Essa tendência perdurou em 2021, subindo 17% no período. Em 2022, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, os preços dispararam acumulando uma alta de 30% no auge do conflito.
“O aumento de preços das commodities nos dois últimos anos não acompanhou o incremento dos custos de produção na mesma medida. Agora, estamos observando a queda dos preços no mercado físico, que é decorrente da entrada da nova safra, que deve ser recorde. Além disso, também ocorreu o arrefecimento da demanda no mercado. Caso os preços continuem caindo, veremos a rentabilidade mais baixa e o inevitável estreitamento da margem de lucro dos produtores rurais, o que traz algumas consequências, como o aumento do risco da safra”.
Tiago Pereira, assessor técnico do Sistema CNA
A região Oeste da Bahia está localizada no Matopiba, fronteira agrícola que abrange o Sul do Maranhão, o Tocantins e o Sudoeste do Piauí. A região se situa na transição entre os biomas Cerrado e Caatinga. Possui extensão territorial de 14 milhões de hectares (Mha). Desse total, estão destinados à produção agrícola em torno de 2,3 milhões de hectares.
Dentre as tecnologias agrícolas adotadas na região, a irrigação tem forte destaque. Entre as décadas de 1990 e 2020 a área irrigada da região cresceu em 193 mil hectares, atingindo 217.000 ha. Esta expansão de áreas irrigadas impactou consideravelmente na economia regional.
Estima-se que as áreas irrigadas do Oeste da Bahia, apesar de representar apenas 6% da área plantada total, têm potencial de impactar em 30% o valor da produção agrícola da região. Sendo assim, a região pode ser vista com grande potencial para a agricultura irrigada, especialmente para cultura do trigo.
Tem sido desenvolvido diversas variedades de trigo adaptadas ao cerrado brasileiro, em especial para sistemas irrigados. O Oeste da Bahia por exemplo, na safra 2020, obteve produtividade de 5.700 kg por hectare de grão colhido, totalizando uma produção de 17,1 mil toneladas do cereal.
Segundo o engenheiro agrônomo Kelton Gomes dos Santos, “este valor é muito expressivo quando comparado à média nacional de 2.868 kg por hectare de grão colhido. Além da produtividade favorável, o trigo plantado sob condições irrigadas na entressafra nacional, foge dos ciclos de pragas e doenças, e se torna uma boa opção para a rotação de culturas”, avalia o engenheiro.
Dados atualizados pela Conab em 2022 mostram que, apesar de ser pouco representativa em área plantada, a triticultura no Oeste da Bahia vem crescendo em extensão, passando de 500 hectares em 2015 para seis mil hectares em 2021. A previsão da Embrapa é que, nesta região, a área semeada do trigo alcance 20 mil hectares nos próximos anos.
Agronegócio como propulsor da sustentabilidade e da economia no país
Cenários desta quinta (23) traz investimentos no agronegócio