O que esperar de um mundo no pós-pandemia de Covid-19? Com grande parte da população do planeta vacinada, chegou a tão esperada hora de cuidar da economia. Em nível mundial, temos uma Europa em recessão por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia. O embate entre os dois países do Leste Europeu, que já se estende por quase um ano, reduziu a produção de fertilizantes e, consequentemente, impactou de forma negativa a produção de alimentos. Também refletiu no abastecimento de gás natural e aumentou o custo com energia para as indústrias. No Brasil, temos um governo recém-eleito por uma margem muito pequena de votos e que deve seguir rota oposta da adotada pelo governo que está de saída.
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Diante desse quadro, os economistas Célio Fernando Bezerra Melo e Eldair Melo fazem um diagnóstico de como a pandemia impactou a economia mundial e projetam 2023 como um ano muito difícil para a humanidade. Os dois especialistas participaram do programa Cenários Trends, mediado pela jornalista Kérlya Chaves, editora-chefe do TrendsCE.
Vice-presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), Célio Fernando destaca que a pandemia favoreceu uma aceleração digital muito grande.
“O debate sobre o lockdown intensificou algumas informações que eram discutidas desde 2014, quando Klaus Schwab (autor de “A quarta revolução industrial”), no Fórum Econômico de Davos, travava um debate sobre a indústria 4.0. Já havia, então, o presságio de que nós deveríamos avançar nos modelos de negócios diante dessas novas tecnologias”.
Ele lembra que, naquele momento, o Brasil estava um pouco atrasado quando comparado a outros países. “Lembro que, no início da pandemia, eu tinha apenas o Skype para fazer uma discussão de videoconferência. E hoje, no meu celular, eu tenho uns 14 aplicativos”, compara.
Outro ponto intensificado pela pandemia, segundo o especialista, foi a discussão sobre a questão ambiental. De repente, o mundo, antes mesmo dos problemas da Ucrânia e da Rússia, já vinha debatendo essa questão ambiental provocado por uma mudança climática muito acentuada. Foi então que o mundo começou a avaliar a troca da matriz energética dos combustíveis fósseis para a geração de energias renováveis.
A humanidade passou a se dedicar mais à produção do chamado hidrogênio verde, feito a partir da eletrólise. A energia inicial para a realização desse processo precisa vir de fontes renováveis para que o combustível se enquadre nessa categoria. Desta forma, sua produção se dá sem a emissão de carbono. Há quem aponte o hidrogênio verde como uma possível commodity, e o Brasil como possível exportador dela. O Ceará, por exemplo, está investindo pesado nisso.
Um terceiro ponto, levantado por Célio Fernando, é a chamada Década dos Oceanos, que começou em 2021 e vai até 2030.
Entre os mais importantes legados deixados pela pandemia, segundo os economistas, foram os avanços na área da saúde. A velocidade da ciência para a preparação de uma vacina contra o vírus da Covid espantou muita gente e até levantou desconfianças sobre a eficácia dela. Mas vem funcionando. Tanto que, apesar das ondas da doença persistirem com a mutação do vírus, a economia pôde ser retomada.
Outro avanço veio com a telemedicina, dentro da transformação digital, que foi impulsionada pelo isolamento para a não propagação do vírus.
“A economia ficou combalida. Mas, ao mesmo tempo, o conhecimento acelerou. Algo invisível ocorria, tanto na saúde como na economia, que deu nova perspectiva ao mundo”.
Professor de Economia e integrante do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), Eldair Melo concorda que a pandemia trouxe uma mudança digital muito forte para o mercado como um todo.
“Acelerou os processos econômicos. As empresas tiveram que se adaptar à nova realidade. Como fazer com que o consumidor compre os produtos e utilize os serviços? Então, você passou a usar mais o delivery. Você passou a realizar consultas médicas pelo smartphone; passou a usar a internet para fazer operações de compra e venda”.
De acordo com ele, a pandemia provocou uma aceleração do desenvolvimento. “Se a gente for falar de ciclo econômico, é como se a gente tivesse o fim de um ciclo de cem anos e o começo de um novo”, avalia.
Ele faz um paralelo entre a Covid-19 e a gripe espanhola que atingiu a humanidade no início do século XX. “Logo em seguida, aconteceu a Primeira Guerra Mundial. Eu não estou prevendo aqui nenhuma guerra mundial. Muito pelo contrário. Eu não acredito que o conflito entre Ucrânia e Rússia vá se voltar para isso. Mas, logo em seguida ao vírus da gripe espanhola, nós tivemos a Primeira Guerra Mundial, que trouxe novos desenvolvimentos, como avião, que passou a ser usado como ferramenta de guerra”, compara.
Eldair Melo destaca como outro legado positivo, em meio à tragédia provocada pela pandemia, a união entre as nações. “Os povos se uniram em busca de uma solução para a doença”, aponta.
“Agora, dentro desse contexto, o mundo está entrando numa recessão causada pelo excesso de moeda disponível, que os bancos centrais colocaram já em 2017/18, e que ficou embarreirada devido à pandemia”, observa o professor Eldair. De acordo com ele, as economias mundiais começam a sofrer também o reflexo da crise provocada pela guerra entre Rússia e Ucrânia.
O conflito no Leste Europeu, segundo ele, trouxe à tona a dependência do mundo ao gás russo, ao trigo ucraniano, aos fertilizantes. “A cadeia produtiva, como um todo, está sendo influenciada”, avalia Eldair Melo.
Célio Fernando diz que a recessão, que já está presente na Europa, começa a ser sentida no Brasil no momento em que implica no aumento significativo do preço da energia para as indústrias e para a população em geral. Mas também tem outras implicações, como a produção de fontes energéticas renováveis, obtidas pelos ventos e pelo Sol.
“O mundo começa a se mexer de uma forma diferente. No Brasil, estamos começando um debate sobre a transição energética, sobre a produção de energias renováveis e de como fazer o transporte dela até a Europa. Então, você tem, mesmo no Ceará, investimentos muito fortes que estão apontando nessa direção. Temos (a conexão) Pecém-Rotterdam. O porto de Rotterdam (na Holanda) já está preparado para receber o hidrogênio”.
De outra forma, o Brasil é impactado de forma negativa por ser um forte produtor de commodities. “Somos o celeiro do mundo e temos uma dependência muito forte de fertilizante. Só para se ter uma ideia, 80% do fertilizante usado por nós vem de fora. Estamos falando de números da ordem de U$ 20 milhões, que provoca uma flutuação nos preços dos alimentos no mundo inteiro”, diz o economista.
De acordo com Célio Fernando, da forma que a economia mundial vem sendo impactada, pode surgir a estagflação, quando a atividade econômica desaquece e o desemprego aumenta. “Se você tiver que fazer algum crescimento para manter o emprego, poderia ser problemático (dentro desse quadro)”, pontua.
Para o ano de 2023, Célio Fernando, projeta que a economia mundial não vai crescer muito como neste ano de 2022. “O Brasil cresceu bem, talvez, pelas tendências de 2022. Mas em 2023, a perspectiva não é de tamanho crescimento. Mas vamos ter preços que vão se acomodar. E muitas indústrias, inclusive de fertilizantes, não conseguirão economicamente se manter”, prevê Célio Fernando. Se neste ano de 2022 a economia vai crescer entre 1 e 2%, Eldair Melo acredita que para o próximo ano não passe de 1%.
Fazer do limão uma limonada. Crescer em tempos de crise. A oscilação dos preços junto com a mudança tecnológica faz surgir a necessidade de criar novos meios de investimento e novas oportunidades. “No Brasil, por exemplo, essa de criar toda uma indústria voltada para a produção de fertilizantes é uma excelente ideia. Essa do hidrogênio verde, também”, diz Eldair Melo.
Célio Fernando indica que também é preciso investir em setores estratégicos, tais como tecnologia, informação e comunicação, para que se possa “dar um salto quântico” na nossa economia, que, segundo ele, está muito atrasada. “Nossa economia digital precisa de mais elementos. Cinturões digitais, como o que a gente fez no Ceará, não são normais em todos os estados do Brasil”, avalia. Esse tipo de investimento, argumenta, poderia favorecer a criação de startups, contemplando a ocupação dos mais jovens.
Outro segmento que surge como oportunidade é o da construção civil, por ser um potencial gerador de empregos. “Temos aqui muitas habitações precárias. Só em Fortaleza são mais de 100 mil, segundo o estudo Fortaleza 2040. Há uma alta densidade de pessoas em habitações com pouca área e sem banheiro”, diz Célio Fernando. Eldair concorda com a grande capacidade de geração de postos de trabalho da construção civil. Mas aponta a venda como um forte obstáculo. “Você vai vender para quem se a renda está baixa?”, questiona. De acordo com ele, essa questão só será resolvida com o aumento da renda.
Incluir no mercado de consumo milhares de brasileiros que estão abaixo da linha de pobreza e da extrema pobreza será o “grande desafio”, aponta Célio Fernando para os próximos quatro anos do presidente Lula.
Célio Fernando sugere ainda a Parceria Público-Privada como caminho para melhorar a infraestrutura no Brasil. Seriam investimentos em ampliação e duplicação da malha viária, melhorando os corredores para escoar a produção. Os recursos, segundo ele, viriam de financiamentos internacionais. “Temos uma liquidez internacional, no momento de recessão mundial, que pode está dentro de um país com alto potencial de alavancar o mundo, sendo uma nova China”, aponta. “Agora, isso vai depender desse espírito empreendedor e de diálogo que possa construir o presidente (Lula)”, completa.
Mas os economistas alertam que o retorno não acontece de imediato. “O ponto de equilíbrio para o mercado como um todo, ainda de inflação, está situado em um patamar maior do que era mesmo antes da pandemia. E isso representa uma elevação de preços”, diz Célio Fernando.
As melhorias, insiste Eldair Melo, virão com o aumento da renda da população. “Melhorando a renda, melhora o consumo das famílias. Na hora que começa a melhorar o consumo, você vê aí puxando o agronegócio, o setor de supermercado”, argumenta. Porém, segundo ele, isso não acontece da noite para o dia, e por isso, em 2023, o governo que entra vai precisar reconstruir a economia do País para, em 2024 e 2025, retomar o crescimento.
Segundo Eldair Melo, os preços estabilizaram em alta, porque está havendo investimento e espera-se um retorno maior desse investimento. “E você encontra também, aqui no Brasil, em termos de perspectiva, uma redução da renda, o que faz esse controle de preços ser diagnosticado como uma inflação de custo e não de demanda”, aponta.
Essa inflação vai influenciar na política e no orçamento públicos para 2023. “Vai influenciar em dívida e, por consequência, na arrecadação”, argumenta o economista. “É todo um sistema interligado. Uma coisa que acontece lá na Ucrânia está influenciando de forma bastante forte aqui no Brasil”, comenta, completando que a guerra pegou a economia mundial despreparada.
Em meio a esse contexto, o Brasil também precisa corrigir questões fiscais. “Estamos batendo recordes de arrecadação tributária. Porém, esse recorde é fruto de um imposto inflacionário. Como as coisas se tornaram muito caras, as pessoas estão pagando mais impostos”, pontua Eldair Melo. Segundo ele, o Brasil deve fechar 2022 com inflação ente 8,8% a 9%.
“A situação de endividamento público é clara. A gente até poderia ter crescido em endividamento sim. Mas dentro de uma lógica que o retorno poderia ser melhor, aumentando a base arrecadadora e não a alíquota”, diz Célio Fernando. Eldair Melo acrescenta que o Brasil deveria ter um mercado regulado para o crescimento.
Os especialistas apontam o ano eleitoral como principal responsável pelo aumento da dívida pública. De acordo com Célio Fernando, o sistema brasileiro faz com que todo ano de eleições haja um aumento de gastos, mas que acaba colocando uma circulação de recurso muito grande.
“Temos um aumento do endividamento brasileiro diante do que foi posto, seja no Auxílio Brasil – sem discutir o mérito – e as emendas que foram colocadas para os deputados. Tudo isso existe. E poderia ser partido A ou B, porque tem sido uma constante na política brasileira”, afirma Célio Fernando.
De acordo com Eldair Melo, citando como fonte o JP Morgan, a dívida pública brasileira hoje está em 76% e vai terminar 2026 com 80%. “Isso não é ruim se o país crescer. O ruim é ter uma dívida alta sem o crescimento correspondente”.
Dentro desse quadro, os economistas projetam que, inicialmente, o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, promova uma reestruturação da economia. Tomando como base os outros dois governos do petista, eles acreditam que deve ser posta em prática uma política voltada para as estatais e de incentivo à educação.
Outra aposta que deve ser feita pelo novo governo brasileiro deve ser a retomada da economia inclusiva. “O Brasil, como celeiro do mundo, deve trabalhar a produtividade com o objetivo de desenvolvimento sustentável para a erradicação da fome. “São coisas assim que, mesmo numa economia inclusiva, pode trabalhar muito bem a economia de mercado”, comenta Célio Fernando.
Ele acredita que essa ação seja fundamental diante dos hiatos de vulnerabilidade, principalmente, quando se olha para o Ceará e o Nordeste como um todo. “A gente pode traduzir isso de várias formas. Uma parte em investimentos públicos e privados, cooperados, para setores que tenham dinâmica de geração de empregos e que possam também alavancar e serem backbones, isto é, alavancadores de outras cadeias produtivas”, sugere.
O novo governo também precisa fazer algumas reformas, como a política. Os especialistas acreditam que eleições a cada dois anos levam a uma lógica de ações de curto prazo, superficiais. Outra reforma importante, apontada por eles, é a tributária. Para melhorar o ambiente de negócios.
E o futuro do país, segundo os economistas, vai depender de como essas reformas serão feitas. Se vai acontecer uma reforma tributária estabelecendo o imposto único ou se vai optar por uma reforma administrativa e de contenção das despesas. Ou as duas coisas.
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