O soberano Sr. Mercado pede prudência. O posicionamento vale tanto para o cenário internacional, diante da situação crítica de recessão em curso vivenciada pela Europa e por outras economias como a China, e também para o Brasil, a depender da política fiscal a ser implementada pelo governo de Luís Inácio Lula da Silva, que terá que arrumar a casa. Quanto maior for a aventura envolvendo gastos fora do teto, maior será o impacto na inflação e nas taxas de juros, determinando, também, o nível de confiança dos investidores e o tamanho e a duração da retração econômica.
Economistas e analistas de mercado estão cientes de que a realidade no curto prazo é recessiva, atingindo praticamente todas as atividades em maior ou menor intensidade, dado o grau de abertura econômica internacional do Brasil.
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Álvaro Carvalho, professor e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE) entende que apesar da recessão já presente nos principais parceiros comerciais, o Brasil tem grandes oportunidades de negócios e sinaliza melhorias para 2024 e 2025. Isto porque tem terra, gente e tecnologia, além de insumos importantes como adubos e fertilizantes, mesmo que em volumes ainda insuficientes, para dar suporte à âncora-verde do agronegócio.
“Tudo dependerá das políticas a serem implementadas pelo novo governo que precisa terminar com a polarização e governar para um só Brasil que, cada vez mais, amplia a responsabilidade de alimentar o mundo que acaba de chegar a 8 bilhões de indivíduos”.
A seu ver, o agronegócio poderá contribuir para que o País repita o feito de um superávit de US$ 48 bilhões na balança comercial que deve ser equilibrada.
Além de terminar com a polarização político-partidária, que ainda persiste mesmo após a eleição, no entendimento de Álvaro Carvalho, o governo eleito terá que coordenar as diferentes políticas de modo a gerar postos de trabalho e combater a pobreza, sem aumentar a inflação. Uma equação desafiadora diante de tantas promessas de campanha. “A volatilidade do mercado financeiro é uma realidade que impacta diretamente a entrada de divisas estrangeiras”, afirma ele, lembrando que com as mídias sociais é imediata a repercussão de falas não muito claras de autoridades.
“Em 2023 o Brasil não deverá crescer porque tem que arrumar a casa, mais poupando do que consumindo”, afirma. E aponta a necessidade do governo de seguir rigorosamente as cinco políticas disponíveis a uma gestão pública responsável: monetária, cambial, social, balança de pagamentos e fiscal, esta última a cereja do bolo para diferenciar o Brasil no cenário mundial com estabilização econômica e retomada mais consistente do crescimento.
Para o Corecon, o Brasil precisa manter as parcerias internacionais de negócios,um diferencial positivo com o qual já conta o presidente eleito ao retomar a aproximação com as maiores nações. “O Brasil voltou ao radar do mundo, com maior visualização e com promessa de equilíbrio ambiental”, disse, citando a Noruega e a Alemanha que já retomaram os empréstimos interrompidos. Álvaro Carvalho cita como altamente favorável a negociação do Ceará com a Austrália no campo de energias renováveis, o que beneficia o Estado e o País. “É a indústria verde local que pode ser exportada, quem sabe até atendendo parte da demanda de gás da Europa, desassistida por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia”, antevê.
A TCP Partner,empresa de investimentos e gestão com presença em 18 Estados brasileiros e com 182 escritórios no mundo, é uma das que analisa com lupa o comportamento da economia européia e mundial e a estreita relação comercial com o Brasil. E o que vê é desaceleração.“Estávamos entusiasmados com a China até recentemente, que agora desacelerou e está em velocidade apenas moderada, projetando um cenário de recessão para o próximo ano”. Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partner.
O fato limita o crescimento brasileiro, fragilizando as demandas das exportações. Outra consequência prevista pelo economista é a perda de valor das commodities internacionais afetando igualmente o Brasil. Ele classifica como preocupante a resistência da inflação tanto na Europa quanto nos Estados Unidos com as respectivas taxas de juros também elevadas, situação que deve permanecer no primeiro trimestre de 2023.
Por conta disto, os setores mais afetados deverão ser o varejo pelo endividamento das famílias, da mesma forma que os bancos, que já começam a sentir (vide prejuízo do Bradesco) e a indústria, que não evoluiu da mesma forma que o agronegócio, além do turismo que será impactado diretamente.
No Brasil, simultaneamente à adoção de uma política fiscal moderada, será necessário, segundo Jacomassi, promover o avanço de medidas que acelerem a competitividade das empresas com investimentos,sempre comprometidos com as questões ambientais, para que o País atraia capital estrangeiro e nacional.
“Precisamos, desde já, de discursos oficiais e práticas bem alinhados que transmitam confiança para colhermos bons frutos”.
O pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (FGV NPII), Leonardo Paz, faz uma leitura diferente. Mais otimista, ele ainda não vê uma vertente robusta de grande recessão na Europa que cause estragos maiores ao Brasil, embora ache que a situação possa chegar lá. Top 3 como parceiro comercial e de investimentos do Brasil, junto com China e Estados Unidos, a União Europeia, se entrar em desaceleração mais grave e recessão, impactará fortemente o comércio com o Brasil, especialmente as exportações brasileiras, da mesma forma que o fluxo de investimentos ampliará a dificuldade de captar recursos de empresas europeias.
O economista entende que uma recessão mais profunda ainda não está no horizonte. E nem vê que este cenário possa ser uma grande oportunidade adicional ao Brasil como fornecedor de alimentos em função do conflito Rússia e Ucrânia. “O problema europeu não é exatamente acesso a alimentos porque o caminho para a movimentação de grãos da Ucrânia já foi resolvido com a distribuição para a própria Europa, para países de médio porte como Egito e Turquia e também para países pobres”, justifica ele.
Para Ana Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC),o momento é de alerta. Seguindo a corrente de alguns economistas de que a chamada Zona do Euro já está na antessala de uma recessão, apesar do certo alívio já registrado na pressão de custos, ela diz que alguns preços permanecem ainda altos repercutindo negativamente nos índices inflacionários, afetando a economia global, inclusive o Brasil.
“O cenário inclui aquelas empresas que exportam de forma expressiva para o continente europeu, além de resultar na perda de valor dos preços dos produtos comercializados com os países do bloco”.
A luz vermelha acenderá, entretanto, se o ambiente recessivo europeu atingir mais fortemente a economia da China, o maior parceiro comercial do Brasil.
Outro indicador para quem analisa o comportamento do mercado é o Consumo dos Lares Brasileiros medido pela Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS),responsável por quase 7,5% do PIB brasileiro. O presidente João Galassi se mostrou preocupado com os gastos fiscais do País, ainda que apóie a concessão do benefício de R$ 600,00 aos brasileiros mais necessitados. “Foi razoável e mais responsável a aprovação da PEC garantindo o auxílio por dois anos e não quatro”, ilustra ele, ciente de que essa política social pode ajudar o Brasil a continuar crescendo.
A falta de energia, especialmente no inverno europeu, preocupa os analistas pelos reflexos que podem desencadear no setor industrial, por exemplo. A Economist Intelligence Unit (EIU), divisão de pesquisa do Economist Group,dá uma ideia do que isto significa: somente a Alemanha – um dos principais parceiros comerciais do Brasil na Europa – depende de 35% do gás russo e aponta riscos de racionamento em indústrias de uso intensivo de energia citando, entre outros, o segmento siderúrgico, químico, de fertilizantes e fabricante de vidro.
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