Exatas 53 das 55 contribuições recebidas da consulta pública do Ministério de Minas e Energia apoiaram a proposta de ampliação para mais consumidores do direito de definir o fornecedor de energia, hoje restrito aos de maior porte. Parece uma obviedade, afinal, quem não quer ter a liberdade de escolha que sugere aumento de competição e redução de preços? A questão é se este modelo, consolidado nas principais economias mundiais, é economicamente viável e justo no Brasil, já que carrega pesados subsídios bancados por todos, beneficiários ou não dos descontos na conta de energia. Com a mudança, o mercado livre de energia passa de 38% para 48% do consumo nacional.
Pelo monitoramento da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), o mercado livre de energia tem avançado significativamente. Em janeiro de 2022 atendia 34,4% da demanda nacional por eletricidade. Em 12 meses, na onda de abertura do mercado, surgiram 49 novas comercializadoras de energia, totalizando 482 operadoras. O fato retrata a realidade do mercado livre de consumo de energia elétrica, onde 23 dos 26 estados brasileiros ampliaram sua participação neste tipo de contrato energético.
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Em linha com o Ministério, que rompeu a barreira dos 500 kW em vigor desde 1998, a Abraceel considerou um momento histórico a publicação da Portaria 50, em 27 de setembro de 2022. A Portaria concede para todos os consumidores de energia elétrica em alta tensão, o direito de migrar para o mercado livre de energia e escolher o fornecedor a partir de 1º de janeiro de 2024, e para o mercado de energia de baixa tensão a partir de janeiro de 2026.
“Nossas análises demonstram que não há empecilhos para a abertura do mercado, ambiente que oferece preços entre 30% e 40% menores, produtos e serviços customizados e mais liberdade de escolha”.
Rodrigo Ferreira, presidente executivo daAbraceel
A decisão permitirá que um grupo adicional de 106 mil consumidores de energia, com faturas mensais superiores a R$ 10 mil, busquem fornecedores e propostas que lhes tragam redução do custo de compra da energia e serviços mais condizentes e adaptados às necessidades de cada um. Hoje esse mercado é restrito para 0,03% dos consumidores. O mercado livre de energia responde atualmente por 38% do consumo de energia elétrica nacional, atendendo pouco mais de 30 mil consumidores. Com a abertura do restante do mercado de energia em alta tensão a partir de janeiro de 2024, o mercado livre de energia pode potencialmente vir a ser responsável pelo atendimento de 48% do consumo nacional.
A abertura do mercado de energia elétrica e o desenvolvimento do mercado livre de energia, na visão da Abraceel, é um caminho inexorável, no qual o Brasil vai se igualar, com atraso, ao que já está disponível em 36 países, incluindo toda a Europa. Nesses países, o consumidor é protagonista, está no centro da tomada de decisão e pode escolher empresas, produtos, serviços e ofertas que lhe atendam melhor. “Temos visão positiva de que poderemos estabelecer em breve um cronograma com datas para que o consumidor brasileiro de energia também possa usufruir os benefícios do mercado livre”, afirma Rodrigo Ferreira.
O Brasil é um país com um enorme e variado potencial energético, com muitas fontes renováveis e com grande perspectiva de crescimento, podendo oferecer energia em todas as regiões e em sazonalidades diferentes.
Outro argumento a favor do mercado livre é do seu papel indutor das energias renováveis. Mais de 80% do total de 45GW de energia elétrica centralizada está em fase de construção para entrar em operação até 2026 (projeção de mais de R$ 150 bilhões de investimentos nos próximos cinco anos). E as fontes de energia solar e eólica representam 82% da geração total em construção.
Se, de um lado, os comercializadores comemoram a expansão na liberalização do mercado elétrico de alta tensão com a inclusão de mais de 100 mil clientes a partir de janeiro de 2024, por outro, consultores especializados manifestam preocupação com os elevados subsídios envolvidos.
É o caso da PSR Consultoria, que há 35 anos atua no setor elétrico brasileiro e mundial redesenhando projetos públicos e privados. Para a consultora estratégica da PSR, Angela Magalhães Gomes, a opção de compra de energia livre é benéfica pelo lado da concorrência, porque pressionará para baixo os preços. “Concorrência é sempre bem vinda porque dará opções de escolha de fornecedor e amplia as condições de negociação de contratos”, comenta ela, “mas a que custos é o outro lado da moeda”, acrescenta ela ao lembrar que cada vez mais custos serão transferidos aos que não migrarem para o mercado livre de energia e que são, justamente, os mais fragilizados. A consultora Angela Gomes entende que os subsídios são muito elevados e chegam a 50% do valor da compra de energia incentivada.
O questionamento da PSR é também quanto à abrangência do benefício que chega com a mudança, incluindo, até mesmo, as Pequenas Centrais Hidreléticas (PCH) como fontes, o que “desestrutura a matriz energética brasileira, vista como uma das mais eficientes do mundo. O Brasil dá um passo à frente e dois para trás”, comenta.
Jonas Becker, coordenador estadual da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSolar) no Ceará, diz que como qualquer nova tecnologia ou sistema, a conta deste modelo energético começa sendo paga pelas classes mais altas e vai se tornando acessível a todos. Vide caso da indústria automotiva e de telefonia. Ele vislumbra um enorme potencial a ser explorado. “Somos mais de 200 milhões de consumidores no país com 100 milhões de unidades consumidoras/relógios e apenas 1,0 milhão gera sua própria energia”, ilustra.
A ABSolar ainda está dimensionando o acréscimo no uso de energia solar a partir da nova legislação de compra de energia,o que deverá elevar para além dos 20 Gigas de energia solar no Brasil (a Índia tem 100 Gigas). E o Ceará é o décimo maior consumidor de energia solar e o segundo do Nordeste, superado apenas pela Bahia.
A favor ou contra, a boa notícia é que a natureza foi muito benéfica com o Brasil. Há disponibilidade de gás barato para o pré-sal, hidrelétricas com custos mais baixos e energia solar e eólica abundantes, o que repercute também na redução dos custos da tecnologia para exploração.
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