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Decisão do STF sobre “coisa julgada” na área tributária gera polêmica

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na última quarta-feira, 8, que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre pagamento de impostos podem ser alteradas. A Corte também decidiu contra a chamada modulação. Ou seja, sem essa modulação, tributos que não foram recolhidos no passado poderão ser cobrados retroativamente, inclusive com juros e multa.


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A decisão, que se aplica a tributos recolhidos de forma continuada, caiu como uma bomba entre o empresariado brasileiro. Na sexta-feira, 10, o assunto foi tratado no 3º Summit do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Sescon-SP). Um dos palestrantes do evento, o ministro do STF, Luiz Fux, foi bastante duro ao comentar o que ele classificou como sendo o fim da coisa julgada – direito adquirido a partir de uma decisão judicial sem possibilidade de recursos.

“Nós tivemos uma decisão que destruiu a coisa julgada. Uma decisão que criou a maior surpresa fiscal para os contribuintes. Nós tivemos uma decisão com risco sistêmico absurdo, porque foi uma decisão genérica e que se aplica a todos os tributos. Não foi só uma decisão sobre a contribuição social, sobre o lucro. Ela vai pegar tributos; ela pode pegar coisa julgada de todas as naturezas”.

Luiz Fux, ministro do STF (Foto: STF)

Em dois recursos extraordinários – RE 955227 (Tema 885) e RE 949297 (Tema 881), de relatoria dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, respectivamente, o colegiado, por maioria, também considerou que, como a situação é semelhante à criação de novo tributo, deve ser observada a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou, no caso das contribuições para a seguridade social, a anterioridade de 90 dias.

Os recursos foram apresentados pela União contra decisões que, na década de 1990, consideraram inconstitucional a lei que instituiu a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e deram a duas empresas o direito de não a recolher. A União alegava que, apesar da decisão contrária, a cobrança poderia ser retomada desde 2007, quando o STF declarou a constitucionalidade da norma (ADI 15).

O julgamento dos recursos foi iniciado no início do mês, e já havia maioria no sentido da perda de efeitos das decisões definitivas sobre matéria tributária contrárias a entendimento, mesmo que posterior, do STF. Nesse ponto, o Plenário foi unânime.

Eficácia da decisão sobre “coisa julgada”

Em relação ao marco temporal, prevaleceu o entendimento do ministro Barroso de que, a partir da fixação da posição do STF em ação direta de inconstitucionalidade ou em recurso extraordinário com repercussão geral, cessam os efeitos da decisão anterior. Seguiram essa corrente os ministros Gilmar Mendes, André Mendonça, Alexandre de Moraes, e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber (presidente).

O ministro Edson Fachin, que defendia a cessação dos efeitos a partir da publicação da ata desse julgamento, ficou vencido, juntamente com os ministros Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Luiz Fux e Dias Toffoli, que retificou o seu voto quanto ao marco temporal.

“Aquilo me incomodou muito, porque eu tive uma formação muito sólida. E nessa formação sólida sempre se dizia que, na catedral do Direito, no altar mor, está a coisa julgada. A coisa julgada tem compromisso com a estabilidade e a segurança social. Agora, se a gente relativiza a coisa julgada: vale a segunda, não vale a primeira, por que não é a terceira? E a quarta e a quinta? E quando é que nós vamos ter a segurança jurídica? Essa tal de previsibilidade que a gente não vive sem nem em casa”, criticou Fux, durante sua fala no 3º Summit do Sescon-SP.

De acordo com ele, o que ocorreu “foi uma decisão que autorizou o desfazimento daquelas pessoas que já estavam tranquilas quanto a coisa julgada”. O ministro disse ainda que essa não pode ser uma solução definitiva.

“Nós sabemos que as decisões são vinculantes para as partes do Judiciário. Mas não é vinculante para o Legislativo. É muito importante que haja uma preocupação severíssima com as consequências dessa decisão, porque, trocando em miúdos, a decisão é a seguinte: se o seu contribuinte tem a coisa julgada, ele não pode dormir com tranquilidade, porque pode surgir um precedente que venha desconstituir algo que foi julgado dez, quinze, dezesseis anos atrás”, destacou o ministro.

Segundo Fux, o país, que promete nos direitos fundamentais a segurança jurídica, não pode se dar ao luxo de romper a coisa julgada. “A coisa julgada é um valor importantíssimo a quaisquer dos senhores, porque os senhores trabalham com 63 tributos, tem que calcular contribuições, impostos, e é muito importante que os senhores ofereçam esse trabalho sabendo que aquilo ali é a certeza que o contribuinte quer ter”, afirmou, sendo bastante aplaudido pela plateia de contadores.

Mercado recebeu a decisão da “coisa julgada” como insegurança jurídica

Assim como Fux, o mercado reagiu à decisão do STF como uma possibilidade de insegurança jurídica. Em seu Linkedin, Fredy Albuquerque, professor e membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), disse que a Suprema Corte acabou de concluir um dos julgamentos mais importantes em Direito Tributário (com reflexo em diversas outras áreas).

Na análise dele, a decisão superveniente do STF altera automaticamente os efeitos da coisa julgada em relações tributárias de trato continuado, desde que ocorram em controle concentrado de constitucionalidade, com efeito erga omnes ou repercussão geral. Mas não impactam em relação aos julgamentos em controle difuso de constitucionalidade, que vinculam apenas os envolvidos.

Albuquerque explica que, no caso da CSLL, apesar da Corte haver se manifestado inúmeras vezes pela constitucionalidade da lei que a instituiu (Lei 7.689/88), não havia ainda proferido nenhuma decisão em controle concentrado quando da lavratura do auto de infração (2006). “Ou seja, a coisa julgada deveria ser respeitada e a autuação desconstituída”, destacou.

O professor esclarece ainda que, não obstante, o STF decidiu que o primeiro julgamento sobre a matéria com caráter geral, ocorrido em 2007 (ADI 15), criou (nas palavras do Relator) “norma nova e em sentido contrário ao pleito dos contribuintes, vinculando todos à constitucionalidade da instituição da CSLL pela Lei nº 7.689/1988, de modo a prevalecer sobre a coisa julgada individual.

“Ou seja, modificou todos os efeitos de todos os processos com trânsito em julgado até então, devendo os contribuintes passarem a recolher o tributo a partir de então, automaticamente”.

Considerando que tal decisão tem repercussão geral, Albuquerque afirma que a mesma impacta automaticamente todos os processos em trâmite no CARF, por exigência do seu Regimento Interno (art. 62, § 1º, II, b), repercutindo em relação às exigências de CSLL havidas a partir do ano de 2007, ainda que o STF só tenha pacificado o assunto no ano de 2023 (ou seja, há um passivo acumulado de 16 anos, ainda que o contribuinte tenha deixado de recolher o tributo por decisão judicial transitada em julgado).

“Tal julgamento representa um marco na interpretação constitucional relacionada às discussões judiciais de exações tributárias. A partir dele, todos os contribuintes devem levar em consideração que os julgamentos supervenientes do STF podem afetar processos vencidos há décadas, com as devidas repercussões financeiras e jurídicas”, comentou Albuquerque.

Barroso explica os principais pontos da discussão

De acordo com o site do STF, o ministro Luís Roberto Barroso, que conduziu a tese vencedora no julgamento, explicou os principais pontos da discussão. Segundo ele, não se pode falar em prejuízo às empresas uma vez que, no caso em debate, o STF validou o imposto em 2007 e, desde então, as empresas deveriam ter passado a pagar ou no mínimo ter provisionado recursos para esta finalidade.

“A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que o tributo era devido, continuar a não o pagar ou a não o provisionar. (…) A partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”, afirmou o ministro.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF (Foto: STF)

Sobre quais tipos de tributos o STF se pronunciou?

A decisão que estipulou a perda de efeitos de uma sentença definitiva (transitada em julgado, sem possibilidade de recurso), caso o Supremo tome uma decisão contrária, foi unânime e vale apenas para tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, aqueles cuja cobrança se renova periodicamente, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Nos casos dos tributos cobrados uma vez só, como, por exemplo, o ITBI, que incide sobre a venda de um determinado imóvel, se houver uma decisão transitada em julgado, como a relação é única, esse direito permanece, mesmo após decisão contrária do STF sobre o tema.

Conforme o ministro Barroso, o STF entendeu que no caso das relações tributárias continuadas uma decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde a eficácia após decisão do STF, reconhecendo sua validade. Isso faz com que a retomada do pagamento seja obrigatória, mesmo para os contribuintes que já tinham decisões definitivas de outras instâncias desobrigando o recolhimento. Mas ele deixou claro: não se cobra para trás. Somente para frente, após a decisão do STF de 2007.

Porque o STF reverteu nesses casos a “coisa julgada”?

O ministro salientou que a coisa julgada – o direito adquirido a partir de uma decisão judicial sem possibilidade de recursos – vale enquanto permanecerem as mesmas condições fáticas e jurídicas. No entanto, quando a Suprema Corte decide que um tributo é devido, a partir daquele momento, todos têm que pagar.

Barroso destacou a importância de que um determinado tributo incida sobre todos os atores do mercado, caso contrário, quem tiver obtido uma coisa julgada antiga tem uma vantagem competitiva em relação aos concorrentes, em decorrência da desigualdade tributária.

Qual foi o caso concreto decidido?

Em 1992, algumas empresas conseguiram na Justiça o direito de não pagar a CSLL, e o caso transitou em julgado em outra instância. Porém, em 2007, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15, o STF afirmou que a contribuição era constitucional e deveria ser paga. O Supremo se pronunciou no sentido de que a partir daquela decisão, todos deveriam ter passado a pagar o tributo.

O entendimento valerá para todos os processos?

A decisão foi tomada em sede de repercussão geral. Portanto, a decisão valerá para todos os casos semelhantes que corram em outras instâncias.

A partir de quando as empresas terão que pagar os valores?

Pelo entendimento dos ministros, se o tributo for imposto e considerado constitucional, ele só será cobrado no ano seguinte. Se for contribuição, três meses depois da decisão.

O ministro Barroso esclareceu ainda que no caso da CSLL, por ter uma inequívoca decisão anterior do Supremo afirmando que o tributo era devido, a Corte entendeu que não deveria fazer a chamada modulação e determinou o recolhimento dos valores passados, respeitado o prazo de prescrição. Caso haja outro tributo, em situação fática ou jurídica distinta, o STF poderá decidir se haverá ou não modulação.

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