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O que o autor propõe não é lançar uma solução para a difícil equação, mas ampliar o espectro da discussão acerca da sustentabilidade. (Foto: Arquivo pessoal)

Sustentabilidade Insustentável?

Por: Celso Torres | Em:
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Tem se tornado cada vez mais clara a necessidade e a urgência de uma transição energética, inclusive como passo importante na construção de uma economia de baixo carbono.


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A grande relação dos combustíveis fósseis com a crise climática que enfrentamos globalmente os coloca como um alvo comum nas mais variadas frentes de mitigação dos riscos ambientais.

Sabemos que do jeito que está não podemos seguir. No entanto, até onde podemos e devemos chegar em nome da transição para uma economia de baixo carbono?

Carros elétricos, baterias, turbinas eólicas, painéis solares e milhares de quilômetros de fios de transmissão. Esses equipamentos, essenciais para a descarbonização da economia, vão elevar a demanda por minerais como cobre, lítio e níquel a patamares inéditos.

Mas isso deve ser tomado com cautela e profundidade.

Tomemos o exemplo do lítio, um dos principais componentes de dispositivos eletrônicos e fonte de veículos elétricos. O deserto do Atacama, no Chile, possui uma das maiores reservas mundiais do metal, o que torna o local um destino vantajoso para as mineradoras do chamado “ouro branco”. Ainda que valiosa para os caminhos atuais rumo à transição energética, a mineração do lítio tem causado graves prejuízos socioambientais na região.

Em uma região naturalmente árida como o Atacama, a utilização de grandes quantidades de água para a mineração provoca incontáveis danos: as empresas mineradoras bombeiam água subterrânea para extrair o lítio das salinas do deserto, o que tem levado a uma redução significativa do lençol freático e, consequentemente, à falta d’água destinada ao consumo e utilização das comunidades locais.

A extração deste metal, que oferece ao Chile o posto de segundo maior exportador do mundo – atrás apenas da Austrália –, tem afetado também a biodiversidade do deserto. Os enormes campos de mineração foram construídos a partir da destruição de milhares de hectares, ora habitat natural para diversas espécies de plantas e animais, algumas inclusive endêmicas. Evidentemente, tal destruição gera grande desequilíbrio na cadeia alimentar local e deve provocar a perda da biodiversidade local.

Para além do lítio, outros metais podem ser utilizados como exemplo para ilustrar tamanho desafio. Enquanto a demanda mundial por cobre aumenta, o Chile também vê sua poluição crescer exponencialmente. A produção deste metal, também utilizado de forma ampla na geração, armazenamento e transmissão de energia renovável, requer métodos de extração altamente poluentes: após o processo de mineração das rochas, é realizada a fundição do cobre a temperaturas muito altas, o que aumenta radicalmente as emissões de gases de efeito estufa no país.

As comunidades são, muitas vezes, deslocadas de suas terras de origem para dar lugar às minas de cobre no Chile. Temos visto, também, que a mineração tem afetado a saúde das pessoas que vivem nas proximidades dessas áreas, com foco nos casos de doenças respiratórias e outros problemas de saúde relacionados à exposição aos poluentes liberados pelas minas.

Estamos diante, portanto, de uma difícil equação a ser enfrentada: como dar continuidade à extração de metais atualmente tidos como preciosos para a transição energética se, em contraponto, há uma série de impactos ocultos provocados por sua mineração? As comunidades locais do norte do Chile têm buscado reagir a esses impactos e, há mais de quatro anos, deram início a uma disputa legal com a SQM (Sociedad Química y Minera de Chile), uma das principais empresas mineradoras do país. Esta realidade também se repete no norte da Argentina e da Bolívia, outros territórios caracterizados pela abundância do lítio.

Casos como este representam aquilo que alguns pesquisadores da sustentabilidade têm olhado com maior atenção nos últimos anos: Benjamin Sovacool, por exemplo, mostra como a construção da economia de baixo carbono, no modelo até então desenvolvido, afeta diretamente a vulnerabilidade das comunidades locais, que constantemente estão à margem dos espaços de decisão acerca do meio ambiente e da sustentabilidade. O autor fala sobre algumas das injustiças implementadas em nome da “mitigação da crise climática”, injustiças essas muito pouco discutidas no setor privado.

Sobre este assunto, a EuroNews publicou, em 2022, uma reportagem que vale a pena ser lida. Seu título – “Os campos de lítio na América do Sul revelam o lado obscuro do nosso futuro ‘verde'” – nos mostra exatamente aquilo que precisamos ter no radar sobre o tema: não faz sentido utilizar meios obscuros e prejudiciais ao meio ambiente para construir um futuro verde.

Destruir o solo e a biodiversidade da América do Sul para oferecer soluções supostamente sustentáveis para “o mundo” (sobremaneira, o mercado consumidor dos Estados Unidos e da Europa) parece mais uma prática colonial, implementada por vezes ao arrepio da profunda reflexão que o contexto demanda.

O que proponho não é lançar uma solução para a difícil equação, mas ampliar o espectro da discussão. Trazer para a mesa dos debates elementos de uma realidade igualmente relevante. Elementos que nos auxiliem a construir caminhos cada vez mais sustentáveis para essa transição.

Como se diz na expressão popular: “o buraco é mais embaixo.” E, com o perdão do trocadilho, quando se fala em mineração, ainda que para sustentar a eletrificação da economia, o buraco fica bem mais embaixo do que qualquer escavadeira já foi.

Celso Torres sustentabilidade

Celso Torres é especialista em ESG, sócio do escritório Torres Teodoro Advogados e head de Sustentabilidade da Esphera Soluções Ambientais.

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