TrendsCE

Revitalização de espaços como agente de transformação social e econômica

A revitalização de espaços, sobretudo em áreas urbanas, tem crescido no Brasil e em todo o mundo nas últimas décadas. As mudanças com o processo melhoram as condições de vida da população. E isso é possível por intermédio da promoção, da construção e da recuperação de equipamentos de infraestruturas e da valorização do espaço público. São medidas – muitas delas simples, porém eficazes – que promovem a dinamização social e econômica e objetivam criar uma nova realidade. E no Ceará, principalmente em Fortaleza, existem casos de sucesso de revitalização, alguns deles, inclusive, que chamam a atenção nacionalmente.


Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente.


Laura Rios, arquiteta e urbanista, professora e curadora do curso de pós-Graduação em Arquitetura e Projetos Sustentáveis da Unifor e uma das idealizadoras do Estar Urbano ateliê de Arquitetura e Urbanismo, afirma, categoricamente, que a revitalização dos espaços gera impactos na economia, na segurança e fomenta a cidadania, uma vez que permite a participação e o empoderamento do cidadão. Só há “vida” se houver um ambiente propício a vida, que gere abundância, segurança e confiança mútua. Isso vale para todas as escalas, desde uma rua a um país – frisa.

“O que é revitalização? Primeiro, partimos do princípio que revitalizar, ao pé da letra, é devolver a vitalidade dos espaços. E a vitalidade não depende só de uma infraestrutura, apesar de ser imprescindível para qualquer espaço da cidade. A vitalidade vem das pessoas que dão sentido ao lugar, que fazem o bom uso para atividades prósperas e saudáveis. Para sugerir soluções de revitalização dos espaços públicos é preciso ter uma visão sistêmica do lugar. Entender bem os desafios do lugar e, principalmente, ouvir e observar os atores locais”.

Laura Rios, arquiteta e urbanista.

Para Laura Rios, não existe fórmula pronta que seja replicável em todos os lugares. Pelo contrário, é a diversidade de soluções e a criatividade delas que fazem a diferença. Ela explica que existem hoje uma infinidade de metodologias para revitalizações, mas quase todas partem de três passos básicos: o entendimento do problema do território, a cocriação de soluções e, por último, a implantação estratégica. No entanto, ela acrescenta, ainda como imprescindível, a mensuração dos impactos socioambientais do projeto de revitalização. Só mensurando resultados podemos aprender, ajustar e melhorar as soluções.

A Arquiteta e Urbanista e professora da Unifor acredita que é possível, com o processo de revitalização, transformar o perfil socioeconômico de uma determinada área. Mas, adverte: as respostas não são imediatistas, assim como as intervenções não podem ser pontuais.

“Deve haver continuidade e monitoramento para que os resultados aconteçam. Esse é o maior desafio de todos, hoje, uma vez que temos uma cultura de querer sanar tudo rapidamente, somada aos vícios da descontinuidade das políticas públicas no Brasil”.

Algumas intervenções em espaços

Em Fortaleza, Laura Rios já atuou em vários em várias ações, como na Praia de Iracema, numa parceria da Bloomberg com a Prefeitura Municipal de Fortaleza, quando foi realizada uma mudança na circulação de veículos e com pinturas lúdicas e simples, somada a agendas culturais, resgatando uma vivência cultural no envolto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Praia de Iracema). 

“Fizemos também uma revitalização numa rua próxima ao Hospital São Carlos (Bairro São João do Tauape), onde instalamos a primeira rua compartilhada de Fortaleza. O espaço era absolutamente inócuo e hoje é bastante ocupado por moradores, funcionários do hospital a até clientes do hospital. É um trecho ínfimo, de um pouco mais de 40 metros de rua, mas que conectava a entrada do hospital a uma praça. Essa visão do que ela podia ser, atrelada a um projeto simples e bem pensado, fez um ótimo efeito de revitalização”. 

Outro projeto, realizado em parceria com a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas (FCDL), que se chama Olhar a Cidade, promove a revitalização de ruas comerciais tradicionais de cidades do interior. Laura Rios conta que a primeira ação do projeto foi em Ipu, inaugurada há uns dois anos.

“O comércio local reagiu muito bem ao movimento que o projeto trouxe, mesmo em tempos de pandemia. A intervenção foi apenas em uma quadra, alargando calçadas, instalando mobiliários, iluminação adequada, parklets e paisagismo abundante. Os próprios comerciantes cuidam das instalações e tem promovido agendas culturais na rua. Isso só acontece porque todos participaram de decisões do projeto. Foram ouvidos e convidados a somar. Acredito muito nessa força do coletivo. A FCDL foi extremante importante na estratégia de implantação e articulação entre os envolvidos”.

Beco Céu no “inferninho”: comunidade beneficiada

“Mais do que uma ONG: uma revolução na favela” é o lema do Instituto Pensando Bem. Aliás, é como a Organização se auto define em sua página na internet. A Instituição realiza um grande trabalho, como, por exemplo, no Beco Céu, situado na Favela Inferninho, no Bairro Vila Velha, em Fortaleza. Antes da iniciativa, era um espaço abandonado e esquecido, mas com a potencialidade de transformação. Justamente através disso, o Pensando Bem teve uma missão: revitalizar e ressignificar o local. O Beco Céu foi transformado em um espaço criativo de transformação, frequentado e valorizado pelos moradores da comunidade”.

Atualmente, com mais de 500 metros, o espaço é um local de convivência que gera oportunidades através de diversas atividades para as famílias e promove interações interpessoais

“Além disso, oferece aulas periódicas gratuitas para crianças, jovens e adultos da comunidade, gerando conexões e interações entre todos os moradores. O Beco Céu é um exemplo de iniciativa social que transformou a realidade de uma comunidade na favela”. Em pouco mais de três anos, o Pensando Bem já atende mais de 420 famílias e realiza cerca de três mil atendimentos mensais e mais de 20 oficinais, proporcionando infinitos sorrisos”.

Railson Marques, cofundador do Instituto Pensando Bem, coordenador do Polo de Educação, Esporte, Tecnologia e Sustentabilidade (PEETS), professor do curso Jovem Carcará de inteligência emocional e qualificação profissional para jovens, afirma que, no Pensando Bem, a máxima é: “lugar revitalizado, revitaliza pessoas. Quando a gente revitaliza um espaço em território através da arte, a gente traz um novo significado para aquele território. Então, a gente gera alegria, a gente gera convivência, a gente gera um novo significado para aquele território”.

Ele enfatiza que o principal trabalho foi revitalizar o espaço Beco Céu, que antes era totalmente abandonado. Na verdade, era um canal a céu aberto que a Prefeitura. Passaram a surgir vários problemas. O principal deles foi a questão das enchentes. A população acabou saindo de dentro do beco, que ficou abandonado. Mas hoje, depois de receber o projeto, a realidade do Beco é totalmente diferente. Está transformado e revitalizado, com a base educacional dentro – observa.


“Realmente é um lugar que tem um novo significado, que antes era usado pra point de tráfico e uso de drogas e hoje é um beco educacional completo. Temos aulas de esporte, de educação complementar, de empregabilidade, qualificação profissional, tudo dentro do beco.  É o carro chefe, digamos assim, do Pensando Bem.”

Railson Marques, cofundador do Instituto Pensando Bem


Sobre as dificuldades encontradas para revitalizar espaços, ele cita como principal a questão financeira, ou seja, de arrecadar verbas.

“Quando você vai revitalizar um espaço, o custo é muito alto, tudo dependendo da revitalização programada. Então, você tem que buscar pessoas que acreditem no projeto, que acreditem que revitalizar um espaço vai trazer um benefício para comunidade. Mas, é sempre um desafio”. 

 Instituto criado há três anos

O Pensando Bem nasceu em 2020 com o objetivo de transformar a Favela de dentro para fora, justamente por acreditar que é possível mudar a realidade das pessoas potencializando sonhos através de oportunidades e inovação social. E é isso que tem sido buscado fazer desde então. Em 2021, o Instituto foi acelerado pela Gerando Falcões, a maior rede de ONGs do Brasil. “Isso foi um grande passo para o crescimento do Instituto e para a expansão do nosso trabalho na Favela”. Beco Céu, que é a base educacional, é um território criativo que surgiu dentro da própria Favela. É um lugar onde os moradores podem se sentir acolhidos e onde podem ter acesso a oportunidades que antes eram inalcançáveis. 

Da comunidade, o que se espera é que, depois de revitalizado, o espaço seja preservado. Para concluir, ela informa que existem pretensões para novas revitalizações, mesmo porque é um trabalho contínuo. “A nossa ideia é realmente expandir essa revitalização territorial para comunidade inteira. A gente está aí correndo atrás para poder, quem sabe até o final do ano, termos novas mudanças, novas revitalizações na comunidade”

Projetos de transformação urbana tem um papel importante

Em artigo publicado na WRI Brasil Cidade Sustentáveis, que faz parte do WRI Ross Center for Sustainable Cities, a analista de comunicação Paula Tanscheit afirma que nada se mantém intacto sem conservação e preservação. Com as áreas urbanas isso não é diferente. Num momento em que o mundo busca qualificar as cidades em prol do meio ambiente e da saúde da população, projetos de transformação urbana desempenham um papel importante. Diferentes formas de intervenções nas cidades podem alterar áreas construídas ou espaços públicos com o objetivo de tratar questões sociais ou até reativar a economia local.

“As práticas de renovação, requalificação, revitalização e reabilitação urbana são acionadas para contribuir para a resolução de uma ampla série de problemas urbanos. Primeiro, é preciso diferenciar os termos que são muitas vezes usados como sinônimos, mas não têm exatamente o mesmo significado. Brevemente: revitalização trata de recuperar o espaço ou construção; renovação trata de substituir, reconstruir, portanto pode alterar o uso; requalificar dá uma nova função enquanto melhora o aspecto; e a reabilitação trata de restaurar, mas sem mudar a função. Cada um desses processos gera, portanto, resultados diferentes para a área urbana.” .

Paula Tanscheit, analista de Comunicação

Mas para ela, todas, no entanto, estão ligadas à mesma ideia: transformar e regenerar espaços, zonas ou áreas urbanas a fim de rejuvenescê-las através da reconstrução de prédios ou de espaços públicos. Esses processos surgem da necessidade de resolver questões econômicas, sociais ou ambientais. Para que a população possa usufruir e ser impactada de forma positiva pela área transformada, o planejamento deve apoiar-se na participação da comunidade.

Muitas vezes liderados por governos em parcerias público-privadas, esses projetos precisam da participação da sociedade para que atendam suas necessidades e não acabem afastando a comunidade local. Essa é uma das críticas comuns a esse tipo de intervenção, nas quais muitas vezes grandes empreendimentos são construídos sem qualquer conexão com a realidade local. 

Paula entende que novos modelos de transformações urbanas devem reconhecer que a mudança não pode mais ser responsabilidade de um único ator, organização, instituição ou setor. A mudança precisa de coalizões e movimentos de múltiplos atores, tanto do lado da demanda quanto da oferta, da inovação e da intervenção.

Em sua análise, Paula cita um relatório baseado em estudos de caso feitos em cidades como Londres, Sydney, Melbourne, Hamburgo e Nova York que apresenta dez princípios para a renovação urbana que levam em conta o interesse do público. A renovação fala em reconstruir. Porém, os princípios elaborados pelos pesquisadores beneficiam também planos de revitalização, requalificação e reabilitação. 

O levantamento, realizado pela agência SGS Economics and Planning, considera as críticas aos processos de renovação apenas um reflexo de ações realizadas sem a perspectiva e a contribuição da sociedade: 1. Criar um “valor compartilhado” para o interesse público de longo prazo; 2. Desenvolver o planejamento com as partes interessadas; 3. Construir uma visão de longo prazo; 4. Pensar nos termos não negociáveis, incluindo padrões de desenho; 5. Acordar em um projeto financeiro razoável; 6.Estabelecer objetivos claros de desenvolvimento; 7. Estabelecer opções claras de desenvolvimento para alcançar objetivos; 8. Incorpore o sentido de “local” e reintegre com o entorno; 9. Avaliar as opiniões sob uma perspectiva holística com o objetivo de maximizar os benefícios da comunidade; 10. Alinhar o modelo de contratação com a visão de planejamento. 

Sair da versão mobile