A recente mudança anunciada na estratégia da Shell de reduzir a atenção e os investimentos diretos em parques eólicos e solares para voltar a apostar em projetos de petróleo e gás que resultaram em lucros recordes recentes é o exemplo mais recente de como as maiores empresas de energia do mundo estão rejeitando um movimento crucial para reduzir as emissões de dióxido de carbono.
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A BP já havia, anteriormente, diminuído sua meta de cortar a produção de combustíveis fósseis. No Brasil, a Petrobras assinou memorando com a Equinor para avaliar o potencial de parques eólicos em alto-mar, mas, ao mesmo tempo, o novo CEO, Jean Paul Prates, reiterou que a exploração de petróleo e gás continuará a ser a prioridade nos próximos anos.
A volta a uma dedicação mais intensa ao setor de petróleo e gás pode até ser um sinal preocupante para investidores e formuladores de políticas públicas que buscam uma transição energética mais rápida, mas também têm o efeito de ampliar os caminhos para empresas que são originalmente do ramo de energia renovável. Elas incluem a espanhola Iberdrola, a dinamarquesa Orsted e a alemã RWE.
“Empresas petrolíferas se afastando das energias renováveis não é algo bom para a mudança climática, mas é bom para os concorrentes”, disse Deepa Venkateswaran, analista da Sanford C Bernstein. “Se tivessem decidido subsidiar energias renováveis com os lucros do petróleo e do gás, e eles estavam dispostos a aceitar retornos mais baixos, isso não seria bom para o setor de utilities.”
A mudança é mais notável no setor eólico offshore, em que as empresas de petróleo usaram sua força financeira para ganhar leilões a preços recordes nos Estados Unidos e na Europa. Isso, junto com a inflação e as restrições na cadeia de suprimentos, ajudou a virar de cabeça para baixo a economia do setor, crucial para descarbonizar a matriz energética.
Em poucos anos, a Shell deixou a ambição de ser a maior produtora de energia do mundo para uma empresa sem qualquer meta de produzir energia limpa – ao menos por meio da matriz, dado que ela é acionista da Raízen (RAIZ4) em uma joint venture com a Cosan.
A gigante brasileira é um dos maiores players de combustíveis renováveis do mundo e lidera a frente de desenvolvimento do chamado etanol de segunda geração, como revelou em detalhes o CEO Ricardo Mussa.
A Shell, por sua vez, planeja investir seis vezes mais em combustíveis fósseis do que em energia limpa nos próximos anos, de acordo com uma atualização de estratégia na semana passada. Enquanto isso, a BP quer redirecionar seus investimentos em fontes com baixa emissão de carbono para áreas mais lucrativas, como biocombustíveis e lojas de conveniência, ao mesmo tempo em que fica mais seletiva com os projetos.
Mas, mesmo com a mudança das grandes petroleiras, não há sinais de que os esforços para a transição para uma economia de baixo carbono estejam diminuindo. Neste ano, a energia limpa deve atrair um investimento recorde de US$ 1,7 trilhão – cerca de dois terços a mais do que o investimento global em combustíveis fósseis, segundo dados da Agência Internacional de Energia (AIE).
Os números recordes devem marcar o oitavo ano consecutivo em que a energia verde terá atraído mais recursos. Só o investimento em energia solar ultrapassará os valores que serão direcionados para a produção de petróleo pela primeira vez, prevê a AIE.
A maior parte desse dinheiro é destinada a projetos de energia renovável que serão a espinha dorsal para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Eles incluem desde projetos pequenos como painéis solares em telhados a parques eólicos multibilionários no Mar do Norte e no Oceano Atlântico ao longo da costa dos EUA e da China.
Ainda assim, os tempos têm sido difíceis para as principais empresas de energia renovável nos últimos anos. Mesmo com a implantação de projetos de energia eólica e solar batendo recordes, os negócios estão sendo prejudicados pela alta da inflação e o aumento das taxas de juros.
Os custos das enormes turbinas de aço aumentaram tanto – mais de 20% desde o final de 2019 – que colocaram alguns projetos em risco. E a energia eólica, melhor aproveitada no mar, é um negócio atraente para as petrolíferas com experiência em grandes projetos offshore.
“A maneira como os mercados lidam com a guerras de preço é a partir das oscilações. Se a Shell está pestanejando, isso aliviará a pressão de preços”, disse Michael Liebreich, ex-CEO da BloombergNEF e consultor de energia que assessorou a Shell. “É a normalização tradicional do mercado”.
A concorrência tem sido um problema central para a indústria eólica, e os governos esperam que os avanços tecnológicos e a escala continuem a reduzir os preços. Por outro lado, as seguidas quedas nos preços, especialmente quando os custos aumentam, não são sustentáveis e colocam o crescimento das energias renováveis em risco de esfriamento.
A saída de alguns players pode facilitar que as empresas que ficaram elevem os preços a um patamar considerado sustentável, acelerando os investimentos. “Está ficando cada vez mais claro que não é fácil ganhar dinheiro com energias renováveis e é aí que está a diferença entre nós e a maioria dos outros atores”, disse Mads Nipper, CEO da Orsted. “Somos mais experientes nisso e provavelmente melhores do que eles.”
*Com informações da Bloomberg.
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