“Camarão que dorme a onda leva” é o título de um pagode de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço que pode, de certa forma, traduzir a realidade da carcinicultura brasileira, sobretudo quando o assunto é exportação. De grande produtor/exportador, o Brasil amargou queda, sendo superado, inclusive, pelo Equador, que em 15 anos alavancou, vertiginosamente, a produção e exportação. Foi uma distração do setor (nacional) ou era algo previsível? Quais as causas? O fato é que os empresários da carcinicultura estão reagindo e querem reverter a dura realidade em relação ao mercado internacional. A iniciativa faz jus até a outro trecho da letra: “hoje é dia de caça, amanhã de caçador”. Enquanto isso, o mercado interno vai muito bem, obrigado.
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Para o presidente da Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), Itamar Rocha, a queda das exportações ocorreu, basicamente, pela “total falta de apoio”, em termos de financiamentos para investimentos e custeio operacional, afora a grande deficiência em termos de unidades de processamento com capacidade e disponibilidade para elaborar produtos que possam acessar o mercado internacional. Tudo isso somado a falta de acesso aos mercados da União Europeia. Desde 2017 o Brasil não pode exportar pescado para a UE e para a China.
Para reverter a situação atual do setor, Itamar Rocha diz serem urgentes medidas para desburocratizar o licenciamento ambiental e a captação de recursos financeiros; apoiar as importações de reprodutores geneticamente melhorados; incentivar a estruturação de unidades de processamento e agregação de valor e apoiar a participação em Feiras Internacionais de Pescados, a fim de promover o camarão e reativar as exportações. Ele lembra que o camarão cultivado do Brasil já ocupou a liderança nas importações (produto pequenos e médios) dos Estados Unidos (2003) e de camarão tropical da União Europeia, isso em 2004.
Nos últimos dez anos, o setor voltou suas atenções para a superação de problemas sanitários e no abastecimento do mercado interno. Consequentemente, as vendas ao exterior foram pontuais e apenas uma vez superaram as mil toneladas. Assim, além de alavancar a produção do País, outro desejo antigo dos carcinicultores também é voltar a exportar camarão em grandes volumes.
“O retorno ao mercado internacional se dará com camarões pequenos/médios inteiros, com foco na base da pirâmide consumidora da China, Europa, além de camarões pequenos e médios sem cabeça para os EUA. São onde o produto brasileiro será sempre altamente competitivo.”
Itamar Rocha, presidente da ABCC
Ele afirma que o setor não pôde exportar para a China, que será o maior importador mundial de camarão em 2023, simplesmente porque não houve interesse por parte do governo brasileiro. “Em 2002 e 2003, o Brasil produziu 90.190 toneladas e exportou 58.455 toneladas, mais camarão marinho cultivado do que o Equador, país onde seus produtores de camarão não enfrentam os mesmos entraves burocráticos confrontados pelos produtores brasileiros. Temos esse brutal diferencial de desempenho produtivo” – ressalta.
O Ceará – exemplifica – exportou 21.178 t (36,5%) do volume exportado pelo Equador (58.011 t). No entanto, em 2022, o Ceará exportou apenas 34,77 toneladas, “comparado com 1.061.000 toneladas (US$ 6,65 bilhões) do Equador. Os motivos estão claros: falta de políticas públicas e comprometimento com o desenvolvimento de uma atividade nobre, que não depende de investimentos estruturadores governamentais. O setor utiliza farelo de soja (40%), que o Brasil exporta como commodity, mas que se estivesse no corpo do camarão cultivado teria um upgrade de 200-300%”.
Graças a um esforço particular dos produtores – informa –, o setor conseguiu atravessar o período da pandemia confrontando queda nos preços e obteve um crescimento na produção: de 90 mil toneladas em 2019, para 120 mil toneladas em 2021. Itamar Rocha enfatiza que o mercado interno está mais vantajoso, uma vez que suporta o preço praticado pelos produtores, que entra em recuperação depois de anos estagnado e passa a dar sustentabilidade econômica aos produtores. Agora, o desafio é ampliar a capacidade de processamento e de agregação de valor ao camarão cultivado.
De acordo com Itamar Rocha, a produção total de camarão do Ceará, em 2022, foi de 70 mil toneladas; no Nordeste 149 mil e no Brasil 150 mil toneladas. O ranking da produção nacional, de Camarão Marinho Cultivado, por Estado, em 2022, foi: Ceará (70 mil toneladas); Rio Grande do Norte (28 mil toneladas); Paraíba (20 mil toneladas); Pernambuco (9,5 mil toneladas); Bahia e Sergipe (6,5 mil toneladas); Piauí (4,5 toneladas), Alagoas (1,9 mil toneladas) e outros (3,1 mil toneladas, perfazendo 150 mil toneladas.
Já o ranking da produção internacional, em 2022, foi Equador (1.272.880 toneladas); Índia (691.539 toneladas); China (650 mil toneladas); Vietnã (530 mil toneladas); Indonésia (430 mil toneladas) e México, com 170 mil toneladas. Quanto a geração de empregos, são 130 mil no setor, que faturou, em 2022, algo em torno de R$ 4 bilhões no Brasil, muito abaixo dos R$ 33 bilhões do Equador. “Enquanto o Brasil participa com 36% das importações mundiais de todas as carnes (US$ 48 bilhões), no tocante ao pescado, de um total de US$ 163,3 bilhões, o Brasil participou com apenas 0,23% (US$ 384,94 milhões).
Ele chama a atenção para o fato da China, o maior produtor e exportador de pescado do mundo, já ocupar o terceiro lugar nas importações mundiais de pescado.
“Para atender o apetite dos chineses por pescado, o Brasil precisa se decidir por explorar seus imensuráveis potenciais, em termos de recursos hídricos, condições climáticas e espécies aquícolas.”
Itamar Rocha, presidente da ABCC
Uma das principais dificuldades dos criadores de camarão no Ceará, a exemplo do Brasil, segundo Itamar Rocha, é sem dúvida a falta de Licenciamento Ambiental e, consequentemente, de financiamentos, tanto para investimentos como para custeio operacional. “A saída mais racional seria descentralizar a concessão do licenciamento ambiental, via prefeituras municipais, tendo em vista que já são 62 municípios com a exploração da carcinicultura com o Litopenaeus vannamei”.
Segundo o presidente da ABCC, a Resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente do Ceará definiu, “de forma equivocada”, que enquanto a piscicultura é uma atividade de baixo impacto, podendo ser licenciada pelos municípios, a carcinicultura, que é de médio impacto, não pode ser licenciada pelos municípios. Também observa que a falta de técnicos suficientes para agilizar as análises técnicas dos empreendimentos aquícolas também gera prejuízos. “O resultado é que, no total, cerca de 90% dos aquicultores cearenses não contam com licenças ambientais e não tem acesso a linhas de créditos, investimentos e custeio operacional”.
Para o presidente Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), José Amílcar de Araújo Silveira, no Ceará tem 1.786 produtores de camarão e responde por 46% de toda a produção nacional (dados de 2021). “É um negócio impressionante e, justamente por isso, é necessário respeitar o produtor, sobretudo diante das muitas dificuldades que enfrenta” – frisa. Há 15 anos – recorda –, o Ceará exportava US$ 30 milhões, enquanto o Equador, US$ 90 milhões. E o Brasil exportava US$ 2 bilhões. Atualmente, o Equador exporta US$ 5 bilhões, crescimento rápido em apenas 15 anos.
O Brasil (e o Ceará, claro) não está produzindo para exportação, mas para o mercado interno, uma vez que ocorreu bloqueio da União Europeia, principalmente, para o produto. O mercado interno é muito bom e tem alta demanda, mas é necessário voltar as exportações. Para que isso ocorra são necessárias várias medidas, como, por exemplo, desburocratizar a questão da licença ambiental no País e, sobretudo, no Ceará, onde 93% das fazendas de camarão não tem licença ambiental – informa.
E como não tem licença ambiental, surgem outros problemas, como o não acesso ao crédito, o que dificulta o setor produtivo. “Todo mundo procura fazer com seu próprio dinheiro, mas fica muito difícil. Justamente por isso, o Brasil necessita, urgentemente, simplificar as questões ambientais, naturalmente punindo os excessos. Não tem ninguém que conserve mais as áreas rurais e o meio ambiente do que o produtor rural” – garante.
“O produtor rural, por lei, é obrigado a ter 20% da área para reserva legal, enquanto a indústria, por exemplo, não está submetida a isso, assim como o comércio. Não existe a obrigação de preservar. O maior interesse de preservar é do produtor, que depende do meio ambiente, da água. Sem isso, ele também acaba. É necessário que todos, além dos produtores, tenham consciência da necessidade de preservar.”
Amílcar Silveira, presidente da FAEC
Ele reconhece que o setor foi impactado negativamente pela recusa de alguns países, sobretudo da União Europeia, em importar o camarão brasileiro, motivado por um problema vivenciado em Santa Catarina e pela falta de habilidade do governo brasileiro em contornar a situação, isso nos últimos oito anos. “Temos de resolver essa questão e acredito que isso vá acontecer. Enquanto isso, existem outros países que podem receber o camarão brasileiro. O mercado interno tem elevado o consumo, que deve crescer ainda mais, com a chamada Quarta do Camarão, inciativa que conta com apoio dos que fazem o agronegócio” – conclui.
A ABCC publicou, no final de 2022, o Censo da Carnicultura Marinha dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, que traz um levantamento completo do setor, inclusive com análise sobre a produção brasileira. Esta, segundo o livro, foi particularmente bem-sucedida nos anos iniciais da década de 2000, atingindo seu auge no ano de 2003, com uma produção de 90.190 toneladas de camarão, das quais quase 80% destinaram-se ao mercado internacional, com um valor de exportação na ordem de 226 milhões de dólares, ocupando assim o 2º lugar na pauta de exportações do setor primário da região Nordeste e participando com 55% das exportações do setor pesqueiro brasileiro.
No entanto, em 2004, o cenário da carcinicultura brasileira iniciou seu decréscimo, reduzindo sua produção para 75.904 toneladas de camarões, com uma produtividade média de 4,10 toneladas/ha que, mesmo abaixo da produtividade de 2003 (6.083 kg/ha/ano), faturou com exportações o valor de US$ 200 milhões. Inclusive, esse declínio se iniciou com a aplicação da lei antidumping imposta pelos Estados Unidos contra os camarões produzidos no Brasil e mais quatro países (China, Índia, Tailândia e Vietnã), o que associado ao surto epidêmico do vírus da Mionecrose Infecciosa (IMNV) no Brasil (2004) e à progressiva apreciação do real em relação ao dólar, contribuiu para uma real perda da competitividade de nosso produto no mercado internacional, reduzindo drasticamente as suas exportações.
Ao final de 2011, dos 22.347 hectares de viveiros instalados, existiam 19.845 hectares em operação, os quais geraram uma produção de 69.571 toneladas de camarões cultivados (queda de 9% em relação ao ano de 2004), correspondentes a uma produtividade média de 3,51 toneladas/ha, destacando-se em produção os estados do Ceará (31.982 toneladas), Rio Grande do Norte (17.825 toneladas), Bahia (7.050 toneladas) e Pernambuco (4.309 toneladas).
De acordo com o documento, a atividade, embora fragilizada, mostrou que não se abateria diante do revés, pois, ao se confrontar com a inviabilização do mercado externo, iniciou a exploração do mercado interno que, em poucos anos, passou a absorver toda sua produção. E, assim, contribuiu para o soerguimento do setor mesmo enfrentando outros significativos transtornos nos anos seguintes, com destaques para as enchentes de 2008 e 2009, a Mancha Branca no litoral norte do RN e no estado do Ceará (2016), que afetaram sobremaneira importantes regiões produtoras, a exemplo de Pendências e Mossoró, no Rio Grande do Norte, e Aracati, Fortim, Cascavel, Acaraú e Camocim, no Ceará.
Desse modo, resistindo às intempéries, a carcinicultura brasileira definitivamente se concentrou na região Nordeste, a mais vocacionada região brasileira para o desenvolvimento da atividade, notadamente, devido às suas peculiares condições edafoclimáticas, tão favoráveis à exploração do Litopenaeus vannamei.
Na verdade, a carcinicultura ainda continua lutando contra os empecilhos que recorrentemente teimam em lhes desafiar e, apesar de todos os desprazeres, foi possível, depois de ficar muito mal em 2016 (60.000 toneladas), recuperar sua capacidade de produção, que mesmo confrontada no percurso com a inesperada pandemia da Covid-19, cresceu 100%, atingindo 120.000 t em 2021. Outrossim, a carcinicultura brasileira continua a desenvolver novos métodos e tecnologias para fazer frente aos ataques de enfermidades.
O documento da ABCC constata que, nos últimos 10 anos, a carcinicultura cearense mostrou ao Brasil como é possível uma atividade do agronegócio crescer 271% sem políticas públicas de incentivo e apoio a sua produção, inclusive, com a esmagadora maioria das empresas (98,3%) financiando com recursos próprios suas unidades produtivas e os respectivos custeios operacionais. De forma que, embora o ambiente de negócios no Estado não esteja favorecendo o desenvolvimento dessa atividade, principalmente devido aos entraves no licenciamento ambiental que gera uma insegurança jurídica para o empresário, impedindo acessos aos financiamentos para investimentos e custeio operacional, a produção de camarão cultivado no Ceará passou de 14.982 toneladas em 2011 para 55.618,50 toneladas em 2021, um incremento de 271% na produção desse crustáceo.
Por outro lado, os números levantados pelo Censo de 2021 para o setor carcinicultor no Ceará são muito expressivos. Basta ver que, em 10 anos, o número de fazendas ativas aumentou 450%, tendo passado de 325 produtores em 2011 para 1.786 em 2021, um crescimento sustentado pelos micros e pequenos produtores que, juntos, somam 88,2% do total de produtores do Estado. O grande potencial da criação de camarão fica ainda mais evidente quando comparado ao número de municípios que começaram a desenvolver essa atividade nos últimos 10 anos, quando teve um aumento de 181%, passando de 21 municípios em 2011 para 59 municípios em 2021.
Na verdade, o estado do Ceará transformou, nos últimos 10 anos, um número da ordem de 6.743,52 hectares de terras improdutivas ou com baixa produtividade, em áreas produtoras de camarão, ampliando em 103% a área de fazendas de camarão, passando de 6.579 hectares em 2011 para 13.322,52 hectares em 2021, permitindo a esses empresários desenvolverem uma das atividades com a melhor rentabilidade do agronegócio. Os indicadores de crescimento da carcinicultura do Ceará mostram porque esse Estado se consolidou como líder da produção de camarão do Brasil, contribuindo com 47,17% do total (56.600 t), das 120.000 toneladas produzidas no país em 2021, número 2,18 vezes maior do que o Rio Grande do Norte, que ocupa o segundo lugar desse ranking com 26.000 toneladas, ou seja, 21,67% da produção nacional.
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