Depois de muitas turbulências, sobretudo nos últimos sete meses, e das reclamações de vários passageiros (governos federal, estadual e municipal, dos setores da economia – serviços, indústria e agricultura – e dos consumidores), o comandante da aeronave Banco Central, responsável por gerir a política monetária brasileira, preferiu não falar nos transtornos causados pela alta taxa de juro da Selic durante o longo voo, mas sim pela Instituição ter conseguido um “pouso suave” no combate à inflação. No entanto, novas turbulências não estão descartadas, pois depende do comportamento da economia nos próximos meses (principalmente da inflação), embora, no momento, a aeronave, aparentemente, esteja realizando voo tranquilo no chamado “céu de brigadeiro”.
Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que compareceu ao Senado Federal no último dia 10, uma semana após o Copom ter reduzido a taxa Selic, após quase três anos sem queda, afirmou, categoricamente, que o BC, na condução da política monetária, “fez um bom trabalho em termos de pouso suave”, ou seja: “trouxe a inflação para baixo com o mínimo de custo possível”. Por conta disso – destacou – as previsões para o crescimento da economia subiram e que o desemprego vem recuando. Ele também preside o Comitê de Política Monetária (Copom) da Instituição, que define, a cada 45 dias, a taxa básica de juros da economia – a Selic.
“A gente ter conseguido trazer a inflação muito alta para um nível muito mais baixo, com quase nenhum custo ou muito pouco custo, tanto de crescimento, quanto de emprego, quanto de contração de crédito. Quando a gente faz uma comparação relativa, o Brasil atingiu ou está atingindo um pouso suave (…) É importante mencionar que a gente ainda tem uma luta com a inflação pela frente, mas a gente está atingindo um pouso suave de forma bastante eficiente”.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Por mais de três horas, Roberto Campos Neto falou sobre o trabalho realizado pelo Banco Central, ressaltando a importância da autonomia da Instituição, e respondeu as mais variadas perguntas dos parlamentares (cerca de 17, entre governistas e de oposição). Dentre os muitos assuntos abordados, a redução sustentável dos juros/juros reais; custo da dívida pública; política monetária e fiscal; situação econômica do país; combate inflacionário, crédito rotativo e microcrédito.
Além do “pouso suave”, outras mensagens foram deixadas pelo presidente do Banco Central, como, por exemplo, de que é necessário “ter perseverança no combate à inflação, apesar do processo de desinflação estar em curso, mas requer uma política monetária contracionista”. Tal posição deixa claro que o BC está monitorando o índice inflacionário, o que pode trazer novas medidas: manter a atual taxa, reduzir nos próximos meses ou até mesmo elevar, caso seja necessário.
O Copom do BC reduziu a Selic, que é principal instrumento da Instituição para alcançar a meta de inflação (que é definida pelo Conselho Monetário Nacional), de 13,75% ao ano para 13,25% ao ano. A última vez em que o BC reduziu a Selic foi em agosto de 2020, quando a taxa caiu de 2,25% para 2% ao ano, em meio à contração econômica gerada pela pandemia de Covid-19. Após a pandemia, o Copom elevou a Selic por 12 vezes consecutivas, a partir de março de 2021, em meio à alta dos preços de alimentos, de energia e de combustíveis. A partir de agosto de 2022, a taxa em 13,75% ao ano foi mantida ano por sete vezes seguidas.
“O BC tem atuado de forma autônoma e técnica para cumprir suas missões e que ao longo das últimas décadas, juros no Brasil têm tendência de queda. Além disso, o sistema bancário brasileiro permanece resiliente, com bons indicadores de estabilidade financeira, e que o Banco Central tem implementado uma ampla agenda de inovação e inclusão no Sistema Financeiro Nacional (SFN).”
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
Regime de metas é defendido
Uma das primeiras colocações de Roberto Campos na sua ida ao Senado Federal foi em defesa do regime de metas para a inflação, que traz vários benefícios para os países que tem adotado o sistema, diferentemente daqueles onde a ferramenta não é empregada. Para ele, os principais benefícios do regime de metas são: Redução no nível e na volatilidade da inflação (inflação elevada penaliza especialmente os mais pobres); redução do custo do processo de desinflação (é preciso construir credibilidade); Flexibilidade para absorver choques; por ancorar as expectativas de inflação de longo prazo e por conceder grande previsibilidade e transparência nas decisões de política monetária. Ele citou, inclusive, as primeiras experiências com regimes de metas na Nova Zelândia e no Canadá.
No Brasil, o regime de metas para inflação foi adotado em 1999, sendo definida pelo CMN. A meta de inflação é dada pela variação do IPCA, calculada pelo IBGE. Ela é definida até junho de cada ano para o ano-calendário três anos à frente, mas ao redor da meta existe um intervalo de tolerância. Caso a meta não seja cumprida, o presidente do BC tem de escrever carta-aberta explicando as causas do descumprimento e estratégia para retorno à meta. Tripé da política econômica no Brasil: Sistema de metas para inflação; Regime de câmbio flutuante; Responsabilidade fiscal.
Roberto Campos fez uma longa explicação de como o BC e Copom tomam decisão sobre a meta de inflação, que leva em consideração três pontos: Expectativas de inflação, onde o BC faz análise do impacto da trajetória das expectativas de inflação sobre a inflação corrente e sobre o processo de desinflação; Hiato do produto, onde é analisado um conjunto amplo de informações para verificar se o hiato está pressionando a inflação de forma não sustentável. O BC tenta compatibilizar a convergência da inflação para a meta com a suavização do ciclo econômico (PIB e emprego); e a Inflação corrente, quando são verificadas várias informações quanto as condições anteriores da inflação, quais variáveis mudaram e estão pressionando a inflação para cima ou para baixo, e qual trajetória ela deve seguir no futuro (projeções de inflação).
Desde a implantação do regime de metas, em 1999 no Brasil, na maioria dos anos a inflação esteve dentro do intervalo de tolerância.
Autonomia do BC e inflação mais baixa
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que a autonomia do Banco Central permitiu que a Instituição tomasse a decisão de subir os juros, mesmo em ano eleitoral. Ao fazer uma defesa veemente da autonomia do BC, ele apontou os principais ganhos que a independência proporciona: permite ao BC buscar os objetivos, estabelecidos em lei e pelo CMN, de maneira técnica, objetiva e imparcial; separa o ciclo político do ciclo econômico, reduzindo a instabilidade econômica; facilita a obtenção de inflação baixa, menores juros estruturais, menores riscos e maior estabilidade monetária e financeira e alinha o BC às melhores práticas internacionais.
“A literatura econômica demonstra que autonomia de Bancos Centrais está relacionada à inflação mais baixa e menos volátil, sem afetar o crescimento do PIB” – observou. Ainda sobre inflação, o presidente do BC destacou que, em diversos países, os núcleos de inflação ainda se encontram em patamares superiores às metas e reforçam o caráter persistente do atual processo inflacionário. “No Brasil, a inflação acumulada em 2023 encontra-se muito próxima da inflação em 12 meses, resultado do efeito estatístico das desonerações”.
Trabalho para suavizar flutuações
O BC tem também trabalhado para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomentar o emprego. Enquanto na maioria dos países a queda da inflação foi acompanhada por queda no crescimento, o Brasil tem conseguido reduzir a inflação com impacto atenuado sobre o nível de atividade.
Comportamento dos juros
Na sua apresentação no Senado Federal, o Roberto Campos Neto mostrou que ao longo das últimas décadas, os juros no Brasil têm tendência de queda e que o aumento das taxas em relação ao período pré-pandêmico é menor que em outros países. A diferença entre a taxa de juros nominal atual e a média, em 2011 – 2019, apontava o Brasil na 13º colocação. O ciclo de aperto monetário recente no Brasil ocorreu de forma sincronizada com outros países – explicou, acrescentando que o último ciclo de elevação de juros no Brasil foi maior em períodos eleitorais.
Ele também fez várias considerações sobre o motivo de os juros serem tão altos no Brasil e que isso ocorre por características estruturais. Citou a taxa de recuperação de créditos, que no Brasil é de 18,2 centavos por dólar, enquanto a média mundial é de 36,9; a dívida bruta do governo geral (2022), que é de 90,2% do PIB; e que o crédito direcionado no Brasil gera um problema de “meia entrada” no mercado de crédito mundial. “O percentual de crédito direcionado no Brasil é muito acima daquele observado em outros países com essa modalidade de crédito. No México, embora o percentual de crédito direcionado seja elevado, não há spread negativo como ocorre no Brasil”.
Credito rotativo, inadimplência e extinção
O Banco Central estuda alternativas para reduzir a inadimplência nas operações com cartão de crédito rotativo (isso ocorre quando o cliente não paga o valor total da fatura e joga a dívida para o mês seguinte). Levantamento realizado pela Instituição revela que a inadimplência do crédito atinge cerca de 50% das operações – um índice sem precedentes em outros países.
Uma das alternativas para combater a questão é, segundo Roberto Campos Neto, extinguir o rotativo do cartão, acionado automaticamente sobre o saldo devedor. Vale lembrar que, em junho, os juros desse tipo de crédito chegaram a 440% ao ano, a maior taxa do mercado financeiro. Esse patamar equivale a uma taxa de juros de 15% ao mês.
“A solução está se encaminhando para que não tenha mais rotativo, que o crédito vá direto para o parcelamento. Que seja uma taxa ao redor de 9% ao mês. Você extingue o rotativo. Quem não paga o cartão, vai direto para o parcelamento ao redor de 9% ao mês.”
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
O Banco Central também está de olho no sistema atual de financiamento por cartão de crédito, que permite aos correntistas parcelar compras em até 13 vezes sem juros. Essa modalidade também não existe no resto do mundo. “É como se fosse um financiamento de longo prazo sem juros”, avaliou, acrescentando que o Banco Central estuda em criar algum tipo de “tarifa” para não incentivar a compra desenfreada no crédito em uma quantidade muito grande de parcelas – o que, com frequência, leva o comprador a perder o controle da própria fatura. “Não é proibir o parcelamento sem juros. É simplesmente tentar que fique um pouco mais disciplinado. Não vai afetar o consumo. Lembrando que cartão de crédito é 40% do consumo no Brasil” – frisou.
Para concluir, o presidente do Banco Central disse estar convicto de que as atuais boas avaliações e previsões para a economia brasileira também são mérito da atuação do BC. Citou a elevação das notas de crédito do Brasil por agências de classificação de risco internacionais e avaliações de outras instituições reconhecidas e até da imprensa especializada. “Quando a gente olha todos esses índices de termômetro, todos eles, 100% deles, mencionam a autonomia do Banco Central e mencionam a política de juros do Banco Central como um fator decisivo”.
Saiba mais:
Real Digital receberá o nome de Drex, confirma Banco Central
Manutenção da taxa de juros azeda de vez relação entre Governo e Banco Central