Ao contrário do que muitos pensam, o agro cearense nada fica a dever no uso de novas tecnologias, aplicadas principalmente por grandes produtores em diferentes estados brasileiros. Na verdade, em alguns casos, o Estado chega a ser pioneiro. E isso nos mais variados segmentos da atividade produtiva. A diferença reside apenas no quantitativo, ou seja, as novas tecnologias são uma realidade ainda restrita devido ao custo e, justamente por isso, é mais acessível para grandes empresas do agronegócio. Mas, isso tende a ser revertido. Pelo menos é essa a intenção dos que estão à frente do setor no Ceará.
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O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), Amílcar Silveira, garante que o Ceará tem e faz uso de muita tecnologia no agronegócio. No entanto, são poucos que a utilizam. “Diante dessa realidade precisamos massificar a utilização das inovações tecnológicas, sobretudo para os médios e pequenos produtores. O grande problema do Ceará em relação a participação do PIB é que são poucas pessoas usando novas tecnologias. Uma das funções da Faec, portanto, é levar tais tecnologias, ou pelo menos boa parte delas, aos pequenos produtores, facilitando o acesso a eles” – enfatiza.
Para tanto, a Faec dispõe do Centro de Inteligência e Inovação da Agropecuária do Ceará (Ciiagro), fruto de uma parceria entre a Entidade e o Ministério da Agricultura (Mapa). O Centro, que foi criado com a finalidade de disponibilizar informações relacionadas às atividades no campo, reúne dados de produção, produtividade, preços, zoneamento agrícola, perímetros irrigados, dentre outros parâmetros, dos 184 municípios cearenses. A ideia é dar suporte às ações estratégicas da Faec e a orientar investimentos na produção e beneficiamento de produtos agropecuários no Estado.
Atualmente, o agronegócio cearense, que compreende a agropecuária e a agroindústria, corresponde a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) do Ceará, segundo dados do Ciiagro. Amílcar acredita que, com a parceria entre Faec e Mapa, a tendência é de que a participação do agronegócio na economia do Ceará continue em trajetória de crescimento.
Amílcar Silveira cita, como exemplo, a crescente produção do algodão na Chapada do Apodi, que servirá de matéria-prima das fábricas de fiação, tecelagem e confecções. As novas tecnologias – observa – permitem ir mais além, como, por exemplo, produzir frutas no semiárido, propiciando o desenvolvimento dessa região. O Dicoco é um exemplo, pois está produzindo coco irrigado pelo sistema de energia solar totalmente automatizado e centralizado.
Especificamente na agricultura, no setor de frutas, existe no Ceará pelo menos três laboratórios biológicos, nas propriedades rurais, para atender o segmento. O Sítio Barreiras tem uma fábrica de biológico; a Agrícola Famosa tem outra fábrica, que inclusive foi vendida. A Itaueira faz uso de estufas na Serra da Ibiapaba, onde tem grandes produtores de flores que também utilizam tecnologias de ponta aplicadas no mundo inteiro. “Estivemos recentemente em Israel e, para nossa surpresa, a produção de banana no sítio Barreira era bem melhor do que a de lá” – lembra.
Existem aqui dois campos experimentais importantes: a Syngenta (empresa presente em mais de 100 países ofertando soluções e suporte especializado, para que os produtores possam produzir mais e melhor) e a própria Novagro (empresa mineira, focada na oferta de soluções em biossegurança, nutrição e saúde animal, com o propósito de garantir a sustentabilidade e a segurança do seu agronegócio), que produz sementes para a Basf (empresa química alemã).
“São tecnologias altíssimas. Imagina fazer semente de algodão para as Basf no Ceará. Isso é fantástico. Como se não bastasse, a Del Monte tem um laboratório que está pesquisando abacaxis para que sejam livres de doenças, etc. O Ceará tem grandes projetos de tecnologia.”
Amílcar Silveira, presidente da Faec
Para o diretor Institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Luiz Roberto Barcelos, o uso de tecnologia é de fundamental importância, sobretudo diante das condições naturais adversas do Ceará e de todo o Nordeste. Ele entende que para um produtor desenvolver o agronegócio dentro de um dos estados mais seco do Brasil, dentro do semiárido nordestino, com condições totalmente inóspitas, com pouca chuva, solos pobres e águas salinizadas, é mais do que necessário ter tecnologia. É por isso que o agro do Ceará é altamente tecnológico.
“Você não consegue elaborar ou desenvolver uma agricultura se você não tiver altamente tecnificado. É necessário agricultura de precisão, como na irrigação por gotejamento, a fertirrigação; utilização de biotecnologia, controles biológicos de pragas, de doenças; equipamentos de magnetização da água para melhorar a questão da salinização, genética para desenvolvimento das frutas. Tudo isso aí faz parte de uma lista de tecnologias que nós utilizamos para desenvolver o agro. Você tem que criar todas condições e lutar com essas adversidades. Isso só se faz com tecnologia de ponta.”
Luiz Roberto Barcelos, diretor Institucional da Abrafrutas
Barcelos entende que a utilização das novas tecnologias não só melhora a produtividade, mas proporciona o desenvolvimento agrícola, pois sem elas seria praticamente impossível produzir. “Você pega uma área que está praticamente sem nenhuma produção, sem geração de riqueza, sem distribuição de renda, sem criação de valor, de emprego e transforma tudo isso pela tecnologia. “E isso proporciona ao Ceará ter um agro de ponta, de altíssimo valor agregado, que gera muito emprego, como na produção de frutas voltada para exportação, que atende aos mercados mais rigorosos do mundo, inclusive na questão social, de sustentabilidade, de segurança alimentar” – acrescenta.
Sobre qual tecnologia é a mais usada, Luiz Barcelos afirma que, sem dúvida, é a que mexe diretamente com água, pois sem ela nada pode ser produzido. A primeira delas, a básica, portanto, é a irrigação por gotejamento, uma vez que existe uma grande restrição de água, de chuvas. “Então a irrigação por gotejamento é a base e sem ela você não consegue produzir. A água é essencial e a partir dela você começa a desenvolver, começa aplicar outras tecnologias, como é o caso, da magnetização na questão da água salinizada”. Outra também, citada por ele, diz respeito à genética, que possibilita plantas mais resistente as pragas, ciclos mais curtos, mais precoce, melhor sabor, melhor vida útil de pós-colheita.
“O Ceará tem tudo pra desenvolver uma agricultura de ponta mesmo, de alta tecnologia para abastecer o mercado interno e exportar. É fundamental você estar aberto às novas tecnologias, agora com utilização do drone, que faz aplicações diversas. Tudo que você tiver hoje de ferramentas pra produzir mais com menos, menos recursos, menos adubos, menos defensivos, menos água é importante. Você consegue produzir mais, com mais qualidade, de forma mais barata, seja para o mercado interno ou externo.”
Luiz Roberto Barcelos, diretor Institucional da Abrafrutas
O uso de novas tecnologias é imprescindível para o agronegócio, pois permite que os produtos tenham competitividade – garante Edson Trebeschi, presidente da Trebeschi Tomates. Ele entende que para que o agro seja competitivo é necessário buscar o que existe de melhor em tecnologia. Mas, lembra: não existe um CTRL+C e CTRL+V, pois nem sempre o que dá certo em clima temperado, por exemplo, vai dar certo em clima tropical. Nem sempre o que dá certo no Sul do Brasil vai se adequar no Nordeste e vice-versa.
“Dentro da tomaticultura, a gente busca constantemente novas variedades que sejam mais produtivas, que tenham um shelf life (prazo de validade de produtos) melhor. Que tenha melhor sabor, mais resistência a determinadas viroses. Tudo isso é muito importante. Então, não dá para abrir mão de tratar o agronegócio como uma grande empresa.”
Edson Trebeschi, presidente da Trebeschi Tomates
Sobre se o uso de tecnologias de ponta no agro já é uma realidade no Brasil e no Ceará, Edson Trebeschi diz que hoje, na verdade, o agronegócio no Brasil recebe a mesma assistência técnica das multinacionais que estão presentes em todos os continentes, ainda mais com a facilidade dos meios de comunicação e troca de experiências das equipes técnicas. O Brasil não fica a desejar em termos de tecnologia para nenhum outro país, muito embora cada região tenha suas limitações de clima, altitude, etc. Mas, o Brasil está muito bem posicionado no uso de tecnologia.
As tecnologias disponíveis para o agronegócio são um universo muito grande, desde máquinas super sofisticadas, onde existe uma agricultura de precisão do que tem de melhor no mundo disponível no Brasil. “Você tem sistemas de irrigação trabalhando pra se usar água de forma racional. Os equipamentos de hoje vêm com configuração mais avançada, automatização de acordo com o perfil do solo, a umidade do solo, transpiração, seja para o segmento de cereais ou hortifrutigranjeiros tem melhorado cada vez mais” – explica.
Por isso, é comum hoje ter nas gôndolas dos supermercados do Brasil um portfólio de produtos compatível com o que tem na Europa ou nos Estados Unidos e tudo mais. “Então, entendo que a gente está no caminho certo. Mas vejo que é sempre importante o agronegócio ter mais apoio governamental, sobretudo no que diz respeito a parte burocrática dos licenciamentos, nas questões de outorgas de água, ainda mais agora no momento desafiador da economia como este”.
Para concluir, Trebeschi afirma que algumas questões precisam ser trabalhadas, como subsídios, taxas mais atrativas para aquisição de máquinas, sobretudo para os produtores que tem a preocupação ambiental. “Vejo que, se comparado com alguns países, o Brasil ainda está distante de ser competitivo em algumas áreas em função justamente da falta de apoio, enquanto os produtores de outros países recebem, principalmente no que diz respeito a financiamento e taxas mais atrativas do que a praticadas no Brasil atualmente”.
Para Edson Brok, CEO da Tropical Nordeste Agrícola, o uso de novas tecnologias não beneficia este ou aquele mercado. Na realidade, a agricultura nacional precisa sempre de novas tecnologias para acompanhar tendências mundiais de proteção ao meio ambiente e segurança alimentar de todos. “É claro que se ficarmos para trás em relação aos demais países continuaremos a exportar produtos tão somente básicos, tipo grãos” – entende.
“As tecnologias são importantíssimas, sejas na mecanização, biotecnológica e de proteção contra as pragas de um país tropical. Não é por acaso que avançamos em algumas áreas e retrocedemos em outras, como a burocracia indesejável em relação as novas moléculas dos defensivos que tramitam às vezes por mais de uma década até sua liberação para uso no campo.”
Edson Brok, CEO da Tropical Nordeste Agrícola
Ele informa que, apesar de produzir bananas in natura para exportações e mercado local, a cultura é talvez uma das mais ou a mais conservadora em termos de tecnologia aplicada. “Nosso bananal tem mais de 18 anos e continuamos a manter as mesmas plantas desde seu primeiro plantio com Meristems importados de Israel. Existem poucas culturas com essas características e que fazem tão bem ao meio ambiente, de outra forma, teríamos morrido junto com as plantas que possuímos desde o início” – esclarece.
A empresa – frisa Edson Brok – trabalha com mão de obra especializada em várias atividades e usa apenas as novas tecnologias em nutrição e controle de pragas quando essas são autorizadas pelo governo. “Poderíamos utilizar a tecnologia dos drones, mas foi criada uma lei proibindo o uso de vans. Hoje, somos o único estado que possui tal lei e até agora não houver sequer um indicativo dos benefícios aos consumidores. Aliás, os cearenses consomem frutas de outros estados que não proíbem a utilização de uma ferramenta inovadora (faz tempo) que somente faz o bem para segurança alimentar e meio ambiente” – desabafa.
“Leis aprovadas na Assembleia afugentam novos players mundiais. O Ceará é o maior exportador de banana do Brasil para a Europa, mas como nossas barreiras de impostos no destino e uma lei que é contra a proteção ambiental e redução do uso dos defensivos fica difícil competir com países que não tenham restrições como essas. Produzimos cerca de 18 mil toneladas por ano.”
Edson Brok, CEO da Tropical Nordeste Agrícola
O diretor comercial da Fertsan, Luiz Eugênio Pontes, garante que as novas tecnologias no agronegócio são fundamentais para o sucesso do abastecimento de alimentos no mundo. Há 20 anos o recorde de produção de soja no Brasil era de cerca de 40 sacas por hectares e hoje ultrapassou a 100 sacas. No mesmo período, ou seja, em 20 anos, a população mundial cresceu em 1 bilhão de habitantes e foram utilizadas mais 27% de novas áreas de plantio.
A perspectiva, agora, para os próximos 20 anos, é que a população mundial deva aumentar 1,3 bilhão de habitantes e, segundo os estudos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (Fao) só existem mais 10% de oportunidade de crescimento de áreas de plantio.
Diante dessa realidade – frisa Luiz Eugênio Pontes – existe necessidade de aumentar a produtividade e isso somente se faz com uso das tecnologias. “Fazendo as mesmas coisas você vai ter os mesmos resultados. Portanto, tem que fazer diferente para o resultado ser diferente. Então, são fundamentais as novas tecnologias para que possam ser obtidos incrementos na produtividade, a fim de que o mundo não passe por desabastecimento de alimentos”.
O agronegócio tem dois desafios para os próximos anos: aumentar a produtividade por área e diminuir a necessidade da química na agricultura mundial, que ainda é muito dependente de produtos químicos, sobretudo os defensivos – pontua.
“A diminuição do uso de químicos deve ser uma meta a ser perseguida nos próximos anos e para isso são necessárias novas tecnologias que tragam novos padrões de defesa, utilizando produtos tendo como base as orgânicas, biológicas, etc. O aumento da produtividade é fundamental, assim como o emprego de novas tecnologias, bem como o fato de ter produtos mais saudáveis. O mundo urge por uma alimentação mais saudável, mais livre de químicos, etc.”
Luiz Eugênio Pontes, diretor Comercial da Fetsan
Indagado sobre os produtos desenvolvidos pela Fertsan – cearense no mercado há mais de 30 anos – para o aumento da produtividade, Luiz Pontes afirma que a empresa vem desenvolvendo tecnologia a base de polímeros de origem marinha, associada a nanotecnologia. “O nosso produto não entrega nutrientes, não tem extrato de alga, ele faz na planta uma indução no sistema fisiológico, de modo a aumentar e em muitas vezes duplicar a produção natural da planta de hormônio e enzimas de defesa”, explica.
Para ele, todo mundo atualmente busca novas tecnologias. O grande problema de empresas que desenvolvem tecnologia é o ceticismo do mercado. Muitas vezes – observa – o agricultor não está preparado para entender o funcionamento de uma tecnologia revolucionária. Muitas vezes tem receio de utilizar e quer testar por três, quatro anos, o que inviabiliza financeiramente a empresa que desenvolveu o produto suportar este período de testes, que é muito oneroso e demorado. “Então, as multinacionais vão ficando com essa vantagem, em detrimento de soluções fantásticas muitas vezes desenvolvidas por pequenas e médias empresas e startups, que ficam ao largo por falta de apoio financeiro e técnico”, finaliza.
O Produto Interno Bruto (PIB) agrícola do Brasil cresceu de US$ 122 bilhões em 2002 para US$ 500 bilhões em 2022, resultado superior ao PIB da Argentina. Segundo a ManpowerGroup, grande parte deste crescimento é um reflexo direto dos investimentos cada vez mais frequentes em pesquisa e tecnologia.
Algumas iniciativas de tecnologia da informação aplicada ao agronegócio já se mostraram capazes de elevar a produtividade no campo em até 60%. As projeções mais recentes do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por exemplo, o PIB agrícola do país deve crescer mais 35,9% em 2023, alcançando impressionantes R$ 2,65 trilhões.
De acordo com o Governo Federal, as exportações do agronegócio brasileiro alcançaram US$ 16,78 bilhões em maio: 11,2% superiores ao mesmo mês em 2022. Nunca as exportações ultrapassaram US$ 16 bilhões em um único mês, considerando-se toda a série histórica iniciada em 1997. Com o recorde, a participação do agronegócio nas exportações totais brasileiras alcançou 50,8%.
As exportações brasileiras do agronegócio, nos cinco primeiros meses deste ano, somaram US$ 67,3 bilhões, o que representa um crescimento de 5,8% na comparação com o mesmo período em 2022, quando as vendas foram de US$ 64 bilhões. O agronegócio representou quase metade das vendas externas totais do Brasil, com participação de 49,5%.
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