Arábia Saudita das energias renováveis. Ouro Verde de um futuro próximo. O Combustível Limpo para o mundo. Estas são algumas das apostas feitas por lideranças e especialistas sobre o hidrogênio verde (H2V) que o Brasil, notadamente o Nordeste, pode produzir com sucesso tanto para o consumo nacional, quanto para a exportação. E o Complexo Industrial e Portuário do Pecém pode ser o canal de embarque para os mercados europeu e asiático. Em 2030, a produção estimada de H2V no Pecém deve chegar a 1 milhão de toneladas/ano, um potencial para atender a 25% da demanda de importação de Roterdã.
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O mundo caminha na direção das metas de descarbonização acertadas em Conferências das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas e reafirmadas na última COP 28. O objetivo é desafiador: limitar o aquecimento global em 1,5% até 2050, sob pena de agravamento dos desastres ambientais. O cenário abre inúmeras oportunidades para o protagonismo brasileiro que conta com uma diversificada e limpa matriz energética, especialmente com o hidrogênio verde, cujo marco regulatório para sua produção foi aprovado pelo Plenário dois dias antes do início da COP 28.
As possibilidades, entretanto, passam pelo entendimento político entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal sobre o melhor entre os dois projetos de lei em tramitação. O PL 5816/23, aprovado pelo Senado, está indo para a Comissão Verde da Câmara. E outro, o PL 2308/23, que se encontra em análise na Comissão do Hidrogênio Verde do Senado.
Para o consultor do Senado para a área de Mineração, Paulo Roberto Alonso Viegas, a proposta do Senado, ao voltar da Câmara, pode ser terminativo na Comissão, o que abre a possibilidade de ter um desfecho mais rápido. Do contrário, o projeto da Câmara, se modificado no Senado, volta para a Câmara e tem, necessariamente, que passar pelo plenário, o que envolve mais tempo. Em qualquer dos casos, entretanto, o assunto entrará em pauta somente em fevereiro, após recesso parlamentar. O consultor arrisca um palpite: o projeto do Senado concentra os maiores interesses da indústria do Hidrogênio Verde e tem maior chance de prosperar. De qualquer forma, há disposição, pelo menos aparente, de que ambas as Casas possam acatar emendas com interesse da outra Casa, embora isto nem sempre se confirma.
Ocorre que o Hidrogênio Verde tem disputas focalizadas, segundo Alonso. Atualmente, o hidrogênio produzido sobretudo na indústria do gás aparece como subproduto, da mesma forma que o hidrogênio produzido a partir da cadeia do etanol, especialmente no interior de São Paulo. Este está sendo testado por grupos de empresas em combinação com centros de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) e de Campinas (Unicamp) para aprimorar o uso em veículos numa iniciativa inovadora e promissora.
E tem o Hidrogênio que tem sua produção baseada na eletrólise da água, o chamado Hidrogênio Verde, cujo maior interesse está no Nordeste, como Ceará, Pernambuco e agora Piauí, que também tem sinalizado com investimentos. “O tema ficou adormecido e a produção funcionava sem regras específicas”, afirma Alonso. Ele lembra que quando surgiu a intenção da União Europeia em se desprender da geração energética da Rússia evitando a dependência do gás russo e do hidrocarboneto, o interesse aumentou abrindo espaço para as energias ainda mais limpas originadas dos ventos e do sol.
A partir da demanda europeia pelo hidrogênio originado de cadeias limpas, surgiu a necessidade de regulação específica com vistas a atender à necessidade externa. “O fato provocou a busca maior por incentivos pelas grandes empresas, exigindo esforços fiscais adicionais do governo para canalizar maior volume de recursos financeiros orçamentários, o que pesará na conta”, comenta ele, acreditando que será preciso saber separar as necessidades de subsídios para as empresas maduras e as nascentes dentro de um conceito ampliado de energia limpa a partir do hidrogênio de baixo carbono e hidrogênio renovável.
Quem está animado com a real fonte limpa é Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, focada em soluções para o mercado de energia renovável. Ele sabe que a tarefa é difícil e garante que há motivos para apostar na esperança pelo conjunto de iniciativas favoráveis, citando a existência de fontes renováveis, o aumento da eletrificação, a melhoria da eficiência energética de sistemas e equipamentos e, ainda, a adoção de veículos elétricos.
Vasconcellos entende que a competição pelo capital global para os projetos de descarbonização abre oportunidades para o Brasil justamente pela matriz energética mais renovável. “Podemos nos beneficiar de um movimento global de Greenshoring, que envolve a migração de indústrias intensivas no uso de energia, para países que podem produzir esses produtos de forma sustentável como H2V, aço verde e alumínio verde”, exemplificou.
Para Hugo Figueirêdo, presidente do Complexo do Pecém,o Ceará está vivenciando uma oportunidade única de transformação de sua economia, através do Hub do Hidrogênio Verde no Pecém, que tem potencial para transformar a realidade não apenas de grandes empresas instaladas no Pecém, mas também de pequenos produtores de energias renováveis, incluindo o pequeno gerador de energia no interior do Ceará.
Estudos de grandes consultorias internacionais, como Bloomberg e McKinsey, apontam o Ceará com potencial de produzir o H2V mais barato do mundo, abaixo de 1 dólar por quilo. Isso se dá graças à abundância de energias renováveis na região. “Para isso, a regulamentação é fundamental para garantir as condições jurídicas necessárias para atrair mais empresas e consolidar o Ceará como a casa do Hidrogênio Verde no Brasil”, observa.
O Ceará começou na frente na governança, com a aprovação de diversos decretos e leis estaduais para dar mais segurança aos investidores e ao próprio Estado. “O marco regulatório ideal combina políticas públicas estaduais e federais de aproveitamento do potencial de energia solar e eólica e pode ser decisivo na geração de empregos e renda ligados à cadeia do H2V em diversas regiões do País, especialmente no Nordeste”, sinaliza Figueirêdo.
O presidente do Complexo do Pecém defende a necessidade de criação de incentivos para os primeiros produtores de H2V, a exemplo do que houve na época da energia solar e eólica e como está acontecendo agora nos Estados Unidos. Embora o custo no Brasil seja o mais baixo em nível internacional, os EUA têm um programa muito grande de incentivos, de longo prazo, e crescente à medida que mais produtos e insumos produzidos nos EUA são contratados, podendo chegar a cerca de 3 dólares por quilo. ”Isso pode fazer com que essa amônia verde ou H2V produzido lá consiga, em alguns casos, se torne mais competitivo do que o nosso, sem incentivo”, alerta.
Diversas entidades e empresas da Alemanha e União Europeia, dos EUA e da América Latina já demonstraram interesse, segundo Figueirêdo, e buscam parcerias justamente por apostarem que o local é favorável para o desenvolvimento tecnológico dos seus próprios produtos. “Podemos ter eletrolisadores competitivos, tecnologia de liquefação e a propulsão dos navios que vão fazer esse transporte”, anima-se Figueirêdo.
Quem também defende a necessidade de incentivos adicionais para o desenvolvimento da indústria do Hidrogênio Verde é Luis Viga, country manager da Fortescue no Brasil, por entender que este é o caminho não apenas para potencializar a descarbonização, mas também acelerar a transição energética e colocar o Brasil em condições de competitividade internacional. “Além dos agressivos incentivos dos EUA, competimos com o hidrogênio cinza, obtido a partir da queima de combustíveis fósseis e que despeja enormes quantidades de dióxido de carbono e outros gases poluentes na atmosfera”, ilustra ele.
Há que se considerar, ainda, que a transição para o H2V também é uma oportunidade econômica sem precedentes. Estudos da consultoria LCA mostram que o desenvolvimento desta indústria pode adicionar R$ 7 trilhões ao PIB brasileiro até 2050.
Somente o projeto da Fortescue no Complexo do Pecém, por exemplo, terá uma capacidade de produção de 837 toneladas/dia com a geração de 5000 empregos durante a construção, utilizando água de esgoto tratado e do oceano, sem impactos no abastecimento local de água potável.
“O H2V poderá ser um vetor para a neoindustrialização verde brasileira, funcionando como base para uma nova estrutura de produção, que também incluirá segmentos como mineração e aço verde, e-combustíveis e fertilizantes, entre outros, podendo ajudar o Brasil a reduzir sua dependência de fertilizantes importados.”
Luis Viga, country manager da Fortescue no Brasil
O Ceará já conta com 35 memorandos de entendimento firmados e quatro pré-contratos assinados. Além da Fortescue, integram a lista empresas como AES, Casa dos Ventos e Cactus Energia.Os pré-contratos assinados até agora já somam US$ 8 bilhões em investimentos até 2030, duplicando os empregos diretos e indiretos na região, que hoje chegam a 80 mil.
“Essas empresas pretendem tomar suas decisões finais e assinar contratos definitivos até o fim de 2024 e início de 2025”, informa o presidente do Complexo do Pecém, acrescentando que Pecém e Roterdã formarão a rota de exportação/importação mais próxima entre América do Sul e Europa.
O fato é que já existe uma grande procura de 10 mil milhões de toneladas de hidrogênio verde para a Europa. O Brasil pode usar essa demanda externa inicial para amadurecer sua indústria nacional enquanto desenvolve o próprio mercado consumidor de hidrogênio.
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