Enquanto a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) qualifica como retrocesso a retomada do imposto de importação de painéis fotovoltaicos – o fim das isenções foi anunciado em dezembro e passou a vigorar desde o dia 1º de janeiro de 2024 -, a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) pensa totalmente ao contrário, pois entende que a medida anunciada pelo Governo Federal tem como meta fortalecer a cadeia produtiva da indústria brasileira de energias renováveis.
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A Absolar entende que a decisão pelo retorno do imposto de importação beneficia uma minoria de fabricantes e afeta 85% dos projetos em andamento. “A decisão afeta mais de 85% dos projetos mapeados anteriormente pela entidade, totalizando 18 GW de capacidade, R$ 69 bilhões de investimentos e 540 mil novos empregos” – afirma a entidade.
Para a Absolar, a retomada do imposto atende “pressões de fabricantes nacionais, que querem medidas protecionistas contra importação de painéis solares, e vai na contramão dos esforços brasileiros de acelerar a transição energética no Brasil”. Em comunicado, a Associação afirma que a decisão coloca em risco investimentos atuais do setor solar no país e ameaça destruir milhares de empregos verdes criados no Brasil ao longo da última década.
O presidente Executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, reconhece que existe a intenção do Governo de atrair novos fabricantes solares para o Brasil com a decisão, mas da forma que foi implementada, causará muito mais danos do que benefícios aos brasileiros.
“Entendemos que o Governo Federal quer desenvolver a indústria solar no Brasil e compartilhamos deste propósito. Porém, o caminho para isso não passa pelo protecionismo e aumento de impostos. Esta é a estratégia errada, como já demonstrado em diversos outros países. Precisamos estabelecer uma política industrial competitiva que crie novos incentivos para atrair os fabricantes ao Brasil, como financiamento diferenciado do BNDES, menos impostos para matérias-primas e maquinários industriais, compras públicas de equipamentos solares fabricados no Brasil, entre outras ações.”
Rodrigo Sauaia, presidente Executivo da Absolar
A nota da Absolar deixa claro que aumentar impostos sobre equipamentos solares não vai resolver esta questão, pelo contrário: prejudica os consumidores brasileiros e a grande maioria do setor solar, beneficiando apenas um pequeno grupo de fabricantes nacionais já instalados no Brasil e que hoje produzem menos de 5% do que o mercado precisa, com preços que chegam a ser 50% mais caros do que o de produtos internacionais. “Por isso, avaliamos esta decisão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço (MDIC) como um retrocesso. A medida vai na contramão dos compromissos assumidos pelo próprio Governo Federal de aumentar o uso de fontes renováveis no Brasil, para acelerar a transição energética e a descarbonização da economia” – opina.
Para o dirigente da Absolar, o aumento de impostos sobre equipamentos solares gera insegurança jurídica no mercado e coloca em risco investimentos e empregos verdes que o setor pretendia trazer ao Brasil até 2026. “Quem mais perde com esta decisão é a sociedade brasileira, pois ela acaba encarecendo a energia solar com mais impostos”, adverte Sauaia. E finaliza: a decisão do Governo Federal pode dificultar a implantação de programas estratégicos, como a inclusão de energia solar nas casas populares do Programa Minha Casa Minha Vida, de energia solar em prédios públicos (como escolas e hospitais), a descarbonização da Amazônia e a diversificação da matriz elétrica brasileira.
ABEEólica defende cadeia produtiva forte
Elbia Gannoum, presidente executiva da ABEEólica, afirma que a entidade está muito feliz com a decisão tomada pelo Governo Federal, que tem como meta “fortalecer a cadeia produtiva da indústria de energias renováveis”. Ela enfatiza que, se há um objetivo claro de neoindustrialização, é necessário ter uma cadeia produtiva forte para as energias renováveis. “A energia eólica é um dos poucos exemplos de política industrial que deu certo no Brasil, fator importante para o crescimento e desenvolvimento econômico. A cada 1 real investido em energia eólica, devolvemos 2,9 em PIB. Devido ao efeito multiplicador desta cadeia produtiva” – ressalta.
“Hoje, cerca de 80% de um aerogerador é produzido no Brasil. Nos últimos anos, devido às condições de pouco crescimento, esta indústria foi perdendo a sua força e medidas corretivas são importantes, inclusive para as outras fontes, pois a competição necessariamente precisa acontecer em um ambiente simétrico. Atualmente essas condições não existem, outras fontes competem com a eólica com um grau de importação superior a 80%.”
Elbia Gannoum, presidente executiva da ABEEólica
Para concluir, ela diz que corrigir as assimetrias é o ponto de partida para buscar o fortalecimento da indústria. “Destacamos ser importante respeitar um período de transição, para aqueles compromissos que já foram assumidos quando da adoção da medida”.
Kroma: decisão vai desacelerar novos investimentos
O imposto de importação, tanto para os módulos fotovoltaicos como para as turbinas eólicas, apesar de serem visto como algo positivo para a indústria nacional, impactará com o aumento do custo dos equipamentos dos projetos de energias renováveis, reduzindo sua viabilidade e, consequentemente, desacelerando novos investimentos e aumentando o custo da energia para o consumidor. Pelo menos é essa a visão do CEO da Kroma Energia, Rodrigo Mello.
Sobre qual seria o mais prejudicado, se o setor fotovoltaico ou o eólico, Mello acredita que esse último já possui empresas de grande porte com fabricação local e pode estimular a retomada de empresas que, anteriormente, tinham fábricas no Brasil. Por outro lado, no que diz respeito ao segmento solar, a fabricação de módulos no Brasil é muito pequena diante da demanda. Dessa forma, o mercado nacional não tem capacidade de atender à demanda local, sendo dependente da importação de painéis fotovoltaicos que estarão mais caros. No final, o maior prejudicado será o consumidor que arcará com um preço mais elevado da energia.
“A adição do imposto de importação ameaça cerca de 18 GW de projetos. Considerando que a importação será necessária, esse acréscimo impactará no aumento dos custos dos equipamentos e, consequentemente, alguns projetos podem deixar de ser viáveis. Devido ao grande aumento recente da produção global de placas solares, o preço caiu muito, o que, juntamente às regras do período de transição para a retomada do imposto de importação, reduz o impacto. Porém, no momento que os preços voltarem a subir, o impacto será considerável. A volta do imposto impacta não apenas a transição energética, como também a geração de empregos e novos investimentos que são frutos na energia solar.”
Rodrigo Mello, CEO da Kroma Energia
Ele observa que, no Brasil, a capacidade produtiva dos módulos fotovoltaicos é muito pequena diante da demanda, sendo necessário um volume muito expressivo de investimentos para atendê-la. Além disso, é importante ressaltar que não há uma cadeia vertical de produção, sendo ainda necessário importar os principais componentes. “Por fim, no curto e médio prazo, as empresas ainda precisarão importar os módulos fotovoltaicos para atender à demanda de seus projetos”. Para Mello, o Brasil pode ser prejudicado na competitividade global, já que a indústria nacional não atenderá a demanda existente neste primeiro momento.
Sobre as perspectivas do setor para 2024/2025, Mello entende que os anos vão ser desafiadores para as fontes renováveis no Brasil. Temos a retomada do imposto de importação, a manutenção dos preços baixos da energia, um sistema elétrico saturado, o fim do desconto da TUSD/TUST na geração centralizada, bem como as novas regras do sistema de compensação de energia para a geração distribuída.
Ele observa que os projetos que devem sair do papel são os que ainda possuem os benefícios supracitados. Além disso, ainda há um forte e crescente apelo pelo uso de energias renováveis por empresas que praticam ações de ESG. Cabe aos empreendedores pensarem fora da caixa, trazendo novos modelos de negócio, como, por exemplo, a inserção dos sistemas de armazenamento de energia.
Medida objetiva desenvolver e dar mais competitividade à indústria
O advogado Igor Maia Gonçalves, sócio do escritório APSV Advogados e especialista no mercado de energia, analisa que o principal objetivo do Governo com a revogação dos exs tarifários (imposto de importação) sobre equipamentos fotovoltaicos e turbinas eólicas é desenvolver e dar mais competitividade à indústria nacional. “Assim, com o aumento da tributação dos produtos importados, o que se espera em termos de impacto imediato é que o mercado nacional seja ampliado, tanto para suprir a demanda do mercado interno, como também para fazer frente aos produtos importados, principalmente os chineses”.
No entanto, ele frisa que a medida também traz várias repercussões, pois, na outra ponta, o aumento nos preços chega ao mercado consumidor, que já está habituado ao benefício, de modo que os investimentos e projetos na área devem ser revistos para computar esses novos valores, existindo uma preocupação no mercado de que essas mudanças possam desacelerar o desenvolvimento do setor.
A maioria dos exs tarifários que foram revogados – explica – são de equipamentos fotovoltaicos, que têm a China como maior exportador em nível mundial, isso porque eles possuem preços bastante competitivos. O Brasil está inserido dentro desse contexto. Então, nós temos aqui um mercado consumidor que já vem considerando esse benefício na composição dos seus projetos. Com as mudanças implementadas, esses projetos deverão recalcular sua viabilidade e o componente financeiro desses equipamentos, considerando a nova tributação.
Sobre se a volta do imposto pode impactar a chamada transição energética no Brasil, Igor Maia ressalta que o conceito de transição energética é bastante amplo, e acompanha uma tendência mundial que considera diversas variáveis, questões e estratégias. A geração a partir de fonte solar é um pilar bastante relevante nesse âmbito, então qualquer impacto nesse setor acaba tendo repercussões que merecem atenção.
“Com relação ao recorte brasileiro específico desta questão tributária, existe a intenção do governo de desenvolver a indústria nacional, e isso de fato é essencial para dar mais robustez ao nosso mercado de energia. Mas, é importante que isso seja feito a partir de uma visão sistêmica que envolva todos os agentes do setor, e que eventuais desequilíbrios possam ser conjuntamente mitigados. Em um cenário macro, espera-se que as políticas públicas e o mercado estejam alinhados na rota da transição energética e, considerando a amplitude desse conceito, essas novas medidas trazem, sim, algum impacto, mas não inviabilizam o processo de transição energética no país.”
Igor Maia Gonçalves, sócio do escritório APSV Advogados e especialista no mercado de energia
Indagado se o mercado brasileiro produz o suficiente – e com qualidade – para a suprir as necessidades das empresas, Igor Maia acredita que a premissa dos exs tarifários é contemplar produtos que não sejam produzidos no Brasil, e foi a partir daí que se entendeu que os equipamentos que tiveram o benefício revogado já possuem similares nacionais. Na outra ponta, existe uma preocupação legítima do mercado com relação ao abastecimento desses produtos e, sobretudo, com relação à competitividade dos seus preços.
Ele acrescenta que a mudança (imposto de importação), contudo, tem um viés duplo: além da questão puramente arrecadatória, o objetivo é desenvolver e ampliar a indústria nacional e toda a cadeia relacionada, para que o mercado produtor brasileiro possa ser competitivo em qualidade e preço, além de volume de demanda.
Brasil é o segundo que mais importa de China
De acordo com o Canal Solar, tendo como base a análise do think tank de energia Ember, o Brasil é o segundo maior importador de painéis solares da China depois da Europa, consumindo o equivalente a 9,5 GW nos primeiros seis meses de 2023, quantidade semelhante à do mesmo período do ano passado (9,4 GW). No primeiro semestre de 2023, as exportações de painéis solares da China cresceram 34%, com 114 GW enviados para todo o mundo, em comparação com 85 GW no mesmo período do ano passado.
“O mundo está correndo para aproveitar essa fonte de energia barata, limpa e abundante para alimentar a economia do futuro. Está claro que a capacidade de fabricação global não é atualmente o fator limitante para alcançar o crescimento necessário de cinco vezes na energia solar até 2030”, diz Sam Hawkins, líder de dados da Ember.
Ainda segundo o Canal Solar, a Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), em setembro de 2023, chamou a atenção para a necessidade triplicar a capacidade global de energias renováveis para 11 terawatts (TW) até 2030, se o mundo quiser evitar que o planeta aqueça acima de 1,5°C até o fim do século.
A geração solar está entre as principais tecnologias disponíveis para cumprir a meta, mas a concentração de suprimentos preocupa.
Representando cerca de 80% da participação no mercado global de capacidade de fabricação de energia solar, o crescimento das exportações chinesas tem implicações globais para a expansão da energia limpa, destaca a análise do Ember. Mais da metade dos módulos solares exportados da China no primeiro semestre de 2023 foram destinados à Europa (52,5%), que tenta reduzir sua dependência do país asiático.
A região também registrou o maior crescimento absoluto em todo o mundo, com as exportações da China aumentando 47% em relação ao ano anterior (+21 GW), atingindo um total de 65 GW enviados no primeiro semestre de 2023, em comparação com 44 GW no mesmo período do ano passado. Uma vez instalada, essa nova capacidade poderá fornecer cerca de 2% da demanda anual de eletricidade da Europa, semelhante à demanda da Bélgica, diz o relatório.
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