Nem tanto, nem tão pouco. Assim pode ser definido o atual estágio de engajamento das empresas brasileiras às práticas ESG (Environmental, Social and Governance), sigla em inglês para Ambiental, Social e Governança. As grandes empresas avançam muito mais do que as demais, motivadas notadamente pelo modelo europeu, para onde muitas delas exportam seus produtos. No comércio, o processo anda, mas em ritmo mais lento. E no final está um consumidor cada vez mais exigente e atento, especialmente das gerações Y e Z, que buscam consumo consciente e até pagam por marcas sustentáveis.
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Há 17 anos “pregando” a necessidade das empresas brasileiras se adequarem às práticas internacionais de sustentabilidade, Alcileia Farias, coordenadora do Núcleo ESG da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), percebeu que o convencimento da importância de uma agenda ESG nas empresas passa longe de discursos utópicos e românticos. “Estamos falando de custos, de resultados e de sobrevivência”, costuma dizer quando fala com os executivos, em especial os CFOs, responsáveis pelo Caixa das Companhias.
Alcileia Farias é otimista com o avanço do Brasil nas práticas de sustentabilidade pelo simples motivo de que o recado vem direto do mercado cada vez mais exigente. Ela também é realista porque não desconhece que o desafio é enorme e o campo de ação é vasto e inesgotável diante do tanto a fazer. “No Ceará, as empresas entenderam a voz do consumidor e das parcerias internacionais”, orgulha-se e ilustra com muitas ações dentro da agenda ESG. Entre elas estão a redução de exploração de recursos naturais finitos, o uso de embalagens sustentáveis, iniciativas de diversidade e inclusão, diminuição do uso do plástico e layouts de projetos arquitetônico ecológicos. “Se o B2C está seletivo e crítico, o B2B está atento”, garante.
Para a coordenadora do Núcleo ESG da FIEC, há programas estaduais de incentivo como o FDI no Ceará e o Selo de Certificação da Indústria. No âmbito federal, existe o Índice de Sustentabilidade Empresarial do BNDES. Mas há também “desincentivos” na base produtiva à espera de soluções. A começar pela abertura de vagas de empregos para os PCDs, sem uma mínima estrutura de acesso físico às instalações, causando constrangimento e desânimo.
A assistente social Danielle Viana, executiva da área de ESG e Responsabilidade Social Corporativa lembra que o ESG ficou adormecido por muito tempo e que agora, ativado, chegou até mesmo ao mercado de capitais, o que acelera a implementação de ações efetivas nas empresas que operam em bolsa de valores. “A pandemia mostrou a necessidade de rever os hábitos de consumo e a forma de relacionamento com o meio ambiente com vistas a preservar as futuras gerações”, analisa ela.
Com MBA em Sustentabilidade e Gestão Ambiental e que transita no mundo corporativo, especialmente o elétrico, Danielle Viana percebe que as empresas do setor têm realizado ações nos diferentes pilares da sustentabilidade. Na área social, há um olhar mais cuidadoso com os colaboradores, oferecendo projetos de diversidade e inclusão e desenvolvendo pautas de igualdade de gênero. “Era entrar neste movimento ou ficar de fora do mercado”, diz, acrescentando que o acesso e a disseminação da opinião do consumidor através das redes sociais aceleraram o processo tornando o ESG um caminho de sobrevivência, não mais uma opção e, em breve, vai virar lei.
Docente e coordenador dos cursos de Gestão e Comércio do Senac de Novo Hamburgo (RS), braço social da Fecomércio, Émerson Reis diz que o Brasil continua seguindo as grandes tendências mundiais, ainda que Estados Unidos e Europa estejam à frente em questões de regulações legais e práticas de sustentabilidade, caso da redução do uso do plástico. “Evoluímos, mas ainda de maneira precária porque o quesito sobrevivência financeira lidera a preocupação de quem produz”, afirma. Ele arrisca dizer que as ações de sustentabilidade ocupam um tímido quinto ou sexto lugar na lista de prioridades nas estruturas empresariais e de quem decide.
Mestre em Indústria Criativa, Émerson Reis entende que se trata de um movimento em evolução encabeçado pelas grandes empresas com fôlego para investir e que já começam a olhar as ações sustentáveis como forma de reduzir custos e aumentar a produtividade. “Nas empresas de menor porte, a exceção fica com os novos empreendimentos que já nascem com o diferencial da sustentabilidade”, afirma. O mesmo vale para o consumidor que quer ter uma boa experiência de compra, mas ainda pagando o menos possível. Ele diz que o impacto ainda não é muito grande nos resultados das empresas que não sejam reconhecidas como cidadãs, o que, a seu ver, tende a mudar rapidamente.
Apesar da sustentabilidade ainda não estar no radar das prioridades, estudo da Serasa Experian, entretanto, mostra que quase 90% das micro, pequenas e médias empresas brasileiras já adotam uma ou mais práticas ESG. A maioria (66%), mesmo sem saber o que a sigla realmente significa, atua no pilar da “Governança”, que envolve mecanismos de integridades como códigos de ética.
Os demais já têm alguma ação de responsabilidade social e contam com programas voltados à responsabilidade ambiental com medidas de consumo consciente de energia, água e geração de resíduos. Na área social, as PMEs entrevistadas admitem que faltam ações focadas na igualdade racial e de gênero. A pesquisa da Serasa também mostra que a maior compreensão sobre os pilares do ESG vem do Nordeste (38,8%) e do Sudeste (34,7%).
Ao circular por diversas áreas de atividades empresariais como sócio da Torres Teodoro Advogados, Celso Torres se surpreendeu com a pesquisa Omnichannel Retail Trends 2023, da Manhattan Associates, que apontou que, em média, 25% dos entrevistados brasileiros usam o critério da sustentabilidade nas suas opções de compra, contra 13% dos consumidores americanos e 11% dos alemães. No levantamento, o Brasil fica atrás apenas do México (33%).
Na verdade, não deveria ser uma surpresa se o Código de Defesa do Consumidor protagonizado pelo Brasil desde 1990 fosse levado a sério. Isto porque ele já apontava o caminho da sustentabilidade em sua origem, ao exigir informações claras e precisas nos rótulos. Mais do que a composição do produto, a tendência agora é de uma pegada climática.
Torres, também Head de ESG da Esphera Soluções Ambientais, exemplifica com a foodtech brasileira Nude de alimentos a partir da aveia, que acrescentou o impacto ambiental gerado por aquele produto, a correspondente compensação e qual o plano de redução. Mais do que isso, a empresa criou um movimento voluntário através da #mostresuapegada. No Ceará, a indústria de vestuário Catarina Mina avançou em rastreabilidade social ao colocar no rótulo um QR Code com dado de origem e a história de produção daquele item.
“A pauta da sustentabilidade é coletiva e cooperativa e não depende apenas do consumidor exigindo ações, nem da iniciativa privada que avança e sequer do poder público, bastante atrasado no processo.”
Celso Torres, sócio da Torres Teodoro Advogados
Em sua avaliação, os projetos de lei em andamento são esparsos e não convergentes, citando o próprio Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal que, embora considere aspectos de sustentabilidade, está desconectado. “É preciso que todas as iniciativas dialoguem para garantir força e resultados”, finaliza.
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