Resistência cultural e falta de qualificação profissional resumem o acanhado avanço na modernização da cadeia da construção civil brasileira, quase uma repetição do que aconteceu com a chegada da tecnologia CAD (Computer Aided Design) nos anos 80, hoje obsoleta diante de tantas inovações. A principal delas é a plataforma BIM (Building Information Modeling), por exemplo, que promete uma revolução traduzida em melhores projetos, edificações mais qualificadas, desperdício, retrabalho, custos menores e maior produtividade. E trará junto outras tantas como a modelagem em 3D, que igualmente estão mais nos centros de pesquisas das universidades do que nos canteiros de obras.
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Com tantos benefícios, por que então menos de 10% das empresas do setor efetivamente usam a modelagem de dados para projetar as obras, conforme apontou estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE) feito há mais de cinco anos e que se mantém atual?
A arquiteta Yara Lopes, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará (CAU), vê na abrangência do BIM o salto que a indústria nacional poderia experimentar. Ela diz que “a plataforma passou a ser mais falada nos últimos cinco anos, mas ainda pouco implementada na prática”. E atribui o fato à resistência natural do ser humano diante das novidades.
Aos escritórios de arquitetura e projetos que já utilizam o BIM de alguma forma – mas longe de seu potencial – Yara Lopes recomenda explorarem mais seus recursos que alcançam todos os elos da cadeia do negócio da construção, da concepção à pós-obra e até mesmo no caso de demolição.
É um trabalho conjunto de profissionais tais como calculistas estruturais, engenheiros eletricistas e equipe hidrossanitária, que alimentam o sistema com todos os gastos financeiros previstos, desde tomadas, fiação, especificações da madeira, volume de argamassa e lâmpadas. “Os conteúdos formarão um orçamento final preciso, evitando erros no processo e corrigindo rumos com redução de prejuízos e agregação de valor”, detalha.
Para a conselheira do CAU – que em nível nacional abraçou a causa – tanto o BIM, quanto outras tantas ferramentas tecnológicas disponíveis, não apenas atendem às exigências de sustentabilidade, como otimizam o trabalho humano, mas exigem capacitação e aperfeiçoamento das pessoas.
Estudante de mestrado em Modelagem e Design da Informação na Universidade Federal do Ceará (UFC), ela vê a academia vários passos à frente do mercado em termos de modelagem de dados, um fato que dá protagonismo ao Ceará. Também acredita que o processo será acelerado com a iniciativa do governo federal de transformar o sistema BIM em uma estratégia nacional exigindo sua aplicação nas propostas de obras públicas em todo o seu ciclo de vida. Neste sentido, as prefeituras de Curitiba e de Salvador são as mais avançadas no Brasil ao aprovarem (ou não) os projetos dentro dos parâmetros estabelecidos e em conformidade com o conceito BIM.
Coordenador do Laboratório de Materiais de Construção da Universidade Federal do Ceará (UFC), o professor de Engenharia Civil, Eduardo Cabral, acompanha este movimento em seu nascedouro. E sabe que na maioria dos cursos de pós-graduação no Brasil, há trabalhos desenvolvidos envolvendo novos materiais, por exemplo, mas que a gama maior deles fica no âmbito acadêmico à espera de implementação pela indústria de construção civil. “Estamos avançando na busca por materiais renováveis ou alternativos”, comenta.
Se os projetos saírem das universidades e ganharem as fábricas, o Brasil poderia usufruir da transformação de subprodutos e resíduos da própria construção civil e de outras indústrias, alguns já de uso consolidado. É o caso de algumas pozolanas, como cinzas de queima de carvão, de indústria termoelétrica, algumas escórias de aciarias, de indústria de produção de aço.
Entre as possibilidades mais recentes estão algumas fibras naturais como a do coco para painéis de isolamento e telhas. Outros “insumos” são os sacos de cimento para painéis de divisória, já com patente registrada, e as raspas de pneu para isolamento térmico e acústico.
Na parte de tecnologias, o professor Eduardo Cabral conta que a modelagem da informação BIM tem muito a ser explorada para eliminar as interferências entre projetos. “O cano que esbarrava numa estrutura de concreto no meio da obra pode ser evitado já no projeto, que permite a visualização do todo”, afirma. Tudo, entretanto, se aplica a projetos de prédios novos. E as edificações antigas? Para isto, Cabral conta que já existe a técnica do laser, scanner terrestre, ou do laser scanner aéreo por meio de drone, onde se faz uma varredura do local com equipamento específico, se cria uma nuvem de pontos e se transforma esse desenho em uma planta em BIM, escaneando e gerando projeto com medições precisas.
Em se tratando de construções em 3D, uma realidade ainda incipiente no Brasil, a Universidade Federal do Ceará participa de um projeto da BCP e da USP em São Paulo, que é o Rubik de Inovação,já com programação de impressão de uma edificação. “Temos vários protótipos no Brasil, mas não temos ainda uma produção em escala, uma produção em série, mas com certeza isso vai chegar aqui no nosso país porque é uma maneira de agilizar e padronizar os processos industriais”, acredita.
Ele lembra que os primeiros processos de impressão 3D tinham a concepção de imprimir a casa inteira em menos de 48h, mas havia o problema de montagem da máquina impressora, que demorava mais do que a própria impressão. O conceito hoje é de imprimir módulos a partir de células de impressão por partes a serem posteriormente montadas.
As repercussões dessas tecnologias sobre a ocupação das pessoas é um fato que requer adaptações, como tem sido desde a revolução da manufatura mundial. O manual deu lugar ao automatizado. “As tecnologias são produzidas por pessoas e também geram vagas”, afirma ele, que não vê isto como ameaça, lembrando que a evolução naturalmente cria novas funções, caso dos gestores de redes sociais.
“As pessoas têm que enxergar a inovação como uma oportunidade, se capacitando para os novos empregos”, observa, acrescentando que na construção civil não será diferente. Os robôs que vão fazer as impressões e para construir a casa 3D precisam ser programados, alimentados e aferidos.
Também da Universidade Federal do Ceará (UFC), José de Paula Barros Neto, professor titular do Departamento de Engenharia Estrutural e Construção Civil,concorda que embora esteja presente em muitas empresas, a tecnologia BIM ainda não tem uso massificado no Brasil. E lembra que é preciso avançar porque o BIM é a base para quase todos os processos. A realidade aumentada ou virtual, para ser aplicada, precisa ter projetos 3D baseados no BIM. Da mesma forma que a machine learn está dentro deste conceito.
A propósito, ele lembra que embora impressione à primeira vista, o sistema 3D ao redor do mundo não chegou à escala comercial e se aplica somente à parte estrutural, portanto, não se trata de uma obra pronta. Já a Inteligência Artificial está fortemente ligada à Big Data, como a realidade virtual, que são os grandes bancos de dados envolvendo várias áreas, inclusive em questões de segurança e treinamento, repercutindo na produtividade e nos custos.
Tanto quanto produtos e resultados do avanço tecnológico, o professor alertou para a necessidade de discutir questões éticas diretamente ligadas à inteligência artificial, sabendo-se, com transparência, o destino dos dados. O debate tem que incluir o desemprego, um risco que ainda considera incipiente. Atualmente, o setor busca a construção modular, tendo, por exemplo, paredes e até banheiros prontos, mas ainda onerosos e que também está em sua fase inicial, especialmente no Ceará.
“Ainda que existam novas tecnologias que estão revolucionando os processos construtivos, a realidade da indústria da construção civil brasileira não difere muito do resto do mundo em se tratando de inovações, que estão acessíveis a todos. A diferença é a disponibilidade de recursos financeiros e a falta de uma adequada formação técnica para a implementação dos sistemas”.
A análise é do vice-presidente de Materiais, Qualidade e Produtividade da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). Dionyzio Klavdianos lembra que o mercado não está mais tão vendedor, os custos se elevaram, da mesma forma que as exigências são maiores, resultando em maior racionalidade.
Diante disso, as construtoras e incorporadoras, de maneira prudente, estão buscando uma maior digitalização como caminho para gerar projetos mais consistentes e obras mais produtivas, com qualidade e custos confiáveis. “As empresas em geral enfrentam barreiras como a dificuldade de acesso aos dados oferecidos por plataformas como o BIM, por conta da inexistência de estrutura e de um planejamento estratégico claro, além da dificuldade de acessar fontes de financiamento”.
“A transformação digital do setor é uma realidade e que deve se fortalecer nos próximos anos”, garante Aloisio Arbegaus, diretor comercial da Teclógica, baseando-se em dados da primeira pesquisa nacional sobre digitalização nas engenharias voltadas à indústria da construção. A pesquisa, realizada pelo Sistema Confea/Crea/Mútua e o BIM Fórum Brasil (BFB), atesta que 43,8% dos profissionais brasileiros no setor já usam plataformas específicas para gestão da construção.
A empresa colhe os frutos deste cenário com seu software Mobuss Construção, registrando um crescimento de 20% em sua carteira de 300 clientes em 2023 e que projeta aumentar em 25% neste ano. A plataforma já gerenciou mais de 10 mil obras e fez mais de 4 milhões de inspeções e auditorias de qualidade. O Mobuss Construção é uma plataforma que, com 11 módulos, atende do canteiro ao pós-obra, auxiliando nas principais etapas do processo da construção.
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