energia limpa e geração distribuída

Especialista afirma que a energia limpa precisa de investimentos privados para avançar e políticas governamentais para se estabelecer. (Foto: Envato Elements)

Energia limpa: Crescem consciência e investimentos na geração, mas falta estrutura de distribuição e transmissão

Por: Gladis Berlato | Em:
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A transição energética está em expansão no mundo e no Brasil. Somente em 2023, o planeta aumentou em 50% a capacidade de geração de energia limpa, acrescentando 510GW (36 usinas de Itaipu). O investimento mundial cresceu 17%, alcançando US$ 1,8 trilhão. O setor elétrico brasileiro, no ano passado, registrou o menor índice de emissões de CO² desde 2011 (dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Mesmo assim, há um longo caminho para zerar as emissões líquidas de efeito estufa no globo que continua esquentando. Sem falar que há pressões para diminuir o ritmo nesta “faxina no clima”.


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Rodrigo Mello, CEO da Kroma Energia, acredita que o Brasil terá uma participação fundamental na mudança da matriz energética mundial. “O nosso país é um dos grandes candidatos a ser bom protagonista desta mudança da matriz energética mundial, a vocação para energia renovável, além do favorável para o ambiente de negócios, nos credencia para esta competição global”, afirma.

Rodrigo Mello, CEO da Kroma Energia, fala sobre energia limpa
Rodrigo Mello, CEO da Kroma Energia. (Foto: Arquivo/Kroma)

O diretor de Regulação do Sindienergia Ceará, Bernardo Viana, está confiante de que, desta vez, o Brasil – e o mundo – estão levando mais a sério os pactos e acordos estabelecidos nos grandes fóruns globais. “Embora tudo tenha começado em 1992, com o Protocolo de Kyoto, somente agora, com o Pacto de Paris e com o avanço da tecnologia, houve uma efetiva compreensão da gravidade do problema com o aumento das temperaturas globais que tornaram locais inóspitos e que levam a migrações populacionais”, diz.

Bernardo Viana, diretor de Regulação do Sindienergia Ceará, sorrindo
Bernardo Viana, diretor de Regulação do Sindienergia Ceará. (Foto: Arquivo pessoal)

Para o Brasil, as oportunidades, a seu ver, são interessantes. Uma delas, já vivenciada pelo Ceará, está na Companhia Siderúrgica do Pecém, que produzirá o chamado aço verde. Isto significa que a energia elétrica necessária para a produção será 100% renovável, agregando valor ao produto, ao mesmo tempo em que contribui para manter a matriz limpa. O fato diferencia o Brasil do cenário mundial, ainda fortemente dependentes do petróleo e até mesmo do carvão.

Gargalo

Entre os desafios a serem enfrentados, o diretor do Sindienergia Ceará destaca a distribuição e a transmissão de energia, em função do aumento da geração, para onde estão sendo direcionados os maiores investimentos. “O gargalo mundial, brasileiro e cearense está no equacionamento sobre como as novas energias vão chegar ao consumidor final”, comenta. Também a mobilidade, com os carros elétricos, gera desafios com a necessidade de conexões para a recarga. Da mesma forma que as pesadas baterias para apoiar a frota de caminhões, que precisam ser reutilizadas para preservar o meio ambiente.

A propósito, Bernardo Viana vê nas baterias a maior evolução e aposta que no futuro cada um terá seu próprio ponto de recarga para abastecer não apenas os veículos, mas também casas, comércios e indústrias. “Eu próprio já aderi ao pacto em favor da natureza com carro elétrico e geração solar em minha casa”, testemunha, afirmando que o Brasil já conta com parques eólicos desde 1998 e o Ceará participou desta iniciativa com parques como os de Mucuripe, Prainha e da Taíba.

Um dos caminhos para acelerar o processo de transição energética, segundo ele, é o da formação de Parcerias Público-Privadas (PPP). E destaca o exemplo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza ao permitir que grupos privados tenham a autorização para gerar energia com descontos para escolas (já são mais de 800) e unidades da saúde.

Descarbonização

Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), diz que embora bem posicionado, o Brasil pode avançar na descarbonização, substituindo fontes fósseis por renováveis, principalmente em setores como transporte e mobilidade. As fontes fósseis representam cerca de 55%, incluindo principalmente petróleo, seguido de gás natural e carvão. Os 45% restantes são renováveis e limpas. Já na matriz elétrica, que inclui somente a geração de eletricidade, o Brasil está praticamente descarbonizado, desde a sua origem, mas ainda não o suficiente.

Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel). (Foto: Arquivo/Abraceel)

O diferencial fica evidente quando se compara com o resto do mundo, onde as fontes fósseis respondem por cerca de 80% (petróleo, gás natural e carvão), enquanto as hidrelétricas e as renováveis, como eólica e solar, representam apenas 5%. Já na China, que tem praticamente a mesma proporção entre fósseis e renováveis, o agravante é que o carvão ainda participa com 60% de sua matriz energética.

3 D’s

Para o dirigente da Abraceel, transição energética não significa só descarbonização, mas também digitalização e descentralização, os famosos 3 D’s constantes na literatura acadêmica: produzir e contratar energia de forma descentralizada e dar acesso ao consumidor, com processos digitalizados, no que o Brasil está muito atrasado.

“Universalizar o acesso ao mercado livre de energia é fundamental para apoiar os esforços brasileiros no desafio da transição energética, dando protagonismo ao consumidor nessa jornada.”

Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Abraceel

Ameaças

Head de Descarbonização da PSR, Luana Gaspar vê como um grande desafio, mas também como oportunidades a descarbonização reduzindo as emissões e o desmatamento, sem perda de competividade. Para ela, entretanto, há ameaças internas e externas.

Luana Gaspar é head de Descarbonização da PSR. (Foto: Arquivo/PSR)

“O Brasil tem todas as armas na mão nesta guerra, enquanto o mundo está andando mais devagar”, afirma Luana, ao alertar para pressões geopolíticas. Externamente, os EUA, por exemplo, com a possível volta de Donald Trump ao poder, tende a afrouxar a política de descarbonização. E a Suprema Corte da Alemanha já retirou parte dos recursos destinados à causa, dada a pressão da Guerra da Rússia com a Ucrânia. “São movimentos que amedrontam e que podem levar a um retrocesso brasileiro nesta jornada”, lamenta.

Internamente, são preocupantes itens incluídos em medidas constitucionais como a expansão de contratos nas usinas térmicas a carvão, a privatização de térmicas a gás e o incentivo ao mercado de gás.

Infraestrutura onerosa

Para quem vê o mercado por dentro,Gabriel Barreto, diretor-executivo e fundador da Athena – voltada à soluções de energia customizadas – embora o Brasil esteja na frente nesta corrida global, terá que vencer vários desafios, a começar pelo alto investimento, já que se trata de um projeto de infraestrutura como qualquer outro. A lista segue com a questão da segurança jurídica e com a alta dependência nacional de módulos fotovoltaicos da China e, no caso da eólica, os fabricantes são, em sua maioria, europeus.

A intermitência das fontes limpas também é um desafio importante citado por Barreto, apontando, como alternativa, o uso de bancos de baterias – uma espécie de controlador de carga, capaz de armazenar e injetar energia no sistema, algo que ele entende que deve surgir no futuro.

“O País realmente tem todo o potencial e pode ser protagonista em um cenário como esse”, afirma, ciente do custo elevado de tecnologias como as do hidrogênio verde e de eólica offshore. “Precisamos é de incentivos reais, com grandes empresas como as petroleiras e multinacionais, trabalhando em prol disso”, defende, lembrando também do biometano como mais uma fonte de energia limpa e sustentável.

Diversificação

“Subsídio também é investimento”, afirma opresidente da Servtec Investimentos, Lauro Fiúza Neto, ao se referir ao volumoso investimento a ser feito em infraestrutura do sistema energético nacional. Ele defende um ritmo gradativo e responsável para uma transição energética eficiente. Para Fiúza, a diversificação de fontes é útil, inclusive as usinas térmicas, que já evitaram colapsos e que têm seu papel reforçado em função da intermitência das energias limpas dependentes de recursos naturais.

O futuro vislumbrado pela Servtec é promissor e passa pelo Hidrogênio Verde, onde o Brasil poderá ser um fornecedor mundial e onde o Ceará ganha destaque. Igualmente, o Estado pode ter a liderança em energia eólica offshore, que oferece maior lastro, dada a inexistência de obstáculos ao vento nos oceanos e por sua interseção com a indústria naval intensiva em mão de obra qualificada. Também cita como tendências a evolução tecnológica das baterias fotovoltaicas para atingirem patamares razoáveis de custos e a continuada abertura de mercado, democratizando as regras já postas.

Oportunidades

Ricardo Cifu, vice-presidente para a América Latina da GEF Capital Partners – gestora de private equity focada em investimentos em energia, saneamento, água e agricultura – diz enxergar três tendências interessantes no horizonte: maior integração e distribuição de energia solar e eólica, armazenamento de energia em baterias sustentáveis e hidrogênio verde.

Ricardo Cifu, vice-presidente para a América Latina da GEF Capital Partners. (Foto: Divulgação)

Ele informa que as novas matrizes energéticas juntas devem atrair investimentos de US$ 800 bilhões neste ano (em 2023 foram US$ 640 bilhões), devendo chegar a US$ 1 trilhão até 2030. “O Brasil tem tudo para ser um líder neste mercado”, afirma, destacando as oportunidades que começam pela redução de 80% do custo das energias renováveis nos últimos anos.

Embora a insolação no Brasil possa ser de 10 a 20 vezes maior do que na Alemanha e o litoral atlântico tenha mais de 7 mil km, com alta incidência de ventos, as linhas de transmissão ainda não chegam em partes da Amazônia e do Cerrado, deixando mais de um milhão de pessoas sem energia elétrica. “As baterias sustentáveis poderiam gerar pequenos sistemas limpos de fornecimento no lugar de geradores a diesel, não fossem os entraves de custos e acesso”, comenta.

O mesmo vale para o hidrogênio verde. “Se o Brasil superar esta barreira, se tornará um grande gerador capaz de cobrir zonas sem energia, possibilitando até a exportação para outros países”, afirma. Ele entende que “a energia limpa precisa de investimentos privados para avançar e políticas governamentais para se estabelecer”.

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