No Brasil, 90% das empresas são familiares (ou tiveram origem) e são responsáveis por 75% dos empregos e por 65% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, na longa caminhada de uma empresa familiar, existe uma pedra, um desafio a ser superado: a sucessão.
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Em 2023, as 500 maiores empresas familiares do mundo geraram US$ 8,02 trilhões em receitas, aumento de 10% em relação a 2021, e empregaram 24,52 milhões de pessoas, alta de 1,4% em relação aquele ano. Os números são da EY and University of St. Gallen Family Business Index (Índice de Empresas Familiares) de 2023.
Uma constatação preocupante: estudo do Banco Mundial revela que 30% das empresas familiares chegam à 3ª geração e apenas metade disso, ou seja, 15% sobrevivem. Diante da realidade, muitas empresas já realizam processo de sucessão quando o comando nas mãos dos fundadores é passado para as novas gerações.
Ainda de acordo com o Banco Mundial, os principais obstáculos, no que diz respeito à longevidade das empresas familiares são: o apego e centralização excessiva de poder; a sobreposição de papéis; a dificuldade de reconhecer e trabalhar as próprias limitações pessoais; e a falta de um planejamento sucessório adequado.
É um momento desafiador, mas necessário, pois a máxima “o olho do dono é que engorda o porco” fica cada vez mais distante da realidade mundial. Aliás, por si só, ela demonstra uma resistência em passar o comando, seja para a nova geração ou para um profissional do mercado distante da família.
Planejar a sucessão é crucial para o negócio
O planejamento da sucessão empresarial é crucial pra garantir a continuidade e o sucesso empresarial do negócio, sobretudo a longo prazo, pois sem isso a empresa pode enfrentar, de fato, desafios e riscos. Por exemplo, a saída repentina do líder ou do fundador pode levar a uma instabilidade e incerteza quanto ao futuro da empresa. É o que afirma Edson Santana, sócio fundador da Edson Santana Advogados.
Ele levanta outra questão: a falta de um plano claro, objetivo, pode levar a uma série de conflitos, sobretudo entre a família, sócios ou até mesmo entre os membros da equipe que eventualmente assumirá o comando da empresa. Também lembra que outro desafio a ser superado: a possibilidade da perda do conhecimento e experiência, ou seja, os valores que são intrínsecos aquela pessoa que deixou de existir.
“Então, a saída de um profissional experiente pode de fato levar à perda de conhecimento e expertise valiosos pra empresa. Outra questão que pode acontecer, que é outro desafio, é a desvalorização do negócio, ou seja, a falta de um plano de sucessão pode desvalorizar, inclusive, a empresa, tornando-a menos atraente para potenciais compradores ou investidores ou até mesmo no próprio mercado.”
Edson Santana, sócio fundador da Edson Santana Advogados
O advogado diz que os conflitos causados pela falta de planejamento da sucessão podem, inclusive, gerar prejuízos financeiros significativos. “A gente entende que os benefícios de um plano de sucessão bem estruturados são importantes, sobretudo porque eles dão a clara noção, a confirmação da continuidade do negócio, mesmo com a saída dos seus líderes, dos seus membros fundadores”.
Para ele, o plano de sucessão bem planejado e executado acaba sendo um ativo significativo para empresa. “Essa estabilidade pode, inclusive, aumentar o valor do negócio” – enfatiza o sócio fundador da Edson Santana Advogados.
Advogado aponta os principais desafios da sucessão
Frederico Cortez, advogado e sócio do Cortez & Gonçalves Advogados observa que, dentre os desafios da sucessão empresarial, o que mais chama atenção é identificar o perfil certo para assumir o negócio ou parte dele. “Qualificação técnica e o compromisso com a missão da empresa adquirente julgo ser o norte para a escolha do novo líder da empresa”.
Ele entende que nem sempre o sucessor na empresa tenha que ser de fora do negócio, pois existem talentos dentro da própria organização empresarial, o que já economiza um certo tempo de adaptação, caso fosse um executivo externo.
“As discordâncias de ideias são necessárias, o que não significa que precise se tornar em um conflito na administração da nova empresa a ser formada. Isso tem que ser tornar bem claro, antes mesmo do início da elaboração do plano de sucessão empresarial. Nenhuma sucessão empresarial alcançará o sucesso no seu plano, caso venha a existir conflito de gestão.”
Frederico Cortez, advogado e sócio do Cortez & Gonçalves Advogados
Ele explica que o plano de sucessão empresarial tem como primeira missão apurar todas as dívidas da empresa a ser adquirida, sendo importante a construção da solução desse valor passivo do negócio. Com isso, é extremamente necessário e oportuno ter todo o conhecimento dessa conta, com a devida atenção para fazer a separação do que faz parte do endividamento e da parte que está incorporada como investimentos e que precisam ser realizados de imediato.
Feito isso – garante – é possível identificar o que é fruto de má gestão operacional com a consequência de multas tributárias, especificamente. Somente com o balanço patrimonial claro e discriminado afeito ao endividamento da empresa adquirida dentro da espacialidade de curto, médio e longo prazo. “Um outro desafio, avalio, que seja na implementação de novos modelos de negócios, tendo assim uma certa colidência de gerações de empresários”.
“Muitas empresas familiares foram erguidas com o preceito familiar, enquanto ao transitar pela sucessão empresarial adota-se o lado frio, com desapego ao histórico do negócio. Esse choque de cultura empresarial deve ser absolvido por todos os envolvidos, com respeito e sensibilidade necessários através das novas medidas a serem implementadas.”
Frederico Cortez, advogado e sócio do Cortez & Gonçalves Advogados
Indagado se o ideal seria iniciar logo cedo a preparação para a sucessão empresarial, Frederico Cortez informa que essa conduta já vem sendo uma constante, e não esperando o falecimento do presidente da empresa, em muitos casos sendo o patriarca. Uma das vantagens da antecipação da sucessão empresarial está na organização, onde o negócio terá o tempo suficiente para receber a mudança, se adaptar e seguir com o novo modelo de negócio a ser adotado.
Outro ponto positivo – cita – resulta no certo tempo de convivência de gestão entre as duas gerações, a que ergueu o negócio e a que vai dar continuidade. “Aqui temos a experiência e jovialidade imbuídas no propósito do negócio. No entanto, essa fase antecipatória na sucessão empresarial depende de muitas variáveis, uma vez que o mercado não é estático e possa ser que o momento atual não seja o mais adequado. Questões políticas, econômicas e sociais podem determinar o time certo para a antecipação”.
Cortez adianta que muitas famílias empresariais já estão imersas na cultura da preparação profissional de seus herdeiros, passando por cursos e escolas especializadas. O que antes se passava automaticamente o bastão da direção com a morte do presidente da empresa, existe agora a fase da profissionalização empresarial, em que se identificam as potencialidades de cada um dos sucessores para, assim, ser construída a nova gestão do negócio.
Ele lembra de um dado interessante apontado na 10ª Pesquisa Global sobre Empresas Familiares, referente ao ano de 2021, em que apenas 24% das companhias familiares tem êxito na preparação dos seus sucessores. Já na pesquisa de 2023, o grande desafio das empresas familiares tem ligação com os temas afeitos às questões ambientais, sociais e de governança (ESG, em inglês).
Planejamento prévio é a peça-chave
O sócio do Cortez & Gonçalves Advogados informa que a sucessão empresarial pode ocorrer de três modos, sendo as duas principais pela sucessão familiar e a outra quando ocorre a fusão, incorporação ou transformação de empresa. O planejamento prévio é peça-chave para que o processo ocorra sem arranhaduras para todos os envolvidos. Para tanto é importantíssimo para a empresa adquirente ter o conhecimento profundo sobre as dívidas vencidas e vincendas, os contratos e créditos da empresa adquirida.
O plano de sucessão empresarial envolve mudança de cultura, uma vez que é caracterizado pela transferência de responsabilidades e direitos de uma empresa para outra ou para um grupo econômico. Quando acontece a sucessão empresarial é sinal de que a empresa adquirida vai passar por transformações, principalmente do ponto de vista organizacional. A priori, o corpo de funcionários não sofrerá reflexo, porém terá que se adaptar à nova cultura que será implantada pela empresa adquirente.
Para o advogado, a questão de continuidade e prosperidade dos negócios da empresa adquirida nem sempre é o fator decisivo para a compra da empresa. Sua participação no mercado como uma concorrente em potencial já a chancela para incorporação ou fusão por empresas pares no mesmo nicho de mercado.
“A ideia, no caso, é derrubar a empresa adquirida por ser uma ameaça aos produtos da empresa adquirente, como por exemplo, aconteceu com a compra da Troller pela Ford no Ceará. A expansão dos negócios da empresa adquirente tem o caminho da sucessão empresarial como uma via, haja vista que comprará uma empresa posicionada no mercado, com toda a logística estruturada e um público consumidor já certo” – conclui.
Maioria dos negócios familiares não resiste ao afastamento de seu fundador
De acordo com a FIA Online, apesar da relevância das empresas familiares no mercado nacional, bem como no mundial, existe um desafio que é considerado o “calcanhar de Aquiles” nesse tipo de empreendimento: o processo sucessório. Ter um planejamento que garanta uma sucessão eficiente e sem percalços é extremamente necessário.
Estudo global da PwC mostrou que a maior parte das empresas familiares não resiste ao afastamento do seu fundador. De acordo com o relatório, apenas 1/3 das companhias com bases familiares chegam à segunda geração. Destas, somente 15% chegam a passar o comando à terceira geração.
Dentre os muitos motivos apontados estão: falta de planejamento – envolvidos nas rotinas diárias da empresa, muitos fundadores esquecem de planejar o futuro; escolha errada – o sucessor escolhido nem sempre tem habilidade empreendedora, afinidade com a área ou a preparação necessária para o cargo; e o “fantasma” do fundador – é bastante comum que o fundador transmita sua essência e personalidade à empresa, mas essa característica não pode impedir que o negócio tome novos rumos.
Diante de tudo isso, é mais que necessário ter um plano de sucessão, que “representa muito mais do que planejar a saída do fundador. É, na verdade, uma ferramenta que visa a evitar conflitos familiares e tornar a transição mais eficiente e efetiva, contribuindo para a prosperidade e perenidade do negócio”.
Sabia mais:
Índice aponta que empresas familiares geram US$ 7,28 trilhões no mundo