Com população sete vezes maior do que o Brasil e ocupando um território de pouco mais de um terço do brasileiro, a Índia é o parceiro comercial ideal para o Brasil, que tem alimentos e terras agricultáveis, além de produção industrial diversificada. Mas não é. “A Índia, atualmente, é uma China sem infraestrutura”, diz José Augusto de Castro, presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
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Impactante, a afirmação ganha uma dimensão ainda maior quando se sabe que o Brasil não está entre os parceiros potenciais da Índia por absoluta falta de acordos comerciais formalizados e pela elevada carga de impostos que retira sua competitividade, dentro do famoso Custo Brasil.
Com baixo fluxo bilateral de comércio – que não chega a US$ 20 bilhões – e com pauta exportadora altamente concentrada em poucos produtos (70% focados em óleos vegetais, petróleo bruto, açúcar e pedras e metais preciosos), o Brasil é apenas o nono destino das compras indianas, representando menos de 2% das transações internacionais totais brasileiras.
Índia é parceiro ideal
Ocorre que o mundo todo olha para a Índia. “China, Estados Unidos e Rússia, por exemplo, têm problemas dobrados e sem área para expandir a produção de alimentos, o que dá ao Brasil plenas condições de transformar a Índia em um de seus maiores destinos”, alerta o presidente da AEB. “Basta começar atacando os custos e enfrentando os gargalos de logística”, provoca.
Menos commodities
Além do tema de casa cuidando das contas públicas, na análise de Castro, o Brasil precisa industrializar internamente mais os produtos exportados e diminuir o embarque de commodities como soja, minérios, petróleo e açúcar, com reflexos positivos sobre o mercado interno e geração de trabalho. “Na realidade, o Brasil não vende. É comprado”, sentencia.
Ele lembra que a participação da indústria na pauta de exportações está em queda. Em 2000, era de 50%. Hoje é inferior a 30%. “A cada US$ 1 bilhão que deixamos de exportar, 30 mil empregos são perdidos, ou seja, desde 2000 perdemos 4 milhões de vagas qualificadas por conta do déficit crescente na balança comercial de manufaturados”, finaliza.
Mais commodities
Karina Frota, gerente do Centro Internacional de Negócios (CIN) da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), no entanto, entende que no momento é nas commodities que estão as maiores oportunidades. Convém lembrar que neste ano (2024), a Índia terá eleições. Favorito, o atual primeiro-ministro Narendra Modi busca o terceiro mandato consecutivo, gerando expectativas quanto à continuidade das políticas de relações internacionais.
Modi promete expandir o poder aquisitivo da população, o que aumenta a demanda por alimentos e outros insumos. O fato abre as portas ao Brasil e para o Ceará, ainda que nas tradicionais exportações de commodities, incluindo frutas, cereais e pescados e, mais recentemente, açaí em pó e suco de açaí do Brasil.
Ceará aumenta negócios com Índia
Conforme dados do CIN/FIEC, nos primeiros meses de 2024, as exportações do Ceará para a Índia apresentaram um aumento exponencial, atingindo a marca de US$ 5,98 milhões. “Durante este período, observaram-se movimentos interessantes e atípicos na pauta de exportação cearense para o país”, comenta Karina. O setor de combustíveis registrou vendas na ordem de US$ 4,8 milhões, contribuindo significativamente para o resultado geral no período, mas outros segmentos relevantes para o Ceará no comércio bilateral experimentaram variações negativa.
Outro destaque positivo foi a cera de carnaúba, com vendas 85% superiores de janeiro a abril de 2024, totalizando US$ 570 mil e beneficiando especialmente os municípios de Eusébio e Fortaleza. Já as importações cearenses de produtos indianos registraram acentuada queda de 90% no acumulado de 2024 sobre o mesmo período do ano anterior.
O setor siderúrgico, que lidera a pauta importadora, aumentou 49% em 2024. Da mesma forma, houve um aumento significativo de 210% nas importações de produtos do setor de maquinário, totalizando US$ 2,67 milhões.
Estreitar relacionamento
Embora acanhada e concentrada, a agenda de negócios do Brasil e do Ceará com a Índia tem potencial a ser explorado. O pensamento é da secretária de Relações Internacionais do Ceará, Roseane Medeiros, ao defender o estreitamento das relações com aquele país. “A Índia pode ser modelo para o Brasil no combate às desigualdades sociais e nas áreas de ciência, tecnologia e matemática”, aponta, lembrando que boa parte dos CEOs de empresas de tecnologia são indianos.
Ela se diz confiante com o avanço das conversas iniciadas em janeiro, por ocasião da visita de Suresh Reddy, o embaixador indiano ao Ceará, quando houve demonstração de interesse pela importação de castanha e pelo aproveitamento do pedúnculo, através de cooperação técnica. Nesse sentido, informou que há articulações para uma aproximação com a Embrapa.
Para a secretária Roseane, a chamada Nova Economia necessita de profissionais qualificados para o desenvolvimento de algoritmos que a Índia pode suprir. Por outro lado, o Brasil já trilha o caminho das energias renováveis que o mundo exige, até para minimizar os efeitos climáticos, o que também pode ser um facilitador de negócios não só com a Índia.
Mais acordos comerciais
Animado mesmo diante de volumes modestos de negócios, Arno Gleisner, diretor de Comércio Exterior da Câmara de Comércio, Indústrias e Serviços (Cisbra), acha que há acordos comerciais, mas limitado no número de produtos. Ele lembra que em 2020 um Memorando de Entendimento em Bioenergia com foco no etanol foi assinado. Em 2022, outro acordo foi selado pela Única, entidade que reúne as principais unidades produtoras de açúcar, etanol (álcool combustível) e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil. Focado em tecnologia, normas, políticas públicas, comunicação e sustentabilidade, o documento também levou a assinatura da associação indiana do setor de veículos.
O diretor da Cisbra concorda que a pauta ainda é muito restrita, sinalizando para o potencial para a diversificação. “O ponto forte para exportar a uma população de 1,5 bilhão e um alto crescimento econômico é a competitividade brasileira no agronegócio, nos combustíveis e nos produtos minerais”, afirma. E apontou oportunidades para cooperação em comércio e investimento em diversos setores, como tecnologia, energia, agricultura, manufatura, financeiro, autopeças, saúde, farmacêutico, educação e meio ambiente, principalmente em crédito de carbono.
Na manufatura, igualmente, vê chances de exploração de transações, embora saiba das fragilidades do Brasil, como a distância e a concorrência com a China e demais países da Ásia, além das barreiras comerciais, como tarifas elevadas e regulamentações complexas. “Além do protecionismo que também é obstáculo”, acrescenta. Também nos serviços os dois países têm competência para um bom crescimento, e serviços com muita frequência são acompanhados de bens. Para Gleisner, a relação comercial com a Índia deve ganhar prioridade e entende que a participação dos dois países nos BRICs pode facilitar a aproximação e o aumento das relações comerciais.
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