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30 anos do Plano Real: sucesso após seis tentativas fracassadas

Depois de seis sucessivos planos econômicos – Plano Cruzado I e II; Plano Bresser; Plano Verão; Plano Collor I e II – para controlar o “dragão da inflação” do Brasil, todos eles fracassados, pois não conseguiram êxito no seu objetivo principal – baixar o elevado índice inflacionário. Uma nova proposta começou a ser desenhada e recebeu o nome de Plano Real.


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A proposta, que mudaria radicalmente a economia brasileira, passou a ser planejada em 1993, por uma equipe nomeada pelo então presidente Itamar Franco (vice que assumiu com o afastamento – impeachment – de Fernando Collor de Mello). Economistas reconhecem importância do Plano e aponta os novos desafios do Brasil.

O descrédito dos brasileiros em mais um plano econômico era mais que patente, pois não mais suportavam índices inflacionários – mensal e anual – elevadíssimos, astronômicos. Essa também foi uma questão a ser vencida. Em junho de 1994, a inflação no Brasil – acumulada em 12 meses – bateu os 4.911%, às vésperas do lançamento da nova moeda: o Real, que passou a circular a partir de 1º de julho. Era o ápice do novo Plano, após uma série de medidas preparatórias. Em 2024, o Plano Real completa 30 anos.

Em 1994, a inflação fechou o ano com uma redução acentuada, atingindo 916%. Já em 1995, 22%. De lá para cá, segundo o Banco Central do Brasil, apesar de muitas crises internacionais e internas que prejudicaram a estabilização econômica brasileira, a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), ultrapassou os 9% em raríssimas ocasiões. O Bacen tem mantido rédeas curtas para conter o Dragão da Inflação.

O Banco Central afirma que “no enfrentamento do ceticismo do cidadão brasileiro em relação a planos de estabilização, a execução do Plano Real exigiu esforços de planejamento e inovação significativos por parte dos gestores da política econômica. No segundo semestre de 1993, equipes do Ministério da Fazenda, Banco Central e Casa da Moeda trabalharam juntos no desenvolvimento do Plano”.

O Plano foi então dividido em três fases: na primeira teve início o esforço de ajuste fiscal, com destaque para a criação do Fundo Social de Emergência (FSE), concebido para aumentar a arrecadação tributária e a flexibilidade da gestão orçamentária em 1994/1995. A segunda etapa foi marcada pela utilização de uma moeda escritural, a Unidade Real de Valor (URV), como unidade de conta. E na última fase, a introdução do novo padrão monetário, o Real, implicou a necessidade de rápida e abrangente disponibilização do novo meio circulante a partir de 1º julho de 1994.

Na época, tanto o Bacen como a Casa da Moeda consideraram as duas últimas fases do Plano Real como grandes desafios logísticos. Nas décadas de 1970 e 1980, a inflação alta e crônica corroía rapidamente o valor do dinheiro e a produção de numerário se dava em ritmo intenso na Casa da Moeda. Mesmo assim, concluiu-se que não seria possível conciliar a manutenção do estoque do meio circulante em Cruzeiros Reais com a produção física do Real durante a fase de transição – entre março e junho de 1994 – observa o Bacen.

Em abril de 1994, a distribuição do novo numerário para a rede bancária começou a ser feita para acelerar a substituição integral do meio circulante. Até 30 de junho daquele ano, mais de 940 milhões cédulas e mais de 688 milhões moedas já tinham sido distribuídas em todo o país. Em operação inédita, o BC coordenou simultaneamente: o fornecimento físico do Real, o acolhimento de depósitos à vista feitos na nova unidade monetária e o recolhimento de numerário em cruzeiros reais (que circularam até setembro de 1994).

Âncora cambial foi o segredo do Plano Real

O professor Ricardo Eleutério Rocha, economista membro do Conselho Regional de Economia (Corecon-CE) e da Academia Cearense de Economia (ACE), firma que, depois de vários planos fracassados – para ele foram sete e não seis, contando com o que chama de Plano Feijão com Arroz, o Plano Real finalmente trouxe estabilidade monetária para a economia brasileira. O seu segredo fundamental foi a chamada âncora cambial, a paridade dólar/real em torno de 1 para 1, fixada pelo Banco Central. Foi adotado o regime de câmbio fixo, assim como outros países também fizeram para enfrentar o problema.

A medida estancou o processo de queda do salário reais, que era muito violenta com a inflação altíssima. “Nos saímos de uma inflação de quatro dígitos, mais de 2 mil por cento ao ano para um dígito, abaixo de dez por cento. Como a inflação é o pior imposto, essa redução abrupta do índice melhorou o poder de compra, a distribuição de renda, alargou o horizonte econômico, estimulou os investimentos por parte dos empresários, provocou a expansão do crédito e trouxe também bastante dividendos políticos” – observa.

“O Plano Real, que teve início no governo do presidente Itamar Franco, cacifou o então ministro da Fazenda, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, para disputar a Presidência da República, que foi eleito e posteriormente reeleito (1998), ainda sob os dividendos políticos e eleitorais do Plano Real. Tivemos também a hegemonia dos economistas do PSDB, como André Lara Resende, Pérsio Arida, Eduardo Modiano, Edmar Bacha, e Gustavo Franco, que passaram a comandar a economia e órgãos como o Banco Central, o BNDES e outros núcleos importantes da área econômica do governo.”

Ricardo Eleutério Rocha, economista membro do Corecon-CE

O economista explica que o principal destaque do Plano é Real foi a estabilidade monetária, uma das grandes conquistas do ponto de vista econômico do país nos últimos trinta anos. A adoção do câmbio fixo, a chamada âncora cambial, que propiciou sucesso ao plano de estabilização econômica, apresentou vantagens e desvantagens. A ciência econômica também aponta as desvantagens de se adotar o câmbio fixo, assim como as vantagens. Hoje, no Brasil, é adotado o regime de câmbio flutuante.

Ricardo Eleutério Rocha, economista membro do Corecon-CE. (Foto: Arquivo pessoal)

Entre as desvantagens do câmbio fixo que o Brasil experimentou e que a ciência econômica já sinalizava, é que ele, combinado com uma inflação doméstica maior do que a inflação internacional, produziu déficits nas contas externas. “A balança comercial começou a ficar deficitária, depois de poucos meses do Plano Real. Ou seja, as exportações começaram a perder competitividade, as importações aumentaram a competitividade, os sinais negativos surgiram na balança de comércio, somadas com outras contas negativas das transações com o exterior. Começaram a sair mais dólar do que entra no país, o que vai gerar uma pressão na taxa de câmbio” – frisa.

Ricardo Eleutério Rocha explica que, para a taxa não subir, o Banco Central começou a colocar a taxa de juros doméstica num patamar muito elevado para atrair capitais financeiros externos, a fim de captar dólares e segurar a taxa de câmbio. Para o professor, a taxa de juros elevada começou a produzir menos crescimento econômico, mais desemprego, a gerar déficits públicos mais elevados, uma vez que o serviço da dívida interna foi ficando mais caro. O déficit público e a dívida pública começaram a subir. E a partir daí surgiram os chamados déficits gêmeos, déficit nas contas externas que geram déficits na conta interna.

Medidas preparativas garantiram êxito

Sem nenhuma dúvida, a maior lembrança do Plano Real foi a entrada em vigor (circulação) da nova moeda: o Real. No entanto, o Ricardo Eleutério Rocha chama a atenção para as muitas medidas que foram tomadas para que o plano lograsse êxito, como, por exemplo, o ajuste fiscal, diferentemente do que ocorreu nos planos anteriores. Também foi realizada uma renegociação da dívida externa e outras medidas para dar mais conforto, à medida que viria posteriormente, o que seria o câmbio fixo e a própria URV.

“Na realidade, ao longo de trinta anos, o Plano Real passou por uma série de ajustes. A sua semente original, o câmbio fixo, foi abandonada no início de 1999, dando lugar ao regime de metas, que tem um custo elevado. Muitas vezes a dose do remédio é muito amarga, que é manter a taxa de juros num patamar muito elevado para conter a inflação” – opina, acrescentando que há um esgotamento do Plano Real, embora a inflação permaneça baixa.

Para ele, a economia brasileira tem uma série de desafios, que é fazer o país crescer a uma taxa mais elevada; reduzir as desigualdades na distribuição da renda e da riqueza e qualificar mais a mão de obra. “Enfim, conjugar esses avanços com o equilíbrio fiscal, que é sempre um grande desafio para os governos, notadamente os que são chamados desenvolvimentistas” – finaliza.

Economista destaca estabilização econômica

Na teoria econômica, a moeda possui três funções básicas: meio de troca; unidade de conta e reserva de valor. Essas duas últimas funções já não eram exercidas nos anos anteriores ao Plano Real. Antes, o Brasil enfrentava uma hiperinflação descontrolada e uma moeda constantemente desvalorizada, o que prejudicava a estabilidade econômica e o poder de compra dos cidadãos. Para se ter uma ideia, a variação mensal da inflação chegou a mais de 80%, em março de 1990. A opinião é do Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest e ex-secretário nos Ministérios da Economia e da Fazenda.

Ele entende que, com a implementação da moeda, que simbolizou uma nova era monetária no país, em 1994, houve uma melhora significativa na estabilidade econômica, embora a inflação ainda fosse alta nos primeiros anos. O indicador anual medida pelo IPCA nos dois primeiros anos ainda foi alto, de 916% em 1994 e de 22% em 1995. Contudo, a média anualizada de 1996 até 2023 foi 6,3%.

Ao longo do tempo, o Brasil conseguiu controlar melhor a inflação, trazendo-a para níveis mais aceitáveis, o que é fundamental para o crescimento econômico e o bem-estar da população. A inflação anual projetada pelos economistas de mercado para este e os próximos dois anos (2024-2026) encontra-se ao redor do intervalo 3,5% e 4% ao ano.

Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest. (Foto: Arquivo pessoal)

“Sua contribuição (do Plano Real) para a estabilização de preços foi notável, acabando com a inflação galopante que corroía o poder de compra dos mais pobres e minava a confiança no país. Mas foi também importantíssimo para consolidar nosso processo democrático, visto que promoveu uma tremenda distribuição de renda (em favor dos mais pobres) e contribuiu para reduzir a pobreza, mostrando-se, portanto, um divisor de águas na história econômica do Brasil.”

Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest

Indagado sobre os erros e acertos do Plano, ele foi enfático: Os acertos são notórios, como já foi colocado. É difícil apontar erros, pois não se sabe se as alternativas eram viáveis. De qualquer forma, dois erros parecem que são notórios: trocar o imposto inflacionário por aumento de carga tributária e aumento de dívida e não promover desindexação, tendo ainda de conviver com uma economia muito atrelada aos preços passados, que dificulta o processo de desinflação.

A título de ilustração, no México, que também possui meta de 3% de inflação, o peso dos itens Administrados (que possuem variação diretamente associadas à inflação passada, como contratos públicos) é de aproximadamente 5%, enquanto o peso dos chamados Administrados é de cerca de 26% da cesta do nosso IPCA.

Para concluir, ele enaltece a implantação da Unidade Real de Valor (URV): “É de uma criatividade e me parece de uma genialidade impressionante, permitindo recuperar de maneira rápida e simples as duas outras funções então perdidas da moeda brasileira, já descritas: unidade de conta e reserva de valor”.

Mesmo reconhecendo que o Plano Real foi um sucesso, Alexandre Manoel entende que a revisão do Plano é uma necessidade para completar e efetivar a estabilização de preços no Brasil após 30 anos. Para isso, é essencial reduzir o nível de indexação da economia brasileira, incluindo o orçamento público federal, e recuperar um nível de superávit primário que torne a dívida do país sustentável.

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