É preciso que todos entendam que temos um problema fiscal no Brasil e que esse desequilíbrio das contas pode atrapalhar o crescimento, nos levar a um cenário de juros altos e inflação fora da meta. Nesse cenário, todos perdem.
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O Brasil tem hoje um déficit primário estrutural (receita menos despesas do governo central sem incluir pagamento de juros) por volta de 1% do PIB e, quando se inclui o pagamento de juros, um déficit nominal de mais de 6% do PIB. Com esses números, mesmo com crescimento da economia entre 2% e 2,5% ao ano, a dívida bruta e a dívida líquida do setor público crescerão todos os anos neste governo.
Terminaremos o atual mandato presidencial, em 2026, com a dívida bruta em 82% do Produto Interno Bruto (PIB), crescimento de pelo menos dez pontos em relação a 2022. Esse ritmo de crescimento da dívida não é sustentável no médio e longo prazos.
O ajuste fiscal necessário para colocarmos as dívidas bruta e líquida numa trajetória de queda é de pelo menos três pontos do PIB (R$ 350 bilhões) — e precisa ser feito ao longo dos anos. Fazer ajuste fiscal não é mágica. Envolve, necessariamente, aumento de receita e/ou corte de despesas.
No caso do Brasil, dadas as escolhas feitas na nossa Constituição Federal de 1988, já definimos há mais de 35 anos que seríamos um país de carga tributária elevada. Para nosso nível de renda per capita, o Brasil tem uma carga de 32,4% do PIB, muito acima da média para a América Latina, de 22%, e mais próxima da média da OCDE, que inclui países muito mais ricos.
O Brasil não conseguirá fazer um ajuste fiscal de três pontos do PIB apenas aumentando carga tributária. Algum aumento da arrecadação é possível com a redução dos regimes especiais de tributação, mas é difícil estimar quanto este ou qualquer outro governo conseguiria arrecadar a mais com essas mudanças. Alguém acredita numa redução radical do Simples? Ou mesmo no fim da Zona Franca de Manaus?
Há ainda uma peculiaridade nas contas públicas no Brasil. Parte importante da despesa do governo federal — saúde, educação e parte das emendas parlamentares — está vinculada ao crescimento da receita. O crescimento mais rápido da arrecadação significa, necessariamente, aumento mais rápido do gasto. Qualquer que seja o ajuste fiscal, será necessário mexer nessas regras de vinculação da despesa à receita.
Adicionalmente, parte dos benefícios assistenciais e o piso da Previdência Social são vinculados ao salário mínimo. Uma política de valorização do mínimo acelera o crescimento da despesa da Previdência com benefícios sociais (BPC/Loas), seguro-desemprego e abono salarial. No próximo ano, mais da metade do crescimento programado de R$ 164 bilhões da despesa primária do governo central decorrerá dos programas acima, afetados diretamente pelo crescimento do salário mínimo.
Sem redução da correção real do salário mínimo ou desvinculação das despesas acima do crescimento real dele, é difícil projetar qualquer redução da despesa do governo federal em percentual do PIB ao longo dos próximos anos — redução necessária para fazermos parte do ajuste fiscal pelo lado da despesa.
Nos demais países, é normal haver despesas que crescem automaticamente com o aumento da receita? Não. É normal que benefícios sociais tenham o mesmo valor que o piso da Previdência? Não. Teremos de rever essas regras. Mesmo assim, teremos ainda algum aumento da carga tributária para fazer o ajuste fiscal e consolidar um cenário de juros menores, inflação na meta e mais crescimento.
*Mansueto Almeida, economista-chefe do BTG Pactual, foi secretário do Tesouro Nacional
Fonte: Portal O Globo
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