biotecnologia aplicada ao agronegócio

A aplicação de biotecnologia no agronegócio do Ceará ganha destaque em segmentos como a pecuária leiteira, a fruticultura e a aquicultura. (Foto: Envato Elements)

Os ganhos do agro brasileiro com a biotecnologia

Por: Gladis Berlato | Em:
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Após os acelerados ganhos de produtividade com o sistema transgênico, é a vez da biotecnologia agrícola avançar ainda mais em benefício da produtividade no campo de maneira sustentável. Neste sentido, o Brasil está em linha com as maiores potências no assunto (EUA, Canadá, Japão China, União Europeia e Argentina), usufruindo de vantagens como cultivos mais resistentes à seca, controle aprimorado de pragas e doenças e variedades tolerantes a herbicidas.


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Poderia chegar mais longe? Sim, não fossem os ainda baixos investimentos nacionais, públicos e privados, em pesquisa e desenvolvimento para fazer da biotecnologia o caminho para manter o Brasil na liderança mundial na produção e no fornecimento de alimentos.

Revolução genética

Que o diga o pesquisador gaúcho Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, sediada em Londrina (PR). Na liderança da instituição que desenvolve e vê nascer soluções tecnológicas para as dores de quem planta, o especialista em biotecnologia diz que o Brasil conta com uma das mais modernas leis de biossegurança. Também aponta como positiva a atuação de mais empresas no desenvolvimento de biotecnologia, ao contrário da década passada, a dos produtos transgênicos, quando havia o domínio de poucas e grandes corporações.

Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja. (Foto: Arquivo Embrapa)

Para ele, o País pode ser agente ativo na revolução mundial na área da genética, ferramenta capaz de aumentar a eficiência da produção agrícola com responsabilidade social e ambiental, oferecendo melhoria na qualidade de vida das pessoas ao produzir mais e melhores alimentos. “A eficiência também se traduz na capacidade de produzi-los de maneira sustentável, dentro das orientações dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU”, garante.

A experiência na área de fisiologia vegetal, biologia molecular, engenharia genética e edição de genomas (sistemas CRISPR) diz a Alexandre Nepomuceno que é possível avançar muito. Diferentemente da época dos transgênicos, que enfrentou enormes barreiras atrasando as pesquisas em pelo menos sete anos até sua aceitação, a biotecnologia está presente em diferentes segmentos e disponível para outros tantos. O tomate com genoma editado é um deles. O peixe ganhou entre 20% e 30% mais carne, o porco teve os vírus eliminados, os bioinsumos ganharam eficácia maior, da mesma forma que os biofertilizantes passaram a absorver o NPK na medida necessária. A soja e suas mais de 60 mil variações passou por edições gênicas para garantir um óleo com menor geração de emissões de gases de efeito estufa, um projeto da Embrapa Soja.

Avanços em biotecnologia

“A transgenia vai continuar sendo importante e se soma à edição gênica em favor de mais melhorias”, afirma o pesquisador, lembrando que atualmente os avanços em biotecnologia são rápidos e mais baratos. O genoma humano levou 12 anos para ser sequenciado e exigiu US$ 2,0 bilhões com as técnicas disponíveis há 20 anos. A primeira planta sequenciada (Arabidopsis thaliana) teve seu genoma anunciado em 2000 e consumiu 8 anos de trabalho. Hoje, com a utilização da terceira e quarta gerações de sequenciadores, poderosos programas de bioinformática e modelagem computacional, os genomas podem ser sequenciados em poucas semanas, dias e até horas a custos próximos de US$ 100/genoma. 

São desafiadores, também, os novos tempos que apontam para uma população mundial superior a 9 bilhões em 2050 (dados da ONU), o que exigirá, conforme Nepomuceno, o uso de diferentes ferramentas e estratégias de ação, em que a biotecnologia, mais especificamente a engenharia genética, terá um papel transformador. “Poucos países conseguem produzir até três ciclos de produção em uma mesma área, num mesmo ano agrícola como o Brasil que tem capacidade produtiva única e papel de enorme relevância na sustentabilidade do planeta”, afirma.

Nepomuceno antecipa que a nova e silenciosa revolução estratégica para a agricultura passa pelos novos usos do RNAi, um processo que ocorre nas células vivas e funciona como um “interruptor”, permitindo que certos genes sejam ligados e desligados. Genes específicos de insetos-praga, de patógenos e de ervas daninhas podem ser inativados de forma semelhante e muito precisa, sem impactos aos demais seres vivos presentes no ecossistema agrícola. “Essa tecnologia permitirá a redução drástica de agrotóxicos, favorecendo a saúde dos trabalhadores rurais, do consumidor, e do equilíbrio ambiental”, garante o chefe-geral da Embrapa Soja.

Organismos Geneticamente Modificados

Para o diretor técnico adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Maciel Silva, o impulsionamento sustentável da produção agropecuária, por meio da biotecnologia, ocorre de diferentes formas. A mais conhecida delas talvez seja a alteração gênica dos cultivos para a obtenção de características desejadas em um processo muito mais veloz e com o melhoramento genético clássico.

Maciel Silva, diretor técnico adjunto da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). (Foto: Wenderson Araújo)

Ele atribui a transgenia como a ciência de mais rápida adoção na agricultura mundial. Basta lembrar que no Brasil, atualmente, as variedades transgênicas são utilizadas entre 97% e 98% das áreas plantadas com soja, milho e algodão. “Além das vantagens trazidas em elevação de produtividade, redução de custos e facilidade na gestão de campo, as lavouras transgênicas têm assegurado muitos benefícios ambientais”, acrescenta. Entre os resultados, Maciel cita os índices de redução na quantidade de pesticidas utilizados no controle de pragas, que tiveram queda de 35% na soja; 16,2% no milho de verão; 16,4% no milho de inverno e 27,5% no algodão, com adoção de variedades transgênicas.

O diretor da CNA também lembra que a intensificação com tecnologia e sustentabilidade evitou a abertura de novas áreas e permitiu economia na utilização de combustíveis. As lavouras transgênicas trouxeram redução no uso do maquinário, utilizado para a pulverização de defensivos, o que ocasionou queda no consumo de combustível. Em 25 anos foram economizados 565 milhões de litros de combustível em função da adoção da biotecnologia.

Tecnologia CRISPR-Cas9

A necessidade de maior eficiência na produção agrícola para atender a demanda crescente de alimentos com sustentabilidade no campo vai além dos cultivos transgênicos. Maciel cita a tecnologia CRISPR-Cas9, utilizada no melhoramento genético de plantas. A novidade permite o desenvolvimento de novas cultivares e variedades com características desejáveis, mais produtivas e resistentes a estresses climáticos e ao ataque de pragas e doenças, sem a necessidade de um gene de outra espécie. Também possibilita o surgimento de novos bioinsumos e biocombustíveis.

O agronegócio mundial vem presenciando um movimento crescente em direção à adoção desses produtos, derivados de organismos vivos ou de seus processos. Eles entraram no mercado como alternativas e complementos promissores aos defensivos e fertilizantes químicos tradicionais e, no caso dos biocombustíveis, como fontes alternativas sustentáveis produzidos a partir de biomassa, como cana-de-açúcar, milho, oleaginosas e resíduos florestais. “São as novas rotas e processos de produção”, sentencia.

Biotecnologia traz ganhos adicionais

Danielle Costenaro, gerente regulatória de Biotecnologia e Germoplasma na CropLife Brasil – associação de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a produção agrícola sustentável – informa que, economicamente, a biotecnologia gerou ganhos adicionais de R$ 143,5 bilhões em 25 anos, aumentando a produção em 112,3 milhões de toneladas de grãos.

Danielle Costenaro, gerente regulatória de Biotecnologia e Germoplasma na CropLife Brasil. (Foto: Arquivo pessoal)

Dados da CropLife Brasil e da Agroconsult mostram que o Brasil cultivou 56,9 milhões de hectares com transgênicos na safra 2022/2023, abrangendo soja, milho, algodão, feijão e cana-de-açúcar, com adoção de até 99% em algumas culturas. E os benefícios incluem a redução de 1,597 milhão de toneladas de defensivos, economizando recursos naturais e preservando o meio ambiente. Desde o início do uso de plantas geneticamente modificadas, em 1996, a área cultivada no mundo cresceu de 1,7 milhão de hectares para mais de 190,4 milhões de hectares. No Brasil, as lavouras de transgênicos, que começaram em 1998 com a cana-de-açúcar, atualmente ocupam mais de 56 milhões de hectares, abrangendo soja, milho e algodão.

Com vasta abrangência de aplicação em benefício do produtor e do País, “o uso da biotecnologia garante a segurança alimentar sem comprometer a sustentabilidade”, afirma Danielle. Ela lembra que para manter o nível de produção observado nas áreas que adotam variedades transgênicas no Brasil, seria necessário o plantio de 21,4 milhões de hectares adicionais no país entre 1998 e 2022/23. Para efeitos de comparação, essa área equivale ao dobro do total da área de soja plantada somente no estado de Mato Grosso em 2020.

Ceará responde à altura

O secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE), Sílvio Carlos Ribeiro, atesta que a parceria da Embrapa-CE em muito tem contribuído para o avanço do setor agropecuário cearense a partir da biotecnologia. Isto inclui desde a produção de culturas com alto poder de produção e já adaptadas à região semeada, passando também pela produção de bioinsumos e seu uso em produtos fármacos e cosméticos. “Hoje produzimos culturas jamais pensadas como mirtilo e blueberry, praticamente só adaptadas a climas frios”, afirma. Também cita o desenvolvimento de bioinsumos com matérias-primas naturais com ganhos à agricultura.

Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE). (Foto: SDE-CE)

Ribeiro também cita a Fiocruz no desenvolvimento de fármacos mais eficientes, da mesma forma que a indústria cosmética tem avançado com a utilização, entre outras, da pitaia. “Cada vez mais o Ceará aposta neste setor para garantir o vigor do nosso agronegócio”, diz o secretário.

Melhoramento genético

Na visão da área técnica da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (FAEC), a aplicação de biotecnologia no agronegócio do Ceará ganha destaque em segmentos como a pecuária leiteira, fruticultura, aquicultura, algodão, dentre outros. Na pecuária, por exemplo, o Sistema FAEC/Senar está desenvolvendo o Projeto de Fertilização in Vitro (FIV) do Ceará, iniciativa que busca o melhoramento genético do rebanho leiteiro.

Os embriões são produzidos por Fertilização in Vitro em criatórios especializados em seleção genética, proporcionando um avanço genético de 5 a 7 gerações, a partir de 25 anos. Para isso, a FAEC firmou convênio com o Sebrae para disponibilizar embriões de alto valor genético aos pequenos e médios produtores.

A expectativa é de que, ao longo dos próximos três anos, sejam contemplados mais de 900 produtores com 2.700 prenhezes. Todos os laboratórios produtores dos embriões são certificados junto ao Ministério da Agricultura.

Na fruticultura, a biotecnologia é utilizada para o aumento da produtividade e para o desenvolvimento de variedades de frutas mais resistentes a pragas e doenças. No cultivo de melão, banana, caju e coco, por exemplo, também é possível aprimorar características como sabor, tamanho e tempo de prateleira.

Na aquicultura cearense, a biotecnologia é utilizada para melhorar espécies de camarões, buscando crescimento mais rápido, resistência a doenças e melhoria na qualidade da carne.

Revolução amigável

Para a pesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical de Fortaleza (CE), Natália Florêncio Martins, as inovações biotecnológicas estão revolucionando a agricultura, tornando-a mais eficiente, produtiva e amigável ao meio ambiente. Entre as técnicas utilizadas, ela cita a engenharia genética, nanotecnologia, a agricultura 5G e outros desenvolvimentos em prol de culturas mais resistentes a pragas, doenças e condições climáticas adversas.

Desde 2018, a Embrapa e parceiros (UnB e Krilltech) desenvolvem aplicações de nanotecnologia para o aumento da produtividade que resultaram em patentes. Os produtores do Ceará e Rio Grande do Norte são pioneiros na validação do produto em campo, observando um aumento de cerca de 20% na produção de melão amarelo por hectare. Mais recentemente a Arbolina está sendo aplicada nas culturas de coco, caju, mamão e banana com a tecnologia nacional que atende aos pequenos produtores e também traz vantagens aos grandes produtores. 

A pesquisadora Patrícia do Nascimento Bordallo lembra que é significativo o impacto das tecnologias de edição genética e transgênicos na produtividade agrícola. Mais do que o rendimento maior por hectare, ela destaca que as plantas editadas geneticamente podem ser adaptadas para tolerar condições climáticas adversas, como seca e solo salino, permitindo a agricultura em áreas antes consideradas difíceis, trazendo maior geração de renda para os agricultores. Outro destaque destas tecnologias aplicadas ao campo, no olhar do pesquisador Wardsson Lustrino Borges, são as inovações em biofertilizantes e biopesticidas que, igualmente, trazem vantagens econômicas e ambientais.

Segurança alimentar

Também da Embrapa Agroindústria Tropical de Fortaleza, a pesquisadora Maria do Socorro Rocha Bastos observa que cerca de 70,3 milhões de brasileiros enfrentam algum grau de insegurança alimentar, o que pode acarretar anemia, desnutrição, sobrepeso e redução do sistema imunológico, abrindo portas para o aparecimento de doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, câncer, osteoporose, além da obesidade.

A Embrapa tem contribuído com ações de pesquisa e desenvolvimento para a melhoria da segurança alimentar com projetos de fortalecimento da agricultura familiar, que gera conhecimentos e tecnologias para o desenvolvimento territorial, atua na sustentabilidade econômica e ecológica da agricultura, contribuindo para a melhoria da saúde de produtores e consumidores.

Outro projeto destaque na Embrapa é da biofortificação de alimentos como estratégia de segurança alimentar e nutricional. A Rede BioFORT é responsável pela biofortificação de alimentos no Brasil em suas 15 unidades envolvidas, com foco no melhoramento de alimentos básicos (arroz, feijão, feijão-caupi, mandioca, batata-doce, milho, abóbora e trigo).

Agricultura 4.0

A revolução no campo chegou com o chamado Agro 4.0. As tecnologias associadas não apenas automatizam e otimizam processos na agricultura e pecuária, como permitem a criação de sistemas sofisticados para a produção de alimentos. Quem imaginaria a agricultura vertical e sem solo, onde os nutrientes são oferecidos às plantas por um sistema de ar umidificado, a aeroponia, questionam os pesquisadores Ebenezer de Oliveira Silva e Cláudio José Reis de Carvalho?

Dados da Conectar Agro revelam um crescimento expressivo na infraestrutura de conectividade no campo. De dezembro de 2021 a maio de 2023, a cobertura de conectividade passou de 6,2 milhões para 14,4 milhões de hectares. A rede de banda estreita para Internet das Coisas expandiu de 13 para 29,2 milhões de hectares, abrangendo 525 municípios em 13 estados, aumentando o número de pessoas conectadas de 600 mil para 1,1 milhão.

Exemplo dos benefícios da conectividade está no estudo da Unicamp, Case IH e operadora TIM, em Água Boa, no Mato Grosso, onde uma fazenda conectada aumentou a produtividade em 18%, na safra 2022/2023, comparado à safra anterior (não conectada), e 13,4% acima da média nacional. “Esses ganhos foram possíveis devido ao uso eficiente de máquinas conectadas, mas também pelo uso mais eficiente dos insumos agrícolas, resultando em economia e menor impacto ambiental”, comentam os pesquisadores da Embrapa de Fortaleza.

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