Ao saltar de décimo para terceiro maior produtor mundial de algodão, o Brasil antecipou em seis anos a meta estabelecida para 2030. Também ostenta, pela primeira vez, o título de maior exportador global, ultrapassando os Estados Unidos. E a previsão da safra atual garante um certo conforto ao País para manter as posições de destaque: os 1,99 mil hectares plantados renderão 3,668 milhões de toneladas de pluma, das quais 3,0 milhões vão cruzar o Oceano em direção à Ásia, maior comprador com quase metade do volume, seguida por Bangladesh, Coreia do Sul, Vietnã e Turquia, totalizando 91 destinos, entre os quais o Egito, ainda incipiente mas um dos mais exigentes compradores, o que atesta a qualidade do algodão verde-amarelo.
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A alta performance, segundo Márcio Portocarrero (foto), diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), não aconteceu num passe de mágica. Ele atribui o fato ao diferencial de qualidade e rastreabilidade ímpares do produto brasileiro. “Somos o grande cliente dos compradores mundiais, dada a nossa responsabilidade ambiental que garante que 83% de todo o algodão brasileiro seja sustentável”, afirma. É bem verdade, entretanto, que houve uma ajuda dos desastres climáticos norte-americanos que abriu espaço para o Brasil. Mas há quem garanta que a conquista não é episódica porque a produtividade brasileira é maior do que a estado-unidense.
O fato é que a safra atual ainda não toda colhida já está comercializada. E a próxima conta com 60% do total vendido, o que dá segurança aos produtores de continuarem semeando e colhendo bons resultados. A perspectiva é animadora e, se o clima continuar ajudando, confirmará a previsão de aumento de 2,1 milhões de toneladas. Sem contar que o Brasil é o único capaz de crescer em produtividade e em área plantada.
Mais consumo de algodão
O objetivo, diante deste cenário, conforme Portocarrero, é cuidar para manter equilibrada a oferta de algodão, já que o consumo mundial não tem aumentado. O motivo é a concorrência dos produtos sintéticos como poliéster e viscose. “Estamos trabalhando na conscientização do consumidor para o nosso diferencial de sustentabilidade”, afirma, lembrando que os produtos sintéticos, diferentemente das fibras naturais, não permitem a reciclagem dentro da necessária economia circular. Um dos programas de promoção é o Sou de Algodão que conta com mais de 1600 marcas parceiras.
Outro desafio apontado pelo diretor da Abrapa é o permanente alerta para o ataque às pragas, tão presentes na agricultura de clima tropical. “O manejo integrado de pragas e doenças é permanente e crescente com o uso das tecnologias de georreferenciamento das lavouras, drones e produtos biológicos que permitem o ataque focado na área específica oferecendo eficiência e economia de insumos”, garante. Ele cita, ainda, o desenvolvimento de variedades transgênicas da planta com resistência ao bicudo.
A propósito, o algodão sintético não lhe parece uma alternativa para o Brasil pela sua condição privilegiada porque “vai bater na conscientização do consumidor e porque a cadeia têxtil da lavoura à roupa é a segunda maior em geração de empregos, perdendo apenas para a construção civil”.
Brasil precisa vender melhor
“O que levou o algodão brasileiro à liderança foi a maior sustentabilidade do mundo”, assegura a voz de cliente de Sérgio Armando Benevides Filho (foto), diretor comercial de Algodão da Companhia Valença Industrial (BA) e da Têxtil União (CE),duas das mais antigas indústrias têxteis do País.
Ele lembra que o produtor segue as mais rigorosas normas ambientais internacionais. Além da Certificação BCI (Better Cotton Initiative), presente em mais de 80% das fazendas, os produtores nacionais também se enquadram nas exigências doprograma Algodão Brasileiro Responsável (ADR).
Como coordenador do Comitê de Algodão da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (ABIT), ele entende que é preciso vender melhor os diferenciais do produto nacional para enfrentar com eficiência o lobby dos produtores internacionais, notadamente europeus. Entre os argumentos favoráveis estão o regime de sequeiro que usa 90% da água da natureza (chuva) e o sistema de safrinha, como ocorre no principal produtor, o Mato Grosso, que responde por 70% da safra e desta 90% planta soja e algodão sem ampliação de área.
Benevides também defende a necessidade de ampliar o consumo mundial da pluma, estacionada em 25 milhões/toneladas há duas décadas. Neste cenário, o Brasil desponta como o único capaz de duplicar ou até triplicar a área, além da alta produtividade por hectare.
O futuro é sintético?
O futuro do algodão no mundo está nos laboratórios? O aquecimento global crescente, a falta de água e o ataque de pragas até sugerem este caminho, mas as dúvidas persistem. O mercado japonês, através da Suzuran Medical, se mostrou aberto a experimentar esta alternativa que utiliza o algodão de laboratório desenvolvido pela startup norte-americana Galy e que, mais recentemente, passou a contar com o capital do grupo têxtil espanhol Inditex.
Com escritórios dos EUA e Brasil, a Galy é focada em agricultura celular. As fibras são fruto do cultivo de células em biorreatores ou tanques de fermentação e serão insumos na indústria de cosméticos, roupas de cama e outros como algodão e gaze de uso médico. O consumo inicial será de 3 mil toneladas.
Mercado de nicho
Para Daniel da Silva Ferreira (foto), chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa, o algodão de laboratório éum mercado de nicho muito mais adotado por países sem tradição em produção convencional de algodão. Acha prematuro o Brasil apostar neste segmento bem direcionado pela sua posição de destaque como produtor mundial. Também tem liderança nas exportações com embarques previstos de 2,6 milhões de toneladas, o que representa cerca de 70% do que sai das lavouras nacionais. Os números deixam o Brasil numa condição bastante satisfatória.
“O algodão produzido no Brasil tem alto nível de rastreabilidade e sustentabilidade e atende todos os requisitos de uma produção limpa e sustentável, além de valorizar os princípios do Movimento Sou de Algodão”, afirma, referindo-se às várias certificações socioambientais conquistadas.
Mesmo assim, entende que o algodão de laboratório até pode vir a ser explorado, embora não haja grandes projetos em desenvolvimento de produção de plumas em laboratório e nem há escala industrial significativa, o que implica em custos elevados de produção, de infraestrutura e de logística.
Ele não descarta que poderá existir um mercado para este tipo específico de pluma de laboratório, mas ainda não é possível identificar volumes e custos efetivos. Ferreira faz questão de registrar que uma coisa não concorre com a outra por acreditar que esta produção virá atender demandas específicas.
Produção e consumo mundial – Safra 2024/25
Análise semanal do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea) mostra que a produção mundial de algodão está estimada em 26,17 milhões de toneladas, 5,71% superior à safra anterior. O aumento é atribuído à previsão de ampliação da área colhida de 32,41 milhões de hectares.
Já a previsão de consumo mundial de algodão também indica aumento de 3,44% sobre o período anterior, alcançando 25,52 milhões de toneladas. E as exportações deverão crescer 0,85% graças às vendas dos Estados Unidos, com 2,83 milhões de toneladas, e do Brasil, com 2,72 milhões de toneladas (dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos – USDA).
Técnicos têxteis
Inaugurado, em março deste ano (2024), o Laboratório de Algodão do Senai Parangaba conta com estrutura que envolve todo o processo da cadeia têxtil a partir do algodão já plantado e colhido. As plumas são recebidas em fardos que são transformados em fitas, depois em fios até virarem tecidos.
O gerente da Unidade de Negócios do Senai Parangaba, Enzo Rissi, conta que o laboratório de controle de qualidade físico é composto por equipamentos modernos que visam realizar ensaios têxteis nas fibras, fios e tecidos. “O ambiente é ideal para aplicação de diversas práticas pedagógicas que visam o desenvolvimento das capacidades técnicas e de gestão dos alunos, tendo como base o perfil profissional do técnico têxtil”, explica, citando, entre outras atividades, a aplicação de normas técnicas específicas, realizações de diversos testes, a avaliação e interpretação dos resultados obtidos nos ensaios.
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